Atualmente, o economista Guilherme Mello ocupa o cargo de Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, na pasta do ministro Fernando Haddad. Todos os olhos estão voltados ao órgão no momento, que enfrenta debate público e político em meio à tramitação da Reforma Tributária. Em entrevista à Focus, Mello conversa sobre os rumos da economia brasileira e as “polêmicas” criadas a partir da Reforma

“Há mais de uma década que a economia brasileira não experimentava um cenário tão positivo”
Atualmente, o economista Guilherme Mello ocupa o cargo de Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, na pasta do ministro Fernando Haddad. Todos os olhos estão voltados ao órgão no momento, que enfrenta debate público e político em meio à tramitação da Reforma Tributária. Em entrevista à Focus, MeLlo conversa sobre os rumos da economia brasileira e as "polêmicas" criadas a partir da Reforma
Foto: Washington Costa/MF

O jovem e experiente economista possui uma formação acadêmica sólida e diversificada: graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), é Mestre em Economia Política pela PUC/SP e Doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde atuou como coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico e continua como professor no Instituto de Economia.

O professor sente-se bem com a mudança de ares. Em conversa com a Focus, o paulistano enfatiza que qualquer êxito alcançado é resultado de um trabalho coletivo. Guilherme Mello sublinhou a importância de uma equipe “qualificada e comprometida para enfrentar as diversas demandas do governo, da sociedade e do Congresso Nacional. O Ministério da Fazenda tem profissionais de qualidade excepcional em todas as secretarias, isso ajuda muito, mas é evidente, os desafios são grandes, o nível de desorganização que nós herdamos, seja nas contas públicas, seja nas políticas públicas, é muito grande”, explicou.

O professor entende que o desafio de comunicar o sucesso da política econômica liderada pelo Ministro Fernando Haddad é “transformar um tema árido e abstrato como a economia, em um tema concreto, que dialogue com a vida real das pessoas”, mas sabe que os dados demonstram que a economia vai muito bem, obrigado. 

– Economia pode parecer um “bicho de sete cabeças” para muitas pessoas. Como simplificar o conceito econômico na sociedade para todos? O que todos precisam saber e poucos têm “coragem” de falar?

– Bom, eu vou começar, então, respondendo e, na verdade, copiando a resposta de uma mestra de todos nós, pelo menos de todos nós economistas progressistas, que é a professora Maria da Conceição Tavares. Acho que a primeira coisa que um economista precisa saber é que a origem da economia, como já dizia o nome, é a Economia Política. E isso é muito importante porque é impossível pensar em Economia como uma ciência pura, uma ciência dissociada de outros campos de conhecimento das ciências humanas, como a Sociologia, a História, a Antropologia, a Ciência Política e tantas outras. Eu diria até a Psicologia. Então, a formação de um economista passa, evidentemente, por dominar seu instrumental analítico constitutivo. É importante conhecer Matemática, estudar matemática, conhecer muito de Estatística, principalmente a aplicada à economia, chamada Econometria. Mas, para um economista ter uma visão mais completa da realidade, ele precisa entender a economia como Economia Política. Acho que o segundo fator que colocaria como fundamental para um economista, e que muitas vezes não aparece no debate, é o entendimento sobre a matéria-prima do seu campo de conhecimento, que é a moeda. Muitas vezes, a moeda é maltratada, seja na teoria econômica, seja nos cursos de economia, sendo tratada de maneira passageira, simplificada. Entender o que é a moeda, o papel dela numa economia de mercado, ou como prefiro chamar, numa economia capitalista, e como a gestão da moeda é, na verdade, o grande centro, o grande foco da política econômica, e não só da política econômica, mas também do próprio desenvolvimento econômico no capitalismo. Digo isso porque muitas vezes a moeda é tratada como algo neutro ou apenas instrumental. É claro que temos uma visão diferente. Se você buscar, inclusive, no entendimento da moeda, a ontologia teórica de (John Maynard) Keynes e (Karl) Marx, nesse ponto de vista, se aproximam. A importância da moeda, os papeis que ela exerce e como o próprio poder se exerce através da moeda. O poder político, o poder econômico, o poder social se exercem através da moeda. De fato, eu ressaltaria, talvez, uma dezena de temas para mencionar, mas, a princípio, destacaria esses dois. O resgate da economia como economia política, uma ciência conectada às demais ciências humanas, que deve se valer dos conhecimentos acumulados nelas, e também o papel da moeda numa economia de mercado, numa economia capitalista e a necessidade de desvendar não só a origem, mas as diferentes formas que a moeda e, portanto, a riqueza, que no capitalismo é poder, se gestam, se transformam e se transfiguram nesse sistema econômico.

Também é importante explicar a questão dos atores. Temos visto esses ataques muito terríveis que o governo  e o ministro têm sofrido, com todos esses memes. O que pode ser feito para não entrar nessas armadilhas que a oposição tem apresentado para o governo?

–  Olha, eu acho que, mais uma vez, isso envolve também um tema de economia política. A agenda que o ministro Fernando Haddad está liderando à frente do Ministério da Fazenda, com todo o apoio do presidente Lula, reflete o lema do presidente durante a campanha e que ele mantém até hoje: colocar o pobre no orçamento e os ricos para pagarem imposto. Colocar o pobre no orçamento foi possível ao aprovarmos a PEC da Transição, que permitiu um aumento dos investimentos públicos e dos gastos sociais, reconstituindo dezenas de programas sociais, como o Novo Bolsa Família, Farmácia Popular, Minha Casa Minha Vida, FIES e tantos outros que marcaram o governo do presidente Lula.

Além disso, a criação de novos programas sociais também foi viabilizada pela PEC da Transição. Por exemplo, o programa Pé de Meia, importante para garantir que os estudantes do ensino médio completem sua formação escolar, oferecendo incentivos e bônus. Outro exemplo significativo é o programa Desenrola, que renegociou mais de R$50 bilhões em dívidas das famílias brasileiras, aliviando assim a carga financeira de muitas pessoas.


Inclusive com o Desenrola Pequenos Negócios para atender os pequenos empresários.

– Claro, o programa Desenrola para micro e pequenas empresas está acontecendo neste exato momento. Já negociou mais de R$2 bilhões em dívidas dessas empresas, com descontos que podem chegar a 90%e 95%. São programas novos, que não existiam nos governos anteriores do presidente Lula, mas foram criados neste governo. Esta é a forma de colocar o orçamento público a serviço daqueles que mais precisam. 

Além disso, novas linhas de crédito para microempresas foram desenvolvidas, junto com outros programas importantes, como o Mais Médicos, por exemplo, que foi ampliado e recriado. Então, acredito que essa parte está muito clara: nós voltamos a colocar o pobre no orçamento, garantindo aumentos no salário mínimo e ampliando a faixa de isenção do imposto de renda. Por exemplo, houve um aumento de mais de 40% na faixa de isenção do imposto de renda, e hoje quem ganha dois salários mínimos está isento de pagar este imposto.

Agora, temos também a segunda parte da agenda estabelecida pelo presidente Lula, que estamos perseguindo para recuperar a base fiscal do Estado brasileiro: a tributação daqueles que têm mais, dos mais ricos e das maiores empresas, que muitas vezes não é que pagam pouco imposto, mas muitas vezes não pagam imposto algum. Um exemplo são os multimilionários que têm seu capital em fundos fechados no Brasil ou em fundos fora do país, os chamados fundos offshore ou fundos de investimento financeiro. Esses fundos não pagavam imposto sobre o patrimônio ou sobre a valorização desse patrimônio. Quem trabalha no Brasil e investe no banco, seja em títulos públicos ou privados, paga imposto. No entanto, esses multimilionários não pagavam impostos. Agora, eles passaram a pagar. Isso é apenas um exemplo. Havia outras distorções criadas nos últimos anos que permitiam que um pequeno grupo de grandes empresas praticamente não pagasse impostos, graças a subvenções e isenções. Estamos fechando essas brechas, até porque elas distorcem o ambiente competitivo. A pequena empresa paga impostos, mesmo aquelas no Simples Nacional, enquanto o grande empresário recebe uma série de benefícios e acaba não pagando. Corrigir essas distorções é, na verdade, praticar justiça tributária, é praticar justiça social, é reduzir as desigualdades sociais. Sabemos que, como a economia é também economia política, sempre houve a certeza de que haveria resistências. É natural. Quando se tiram privilégios daqueles que os conquistaram politicamente, há resistências. Isso se torna uma disputa política, utilizada por esses poucos beneficiários afetados pelas mudanças para contaminar o clima na sociedade, criando a impressão de um grande aumento na carga tributária, o que não é verdade. Se você analisar os dados de carga tributária, verá que ela caiu em 2023 em relação a 2022. Ou seja, em relação ao PIB, o governo arrecadou menos impostos em 2023 do que em 2022, no último ano do governo anterior. No entanto, há uma impressão de um grande aumento na carga tributária. Por que essa impressão? Porque, finalmente, pela primeira vez, quem realmente está pagando imposto são aqueles que nunca pagaram, aqueles que sempre usufruíram de grandes privilégios tributários conquistados politicamente. Não há justificativa econômica para um multimilionário não pagar imposto, a única justificativa é que eles têm poder político. Eles detêm o capital, detêm a riqueza, e com esse poder vão ao Congresso e aos governos e conseguem aprovar seus benefícios, coisa que estamos revertendo agora. Para entender esse movimento e essas críticas, é necessário entender a economia política.

– O que podemos fazer para as pessoas entenderem a importância das ações desse governo, e como a reforma tributária promoveu esse sucesso na economia, mas que a direita e a imprensa continuam insistindo em dizer que não é tão bom?

– Em primeiro lugar, precisamos compreender que nem sempre a percepção das pessoas sobre a economia coincide com os dados observados na realidade econômica. Um exemplo disso é o atual cenário nos Estados Unidos, onde pesquisas apontam que aproximadamente metade da população norte-americana acredita que a economia do país está em recessão, embora todos os indicadores econômicos mostram que a economia americana não está em recessão; pelo contrário, está experimentando um bom nível de crescimento. Então, por que as pessoas têm essa percepção equivocada? Uma possibilidade é o recente aumento da inflação nos Estados Unidos, algo incomum nas últimas décadas, que ocorreu durante e após o período da COVID-19. Esse aumento da inflação pode ter afetado a percepção das pessoas sobre seu poder de compra. Outra possibilidade é o aumento das taxas de juros para combater a inflação. Isso pode ter impactado as famílias americanas, que têm altos níveis de endividamento, seja em empréstimos imobiliários, estudantis ou para consumo, influenciando sua percepção sobre a situação econômica. Uma terceira explicação, mais ligada à economia política, é a composição da percepção negativa da economia. Observando essa composição, fica claro que aqueles que acreditam que a economia americana está em crise e em recessão são eleitores republicanos que planejam votar em Donald Trump. Enquanto isso, os eleitores democratas ou independentes não têm essa mesma percepção de crise na economia. Portanto, a política está claramente influenciando a visão das pessoas acerca da realidade econômica, mesmo que essa visão não corresponda à verdade dos indicadores econômicos. Novamente, para entender esses cenários, é necessário apelar para a economia política. No contexto brasileiro, a economia do país raramente viveu uma situação tão favorável. Há mais de uma década que a economia brasileira não experimentava um cenário tão positivo. Por que eu digo isso? O crescimento tem surpreendido positivamente, mês após mês. No ano passado, por exemplo, o mercado financeiro previa um crescimento entre 0,7% e 0,8% para o Brasil. No entanto, o país registrou um crescimento de quase 3%, cerca de três vezes mais do que o previsto pelo mercado financeiro. Em relação à inflação, o mercado acreditava que ela poderia se aproximar de 6% no ano passado, mas encerrou em 4,6% e deve fechar mais próximo de 4% este ano, ou seja, abaixo do ano anterior. Portanto, temos um cenário em que a inflação continua em queda. É claro que alguns produtos, como o arroz ou a batata, tiveram aumento de preço recentemente devido a quebras de safra ou eventos climáticos. No entanto, no geral, a inflação, que reflete uma cesta de produtos consumidos pelas pessoas, tem desacelerado seu ritmo de aumento de preços, então, a inflação tem caído no Brasil. Desde o início de 2023, a inflação tem sistematicamente diminuído no Brasil, enquanto o crescimento econômico tem superado as expectativas. No ano passado, o crescimento econômico foi de 3%. Para este ano, a estimativa é de aproximadamente 2,5%. Isso se deve ao fato de que não teremos a mesma super safra do agronegócio que impulsionou nosso crescimento no ano anterior. Se tivéssemos uma safra semelhante, provavelmente teríamos um crescimento ainda maior do que os 3%. Os indicadores econômicos são muito positivos, com aumento da renda dos trabalhadores, sendo o maior desde o início do Plano Real. Além disso, a massa salarial atingiu níveis recordes, indicando a soma de todos os salários e benefícios dos trabalhadores. O desemprego está em queda, aproximando-se de 7%, uma das menores taxas de desemprego da história brasileira. A balança comercial brasileira, que reflete nossa relação de exportações e importações com o resto do mundo, está em níveis recordes de superávit. O Brasil tem aumentado suas exportações significativamente, beneficiando-se das reservas cambiais acumuladas ao longo dos mandatos dos presidentes Lula e Dilma. Boas notícias não faltam e a vida das pessoas está sendo positivamente impactada não apenas pela conjuntura econômica favorável, mas também pelos programas sociais existentes, como o Bolsa Família, o Mais Médicos, o Farmácia Popular, a valorização do salário mínimo e a isenção de imposto de renda para aqueles que ganham até dois salários mínimos. Nós temos um conjunto de fatos, dados concretos, mostrando que a economia brasileira está em um excelente momento. Agora, a percepção das pessoas pode não ser exatamente essa. Seja por motivos econômicos mesmo, por exemplo, as pessoas perderam renda, o salário perdeu importância na massa de rendimentos do Brasil nos últimos dez anos. Estamos recuperando isso, mas é um processo, por isso a pessoa ainda não pode sentir que ela está realmente tão bem quanto ela poderia estar. Mas que há um avanço, que há uma melhoria, é inequívoco.  Além dos fatores econômicos, também podem existir fatores políticos influenciando essa percepção. A sociedade brasileira, nós sabemos, assim como a sociedade norte-americana, segue polarizada e a quantidade de desinformação circulando é muito grande.

– Quando o senhor compara a nossa economia com a economia dos Estados Unidos, por exemplo, o crescimento dos Estados Unidos no primeiro quadrimestre foi muito menor do que o do Brasil. A taxa de juros continua alta, eles só crescem 1,4%. Embora o dólar esteja alto, o que também é uma outra questão, e outras moedas estejam em alta, com tudo isso acontecendo, podemos dizer que a nossa economia está mais sólida do que a economia dos Estados Unidos? 

– Os nossos dados indicam que nós estamos em um momento diferente da economia norte -americana. A economia norte-americana ainda está lutando para trazer a inflação para mais perto da meta, agora dá alguns sinais. Eles ainda não iniciaram, por exemplo, o processo de redução da taxa de juros. Nós já havíamos iniciado. O Banco Central interrompeu esse processo, é verdade, até por causa da economia norte-americana, o Banco Central fica aguardando os Estados Unidos reduzirem a taxa deles para reduzirmos a nossa aqui também. Mas, de toda forma, estamos em momentos diferentes. Eles estão ainda em um processo de desacelerar a economia para controlar a inflação, o nosso momento já é um momento de combinar um crescimento robusto com uma inflação em queda. E possivelmente, se tudo correr como esperado, uma retomada da queda das taxas de juros no ano que vem. 

Quanto ao câmbio, o fato dos Estados Unidos terem mudado a sua estratégia, terem adiado a redução da taxa de juros lá fora, faz com que as moedas dos países emergentes, não só a brasileira, todos os países da América Latina, países asiáticos, sofram, ou seja, percam valor. Por quê? Porque como nos Estados Unidos, a taxa de juros está mais alta, os capitais, os investidores, acabam indo para lá, investindo lá. Porque ali eles tem mais segurança, obviamente, é a moeda mais importante do mundo, o país mais sólido desse ponto de vista do mundo, mais seguro para os investidores. E esses investidores vão para os Estados Unidos e tiram dinheiro dos países emergentes. Isso faz com que o dólar fique mais forte e as moedas dos países emergentes percam um pouco de valor. Mas eu diria que, mesmo diante desse processo, tudo tem mostrado que a economia brasileira tem sido muito resiliente.

Havia uma expectativa geral de que a inflação fosse subir muito, que o crescimento fosse cair muito, mas nós seguimos surpreendendo positivamente no crescimento e também na inflação. Inflação mais baixa do que esperado, crescimento mais alto do que esperado. Então, repito, do ponto de vista dos dados, nós temos uma situação muito positiva hoje. Agora, do ponto de vista das percepções, outros fatores entram em jogo. Inclusive o tipo de informação que essa pessoa tem acesso. Se ela está em uma bolha informacional, onde se vende a ideia de que a economia está em crise, às vezes ela acaba acreditando que a economia está em crise, mesmo não sendo esta a realidade. Então, esse fator também tem que ser sopesado para entender a avaliação das pessoas, da população e do próprio mercado financeiro sobre o estado atual da economia brasileira.

– O senhor arriscaria alguma sugestão para a comunicação, para que a gente conseguisse ser mais eficiente quando comunicamos essas questões para a população? 

– Olha, acho que o principal desafio dos comunicadores é um desafio que poucos economistas conseguem superar, que é transformar um tema árido e abstrato como a economia, em um tema concreto, que dialogue com a vida real das pessoas. Por isso que eu acho que a oposição, de alguma forma, consegue vencer algumas batalhas da chamada narrativa, porque, digamos que o conjunto dos preços na economia esteja caindo; no entanto, o arroz, que é um produto específico, está subindo de preço. E eles conseguem pegar esse fato específico e transformar no tema discutido em todo o país, em todo bar, em todo restaurante, em todo escritório.

Eu acho que a nossa dificuldade de comunicar é porque nós, às vezes, tratamos de temas de uma maneira muito abstrata. Então, eu não sou comunicador, não sou formado na área, mas eu tenho essa percepção, de que o grande desafio é transformar dados que parecem muito abstratos em dados muito concretos. Por exemplo, falamos que são 2,5 milhões de empregos criados. 2,5 milhões é um número muito grande, as pessoas não conseguem entender direito se é muito, se é pouco. Elas falam que estão desempregadas, como podem ter sido criados 2,5 milhões de empregos? 

Então, se você pegar casos concretos de cidades onde foram feitos investimentos, conversar com as pessoas que conseguiram emprego ou tiveram aumento salarial nos últimos anos, e ouvir aquelas que pagavam imposto de renda e agora não pagam mais, verá que transformar esses dados em casos concretos é uma estratégia de comunicação muito mais efetiva. Isso não significa que os dados gerais não sejam importantes. Eles são fundamentais, mas precisam ser apresentados de maneira concreta para que as pessoas entendam o verdadeiro impacto das políticas públicas, incluindo a política econômica adotada pelo governo, em suas vidas.

– Foi anunciado na última sexta-feira, 19, que o governo fará uma contenção de R$15 bilhões no orçamento de 2024 para cumprir as regras do arcabouço fiscal. Gostaria que o senhor explicasse o que isso significa concretamente e como isso vai afetar a vida das pessoas de um modo geral.

– O que isso significa? Vamos tentar explicar como funciona. O governo tem um orçamento, certo? Esse orçamento, aprovado no ano passado, previu um crescimento do gasto público em torno de 2,5% em relação ao orçamento do ano anterior. O que acontece é que algumas despesas, consideradas obrigatórias — ou seja, que o governo não pode deixar de realizar —, como gastos com a previdência, Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas com deficiência e idosos pobres, seguro-desemprego e abono salarial, mostraram um crescimento ao longo do ano superior ao previsto no orçamento.

Então, se os gastos obrigatórios estão crescendo mais do que o previsto, para manter o crescimento total do orçamento limitado aos 2,5% determinados, o governo precisa conter os gastos não obrigatórios, os chamados gastos discricionários. Estes incluem despesas com obras públicas ou políticas públicas específicas, que não são mandatórias. Portanto, para equilibrar o orçamento e respeitar o limite de crescimento previamente definido, é necessário ajustar os chamados gastos discricionários, que são gastos com obras públicas ou com alguma política pública específica, gastos que não são obrigatórios.

Parte desses R$15 bilhões, em torno de R$11 a R$12 bilhões, decorre desse crescimento mais acelerado dos gastos obrigatórios, obrigando o governo a bloquear os gastos discricionários para manter-se dentro do orçamento. Esse aumento nos gastos obrigatórios também diz respeito a uma herança do governo anterior. Por quê? O governo anterior deixou como herança uma fila de milhões de pessoas aguardando para receber seus benefícios previdenciários e de prestação continuada (BPC).

Nosso governo tem como política, tem como diretriz, cumprir o que está previsto na legislação. Se uma pessoa tem direito e protocola seu pedido com todos os documentos necessários, em um prazo de 90 dias, ou algo próximo a isso, ela deve ser avaliada para determinar se tem ou não direito ao benefício. Sob o governo anterior, havia casos onde a pessoa ficava mais de um ano sem receber seu benefício, mesmo tendo direito, porque o governo simplesmente segurava a aprovação ou sequer avaliava o pedido.

Para resolver essa situação, adotamos uma política para eliminar a fila na Previdência, e ela praticamente acabou. No entanto, esse esforço trouxe para dentro da Previdência Social, da Assistência Social, e da Seguridade Social, um conjunto de milhões de pessoas que não estavam recebendo seus benefícios devido aos atrasos do governo anterior. Isso fez com que o crescimento do gasto nessas despesas se acelerasse, porque foi necessário incorporar esse estoque de pessoas com benefícios atrasados ao sistema. Obviamente, esse aumento de gastos exigiu um bloqueio de outras despesas.

Outro motivo diz respeito às receitas. O governo previa certa quantidade de receitas por ano, mas o Congresso aprovou uma desoneração de R$25 bilhões na folha salarial, seja para as prefeituras, seja para o setor privado. Até o momento não conseguimos chegar a um acordo de como ele vai recompor esses R$25 bilhões que foram perdidos, o que fez com que as receitas não estejam entrando conforme o esperado, dessa forma, nós tivemos que fazer também um pequeno contingenciamento. Esse pequeno contingenciamento poderá ser revertido, caso a receita volte a entrar conforme planejado, essa desoneração seja compensada e fiquemos próximos à meta de equilíbrio orçamentário que nós estabelecemos para esse ano.

Essas são as razões para o congelamento de recursos, que será feito com muito cuidado para não prejudicar nenhuma obra em andamento, nenhum serviço público essencial ou política pública que implementamos. Embora isso restringe um pouco a margem de manobra do governo para novas iniciativas, é um bloqueio necessário para manter o orçamento aprovado no ano passado.

– Vocês estão pedindo para rever o cadastro? Sabemos que o governo do Bolsonaro estava pagando muita gente indevidamente. 

– Isso é muito importante. O Cadastro Único, que é o sistema onde as pessoas que têm direito a algum benefício social se cadastram, é talvez a maior tecnologia social já desenvolvida por um país. Ele foi criado e desenvolvido durante o governo do presidente Lula para operar benefícios como o Bolsa Família. O Brasil conta com uma rede de seguridade social espalhada pelo país, responsável por manter esse cadastro atualizado e regularizado, acompanhando as condições das pessoas.

Infelizmente, como você disse, essa estrutura, digamos assim, foi desmantelada ao longo do último governo. Não houve acompanhamento, investimento e, na verdade, nem mesmo interesse em mantê-la. O sistema sofisticado, que foi copiado por vários países ao redor do mundo e premiado internacionalmente, foi substituído por um cadastro pelo celular, o que abriu espaço para muitas fraudes e problemas.

O próprio desenho do Bolsa Família, que incentivava a vacinação e a presença da criança na escola como parte do benefício para a família, foi alterado. O próprio desenho do Bolsa Família, que incentivava a vacinação, a presença da criança na escola, o benefício para a família, foi alterado. A exigência de vacinação foi removida, resultando em uma significativa redução nos níveis de vacinação das crianças no Brasil. Além disso, a obrigatoriedade da frequência escolar foi retirada e o benefício passou a ser concedido de forma individual, desvinculada desses importantes critérios sociais.

Então, uma família de três pessoas poderia se cadastrar como três famílias diferentes para receber três benefícios individuais. Isso, obviamente, criou a necessidade de um trabalho árduo de revisão para atualizar o cadastro, garantindo que as pessoas recebam exatamente o que têm direito, conforme as mudanças nas políticas que implementamos, e que ninguém fique de fora. Outro problema era que algumas pessoas que não precisavam estavam recebendo benefícios, enquanto outras que realmente precisavam não estavam recebendo. Seja porque o governo, como eu falei no caso dos benefícios previdenciários, atrasava, seja porque não atualizava o cadastro.

Esse trabalho de revisão está em andamento. Apenas com essas mudanças gerenciais e a organização do cadastro, além da implementação do que está previsto em lei, estimamos uma economia de cerca de R$ 25 bilhões em benefícios que, muitas vezes, estão sendo concedidos ou pagos indevidamente devido a problemas gerenciais que encontramos no cadastro único herdado do governo anterior.

Para fechar, queria que o senhor comentasse um pouco como tem sido esse desafio de participar de um governo num momento tão dramático como você começou falando quando vivemos tantas mentiras, como tem sido essa experiência? 

Para mim, a oportunidade que o ministro Fernando Haddad me proporcionou ao me convidar para sua equipe tem sido uma experiência incrível, cheia de aprendizado. Evidentemente, a função de formulador de políticas econômicas é muito diferente da de professor. Eu já havia trabalhado na campanha presidencial do Ministro Fernando Haddad em  2018, onde formulei o programa econômico e representei a campanha nos debates econômicos. Fiz o mesmo na campanha do presidente Lula em 2022, desempenhando o mesmo papel. Participei da equipe de transição do final de 2022 para 2023.  Todas essas experiências contribuíram significativamente para construir uma visão mais ampla da economia brasileira, o que tem sido fundamental no meu trabalho à frente da Secretaria de Política Econômica durante este último ano e meio.

Outra coisa que quero colocar é a importância fundamental de uma equipe qualificada, uma equipe qualificada e comprometida que construímos nesse um ano e meio na SPE. Ninguém faz nada sozinho, o governo recebe um conjunto imenso, eu diria, infindável de demandas, seja vindos da sociedade, do Congresso Nacional, de outros setores do governo, que precisam ser analisados, avaliados, implementados, constituídos. Portanto, a importância da equipe na SPE – nós temos quatro subsecretarias, três ocupadas por mulheres, Secretaria de Política Fiscal pela Débora Freire, a Subsecretaria de Política Macroeconômica pela Raquel Nadal, a Subsecretaria de Desenvolvimento Sustentável pela Cristina Reis, por um acaso a Débora Freire e a Cristina Reis também professoras, mulheres professoras vindas da Universidade Pública, e a Secretaria de Política Agrícola ocupada pelo Gilson Bittencourt, que tem uma vasta experiência e conhece esse setor como poucos no Brasil. E toda a equipe que fica abaixo deles, toda a assessoria, forma uma equipe muito qualificada e comprometida para conseguir desenvolver um trabalho qualificado, um trabalho que realmente faça a diferença. Eu acho que o Ministério da Fazenda tem profissionais de qualidade excepcional em todas as secretarias, isso ajuda muito, mas é evidente, os desafios são grandes, o nível de desorganização que nós herdamos, seja nas contas públicas, seja nas políticas públicas, como acabamos de falar aqui do Cadastro Único, é muito grande.

Por isso que nós tivemos um primeiro momento de reconstrução, reconstruir as políticas públicas, reconstruir o Orçamento Federal, recompor a base fiscal do Estado brasileiro, mas também temos políticas de transformação. Você citou aqui, a Reforma Tributária, que está sendo discutida há mais de 30 anos no Congresso Nacional e foi aprovada, algo que será revolucionário para as empresas brasileiras, aumentando a competitividade, a produtividade, e ainda incluímos a ideia do cashback, que é a devolução do imposto para os mais pobres, ou seja, um componente de distribuição de renda fundamental na proposta.

A política de transformação ecológica, que é uma coisa nova que o Ministério da Fazenda tem coordenado, nós temos uma subsecretaria, na Secretaria de Política Econômica, a Subsecretaria de Desenvolvimento Sustentável, propondo um mercado regulado de carbono, a nova taxonomia sustentável, que vai gerar muito investimento, bilhões de investimentos no Brasil, na área de sustentabilidade, de novas tecnologias, de indústria verde, de agricultura sustentável. Já falei do Desenrola, do Pé de Meia, políticas novas, inovadoras, lançamos agora o programa Acredita, um programa de crédito voltado para a pequena empresa, que tem desde a pessoa que está no CadÚnico e quer começar a empreender, ele vai ter uma política de crédito para ele, o primeiro passo.

Agora, se eu sou MEI (Microempreendedor Individual) ou microempresário, também conto com uma política de crédito específica, o Pró Crédito 360. Se minha empresa for um pouco maior, como uma pequena empresa, temos o Pronamp reformulado, além do Desenrola Pequenas Empresas. Também há medidas sendo implementadas para o mercado de crédito imobiliário no Brasil, que já anunciamos e desenvolveremos nos próximos meses.

Estamos numa tarefa de reconstruir e transformar ao mesmo tempo, pois o Brasil tem pressa de recuperar seu protagonismo econômico, bem como na preservação ambiental, sustentabilidade e desenvolvimento. Esses foram papeis que o país desempenhou com destaque num passado recente, mas acabou perdendo nos últimos anos. No entanto, todos os dados mostram que estamos no caminho certo, e tenho certeza de que prosseguiremos assim até o final deste governo.

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