O legado da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência na construção de um Brasil mais inclusivo
As pessoas com deficiência compõem cerca de 10% da população brasileira acima de 2 anos e residente em domicílios.
Anna Paula Feminella e Silvio Almeida
Entre os dias 14 e 17 de julho, Brasília foi palco de uma conferência que entra para a história por garantir o protagonismo político das pessoas com deficiência e por servir de referência para a gestão de políticas públicas com participação social.
Viabilizando a acessibilidade e garantindo um ambiente inclusivo, a 5a Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (5 a CNDPD) atendeu às demandas das pessoas participantes com uso responsável de recursos públicos. Além disso, contou, em seu encerramento, com a presença e posição firme do presidente Lula em defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
O processo conferencial da 5a CNDPD iniciou com conferências municipais e regionais em 2023, que foram preparatórias para as estaduais. As propostas elaboradas na 1a Conferência Nacional Livre sobre Acessibilidade Cultura também qualificaram os debates sobre direitos culturais e cultura anticapacitista.
O clima foi de alegria pela oportunidade de reencontros e diálogos, com atividades culturais e espaços de acolhimento, como a sala de cuidados às pessoas com sobrecarga sensorial e a oficina de cadeira de rodas. Tudo foi concebido para favorecer o trabalho de análise crítica do atual cenário e a proposição de soluções para promover os direitos da pessoa com deficiência.
Apesar do reconhecimento sobre os avanços normativos e intersetoriais conquistados, as pessoas com deficiência apontam a solidão e a fadiga do acesso. Além disso, as pesquisas provam que estão mais presentes nas classes empobrecidas e territórios vulnerabilizados, sendo vítimas das mais graves violações de direitos, como demonstra o Atlas da Violência (2024).
A conferência também avançou em revelar como outros marcadores sociais da diferença interseccionam com a condição de deficiência para impor inaceitáveis vulnerabilidades. Em uma confluência de exclusões, pessoas com deficiência estão particularmente expostas nas periferias, florestas e em territórios rurais, em especial quando são crianças, adolescentes, mulheres, população em situação de rua, LGBTQIAP+, indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Há uma emergência humanitária em curso e precisamos de um Estado que invista em políticas sociais consistentes e na ampliação das capacidades institucionais para cumprir suas obrigações.
As pessoas com deficiência compõem cerca de 10% da população brasileira acima de 2 anos e residente em domicílios. Portanto, a cada 5 famílias, uma tem pelo menos um integrante com deficiência, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (IBGE, 2022). Por isso, prover políticas públicas que garantam o desenvolvimento das pessoas com deficiência ajudará a interromper o ciclo de exclusão e empobrecimento de parcela significativa das famílias brasileiras.
A condição da deficiência ainda precisa ser compreendida como uma temática estratégica para o enfrentamento às desigualdades sociais. Além disso, a promoção de direitos humanos das pessoas com deficiência pode diversificar e ampliar a cultura política da esquerda brasileira e avançar na retomada do trabalho de base para prover as transformações sociais.
Também foi oportuno o diálogo ampliado sobre as inovações do Novo Plano Viver sem Limite. Nesse debate, ficou evidente como o plano contribui para estruturar um sistema nacional de direitos humanos capaz de articular os esforços de cada ente federado, com orçamentos e instrumentos de gestão participativos para, inclusive, implementar de forma plena a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Não por acidente, a plateia ovacionou o compromisso de parlamentares presentes pela aprovação de Projeto de Lei que institui o Fundo Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
É preciso prosseguir na valorosa trajetória coletiva daqueles que nos antecederam na luta pelo reconhecimento dos direitos humanos das pessoas com deficiência. Para tanto, a conferência também defendeu a ampliação e o fortalecimento dos conselhos de direitos, bem como a ampliação das políticas afirmativas em cargos de liderança no serviço público e processos eleitorais, como forma de dar continuidade ao legado de conquistas do qual hoje desfrutamos.
Após quatro dias intensos de debates, reencontros, abraços, gestos de solidariedade e terminamos a Conferência com a certeza de que não há caminho para o desenvolvimento do Brasil sem a participação social – e a plena inclusão dos direitos das pessoas com deficiência.
Anna Paula Feminella é secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (SNDPD/MDHC) e presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). É especialista em Gestão Pública e em Educação Física Escolar.
Silvio Almeida é advogado, professor e escritor, e atualmente ocupa o cargo de Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil. É doutor em direito pelo departamento de filosofia e teoria geral do direito da Universidade de São Paulo, e pós-doutorado em direito e em economia.