Cidades do Norte e Nordeste apresentam destaque negativo no Atlas da Violência
As regiões concentram as dez capitais mais violentas; pesquisa do Ipea aponta preocupação com subnotificação por ausência de dados na hora de identificar as causas das mortes
Claudia Rocha
“O mapa do Brasil é mais claro, no sentido de menos violência, se olharmos do Sul para o Norte e Nordeste, onde as cores do mapa da violência ficam mais fortes, indicando maior índice”, aponta Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas da Violência 2024. Os dados, que refletem a disparidade regional nos índices atuais, estão presentes na edição mais recente do Atlas da Violência, publicado na semana passada a partir de um trabalho conjunto entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
O balanço, que é anual, retrata a violência no Brasil, principalmente a partir dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. E relata informações sobre homicídios analisadas à luz da perspectiva de gênero, raça e faixa etária. Para Cerqueira, além de tratar da dinâmica do crime, ele avalia ser necessário olhar para as políticas de Segurança Pública, já que muitas são “baseadas na improvisação, no achismo ou em respostas midiáticas a determinados casos, como chacinas”, segundo o pesquisador.
A expansão das facções criminosas e o controle de rotas de tráfico de drogas ajudam a explicar o crescimento dos números nas regiões Nordeste e Norte. O estado da Bahia foi o que teve o maior destaque negativo: com sete cidades na lista das dez mais violentas do Brasil. Os cinco primeiros municípios do ranking são: Santo Antônio de Jesus, Jequié, Simões Filho, Camaçari e Juazeiro – todos baianos.
Salvador também apresentou um cenário preocupante. Em nono lugar no quadro geral, é a única capital brasileira dentre as vinte cidades mais violentas. Na listagem que analisa apenas as capitais, depois de Salvador, seguem: Macapá, Manaus, Porto Velho e Fortaleza, Recife, Aracaju, Maceió, Teresina e Boa Vista. Sobre o mau desempenho da Bahia, o pesquisador do Ipea comenta que o problema na região não começou agora e que é fruto de uma somatória de erros cometidos nas últimas décadas, com um quadro ainda pior no passado.
Mulheres e população negra
Com a primeira edição em 2016, a publicação, que é referência no setor e ajuda a orientar diversas políticas, sempre teve a preocupação em buscar detalhar as mortes violentas de grupos sociais mais vulneráveis como mulheres, negros e a população lgbtqia+. “Entender o processo de dinâmica da violência, por que está acontecendo e sobretudo revelar como se dá a violência contra minorias sociais, que muitas vezes são invisibilizadas até pela falta de dados”, pontua Cerqueira.
De acordo com a pesquisa, no ano de 2022 (o último analisado), 76% das pessoas mortas de maneira violenta eram negras. O número total na década de 2012 a 2022 foi de 445.442 pessoas negras assassinadas, o que representa uma morte a cada 12 minutos. Dentre as mulheres, também há o destaque racial, pois das 48.289 mulheres mortas, 66% eram negras.
No que diz respeito à faixa etária, dos mais de 46 mil assassinatos registrados no Brasil em 2022, 49% dos crimes foram cometidos contra jovens entre 15 a 29 anos. No recorte sobre violência contra meninas, quase a metade dos casos é de agressão sexual contra crianças de 10 a 14 anos e 30% contra bebê e meninas de até 9 anos. Dados considerados alarmantes e classificados como “assombrosos” por Samira Bueno, que também coordena os trabalhos da pesquisa.
Falta de dados
O material organizado pelo Ipea e pelo FBSP aponta uma subnotificação nos números relacionados às mortes violentas no país. Isso ocorre porque parte dos óbitos é classificada como Morte Violenta por Causa Indeterminada (MCVI). Por conta disso, o número estimado de homicídios ocorridos no Brasil, em 2022, é de 52.391 – o que equivale a um caso a cada dez minutos.
De acordo com Daniel Cerqueira, na última década analisada, cerca de 132 mil pessoas foram assassinadas no Brasil e isso não constava na base nacional do Ministério da Saúde. A estimativa tem relação com casos de mortes violentas classificadas como sem causa determinada no sistema e que são considerados homicídios ocultos.
O dado pode ajudar a mascarar realidades; o estado de São Paulo, por exemplo, registra um cenário positivo, mas tem 40% dos casos de homicídios ocultos do Brasil. Em 2022, o país registrou 5.982 homicídios ocultos e 2.410 aconteceram no estado paulista. “Temos um verdadeiro escândalo que acontece no estado mais rico da federação, que é o estado que tem a pior qualidade dos dados de mortalidade”, opina Cerqueira.
Sobre a oscilação geral do índice de violência no Brasil, o país apresenta um quadro de estabilidade, mesmo com o crescimento nas regiões Norte e Nordeste. Os motivos, de acordo com o Atlas, têm relação com o envelhecimento da população e com as políticas de desarmamento da população ao longo da década, além de um crescimento na preocupação com as políticas de Segurança Pública. Segundo o mapa da violência, o Brasil teve 46.409 casos de homicídios registrados em 2022. Isso equivale a um assassinato a cada 11 minutos e meio.