Emir Sader *

Na era neoliberal, os partidos que assumiram esse modelo, tiveram vitórias generalizadas. Começaram na Europa e se estenderam à América Latina, generalizando-se praticamente para todo o mundo.

O novo modelo pretendia encarnar uma série de ideias e valores que pretendiam preparar o campo ideológico para a hegemonia do novo modelo. Nunca se havia dado um período de tão intensa luta ideológica, levada a cabo tanto pelos meios tradicionais e novos, globalizados, que promoviam uma visão de mundo renovada.

A crítica ao Estado desembocava na apologia do mercado, que promovia a mercantilização das relações sociais. Um processo que promovia, ao mesmo tempo, a liberdade dos indivíduos, confundida com o acesso ao mercado. A esfera mercantil exalta o protagonismo dos empresários e dos consumidores como seus sujeitos.

Essa é a expressão concreta da hegemonia neoliberal em escala mundial, que faz da esfera ideológica seu elemento de maior força. O aspecto de maior força da hegemonia norte-americana é o chamado “american way of life”. No estilo de vida que tem no consumo – e no shopping center em particular – seu eixo.

A identificação entre ser e ter expressa essa visão de mundo. Não é o cidadão, sujeito de direitos, sua referência, mas o consumidor, que tem acesso a recursos, para dispor de bens. A exaltação da liberdade individual e sua identificação com a liberdade de acesso a bens é característica do neoliberalismo. Um acesso que passa pelo filtro de sociedades extremamente desiguais. Não seria livre quem não tem acesso a bens fundamentais – situação da grande maioria da população nos países do Sul do mundo? A liberdade então teria preço?

Uma sociedade que se estrutura em torno das relações de mercado incrementa as desigualdades e torna mais difícil o acesso a bens para a maioria da população. Não pode ser uma sociedade em que a maioria consciente da população eleja os seus governantes. Daí a importância das disputas ideológicas, para incrementar a alienação, a falta de consciência social e política da população.

No livro “Guerras híbridas – das revoluções coloridas aos golpes”, o russo Andrew Korytko afirma que a guerra híbrida é a combinação entre revoluções coloridas e guerras não convencionais. As revoluções coloridas – combinando ações de propaganda e uso das redes sociais – que buscam desestabilizar governos por meio de manifestações de massa pela manipulação de valores genéricos como democracia e liberdade. Se tratar de um golpe brando. Se ela não for suficiente para derrubar governos, a guerra híbrida avança para a guerra não convencional, o momento do golpe rígido.

É a nova estratégia da direita. A última tentativa de golpe militar foi contra Hugo Chávez, em 2002, que fracassou rapidamente. Já não era mais tempo desse tipo de golpe dos anos 1960 e 1970. Com as transições democráticas nos países que tinham tido ditaduras militares – Brasil, Argentina. Chile, Uruguai -, a direita teve que renovar seu arsenal de estratégias.

No Brasil a forma que assumiu a guerra colorida foram as manifestações de 2013. Mobilizações iniciadas com protestos contra o aumento de tarifas de transporte, protagonizadas basicamente por estudantes, que se estenderam por todo o país. Mas foram mudando de caráter. As mobilizações foram derivadas para a rejeição da política e a desqualificação dos políticos – que na prática se dirigiam contra o governo do PT e se prestando assim para serem manipuladas pelos meios de comunicação. Lemas como “O gigante acordou” e “Contra tudo isso que está ai”, facilitaram transformar as manifestações de luta por uma reivindicação concreta de um tipo de ação contra o governo do PT.

Foi assim que aquelas mobilizações começaram a virar o cenário ideológico, que até ali consagrou a luta contra as desigualdades, levada a cabo pelos governos do PT. Se preparava para a virada de 2016, que levou ao golpe e à ruptura da democracia.

*Emir Simão Sader é um professor de sociologia e cientista político brasileiro filiado ao Partido dos Trabalhadores.

`