“A revolta da opinião pública mundial, e sobretudo brasileira, é proporcional à brutalidade das ações das forças armadas israelenses em Gaza”

Michel Gherman; Gabriel Mizrahi

"A revolta da opinião pública mundial, e sobretudo brasileira, é proporcional à brutalidade das ações das forças armadas israelenses em Gaza"
Michel Gherman; Gabriel Mizrahi
Foto: President.gov.ua CC BY via Wikimedia Commons

Os atentados terroristas do grupo Hamas, no dia 7 de outubro de 2023, deixaram um rastro de horror, medo e destruição no sul de Israel. O morticínio de civis inocentes, israelenses e estrangeiros, foi motivo de ampla comoção na comunidade internacional. Logo em seguida, Israel reagiu de maneira brutal contra a população civil de Gaza, levando a uma violência e massacres sem precedentes na região e inédita no planeta no século XX1.

Ao longo dos últimos meses, os olhos do mundo inteiro se voltaram à Gaza e a barbárie que ocorre na frente de todos. Barbárie essa perpetrada pelo Estado de Israel e, mais precisamente, pelo governo de extrema-direita comandado por Benjamin Netanyahu e seus aliados neofascistas messiânicos, seguidores do Kahanismo.

A revolta da opinião pública mundial, e sobretudo brasileira, é proporcional à brutalidade das ações das forças armadas israelenses em Gaza.

A causa palestina tem ganhado um enorme impulso político, diplomático e midiático, dada a atuação criminosa do governo israelense. Da mesma forma tem aumentado o senso de urgência pela criação imediata de um Estado Palestino independente.

A difusão do discurso pró-Palestina é necessária e bem-vinda. É necessário também, neste contexto, tomar alguns cuidados para não se cair em armadilhas discursivas que podem

fortalecer a extrema-direita, no contexto israelense, brasileiro e em várias outras regiões do mundo.

A primeira dessas armadilhas é entender Israel como uma espécie de centro mitológico de uma pretensa civilização-judaico-cristã. É necessário lembrar que a ideia de que Israel como um lugar sem disputas ou contradições internas, sendo inteiramente branco, ultraconservador, ultra-liberal, super rico e armamentista, não é uma criação da esquerda, mas justamente uma criação positiva da extrema-direita. É a ideia que chamamos de Israel Imaginário, que enxerga Israel não como um Estado (com todos os seus muitos problemas), mas como uma mistura do Reino de Israel bíblico com uma construção de projeto político de sociedade perfeita em uma lógica fascista.

Quando setores da esquerda caem nessa armadilha, começam também a discursar na mesma lógica. Nesse contexto, a sociedade Israelense é percebida a partir de uma lógica a-histórica e conspiracionista.

A consequência mais grave, na formação deste discurso na esquerda, é o esvaziamento da política, como discurso e como prática. A crença exclusiva na Israel Imaginária fortalece discursos de conspiração mundial e de embate civilizacional absoluto, sem possibilidade de dissenso, diálogo ou coexistência. Isso acaba por fortalecer justamente a visão de mundo e o projeto de poder de fascismos e pós fascismos contemporâneos.

Esse fortalecimento se percebe em Israel, mas também em disputas políticas no Brasil.

A simplificação do espaço político como embate civilizacional e moral privilegia a extrema-direita. O apagamento do espaço da política e a própria negação da possibilidade de existência de Israel é um discurso que favorece, justamente o fascismo, o Kahanismo e seus aliados.

A luta pelos direitos nacionais e humanos dos palestinos deve estar no campo da política. Isso se dá com pressão política e econômica, valorizando também vozes dissidentes e a racionalidade de setores da sociedade israelense e das comunidades judaicas que se colocam no campo progressista.

O Estado de Israel precisa pagar pelos crimes perpetrados não apenas por seu exército em Gaza, mas também pelos colonos que ocupam ilegalmente a Cisjordânia.

A criação da Palestina como Estado é necessária e urgente.

Por uma Palestina democrática, independente e livre existindo ao lado de Israel com direito a segurança, paz e prosperidade, tendo Jerusalém oriental como sua capital.

A demonização da Existência de Israel flerta com discursos religiosos, teleológicos e atropela setores políticos israelenses que resistem à extrema direita no poder hoje. A adoção de uma gramática antissemita que generaliza a maioria dos judeus e dos israelenses não ajuda na causa palestina, mas ao contrário estabelece pontes e justificativas para o fortalecimento de direitas reacionárias e neofascistas ao redor no mundo.