Cartilha traz subsídios sobre segurança pública para candidatos
A publicação organizada pela Fundação Perseu Abramo discute formas para tornar as políticas do setor mais eficazes no âmbito das cidades
A atuação do município na área da segurança pública, não raro, levanta dúvidas sobre a capilaridade e as possibilidades de execução direta de políticas, em especial, as que fogem ao tema da prevenção. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal tratou do assunto ao julgar uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF 995, ajuizada pela Associação dos Guardas Municipais do Brasil. O resultado foi que o STF reconheceu que as Guardas Civis, vinculadas aos municípios, integram, de fato, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
Segundo dados de 2020 do IBGE, 21% das cidades informaram a existência de um corpo de guarda municipal, equivalente a 1.188 localidades. Neste sentido, para debater o papel dos municípios em políticas de segurança pública, a partir de uma demanda do Diretório Nacional do PT, a Fundação Perseu Abramo elaborou uma cartilha intitulada “Em cada canto, um Brasil mais seguro”.
Formulado por meio de encontros e contribuições de um grupo de trabalho com políticos e acadêmicos, o texto é a síntese de elaborações que são debatidas pelo partido há pelo menos seis anos. Além da versão impressa, a cartilha também está disponível no site da FPA. Dentre os principais pontos, aparecem a necessidade de integração entre as instâncias municipais e as polícias militar e civil do estado, eficiência em ações de zeladoria, iluminação pública e o uso de tecnologia e serviços de inteligência para o combate à criminalidade.
“O município tem que parar de ter medo de falar que faz política de segurança”, opina a advogada criminalista Letícia Delgado. Ex-secretária de Segurança Urbana e Cidadania de Juiz de Fora (MG), ela lembra de iniciativas como a criação do GGIM, Gabinete de Gestão Integrada Municipal, em diferentes cidades e aponta que não basta apenas que exista uma intenção de atuação conjunta, mas que é preciso que seja estabelecida a institucionalização dentro do setor.
“Nos gabinetes integrados, as instituições policiais são convidadas a participar, fazem reuniões periódicas pensando nos problemas que aquela cidade tem porque, muita das vezes, o simples passo de compartilhamento de decisão ou de fluxo operacional organizado, já resolve muito”, afirma Delgado.
A especialista em Segurança Pública explica que a integração pode ser discutida por meio de protocolos ou mediante convênios e costuma usar como exemplo o patrulhamento em cidades onde não há inteligência na atuação e que, por conta disso, geralmente, em uma praça central com grande fluxo de pessoas é feito o monitoramento com viaturas da Polícia Militar e da Guarda Metropolitana ao mesmo tempo, enquanto outras localidades ficam descobertas.
Assim como Letícia Delgado, quem também participou da construção da cartilha com proposições para elaboração de planos municipais de segurança foi o sociólogo Benedito Mariano. Com ampla experiência no assunto, ele teve uma atuação destacada como secretário de Segurança em prefeituras administradas pelo PT: em São Paulo, por duas vezes, São Bernardo do Campo, Osasco e em Diadema, onde contribuiu para livrar a cidade do status de “lugar violento e perigoso” tornando-se uma das grandes referências no setor – com direito a prêmios internacionais.
O ex-secretário relata que muitos municípios brasileiros contribuem, por exemplo, com o fornecimento das estruturas físicas para companhias da Polícia Militar, e que promovem ações importantes para a prevenção e solução de casos criminais, como no caso da instalação de câmeras de monitoramento em pontos estratégicos. Ele destaca os benefícios de implementar o conceito de policiamento de proximidade, quando os agentes estabelecem uma relação de confiança com a comunidade e participam da mediação de conflitos locais como forma de prevenção.
“Com raras exceções, isso não é feito pelas polícias estaduais, infelizmente, o policiamento de proximidade ainda é um tabu no nosso país. Nós temos uma cultura de policiamento sistemático de repressão, esse tipo de policiamento não resolve o problema da segurança pública, as últimas décadas já mostraram isso”, afirma Mariano.
Uma política considerada relevante citada pelo ex-secretário foi colocada em prática em Diadema com o programa Bairro Seguro, com reforços das unidades da Guarda Civil da cidade com patrulhamentos em pontos de ônibus desde às 5 da manhã, horário frequente de assaltos de celulares. Além disso, segundo Mariano, também cabe ao órgão atuar em regiões de comércios ilegais que realizam a venda fruto desses roubos.
“A segurança pública é um tema central que atinge e preocupa demais a população no dia a dia, exercendo uma enorme influência no período eleitoral. Não temos a menor dúvida da necessidade de se fazer o enfrentamento direto à criminalidade, porém é preciso ter coragem para ir além no combate à violência”, diz Paulo Okamotto, presidente da Fundação Perseu Abramo.
Um tema complexo e que, inclusive, tem aparência de polêmico dentro da esquerda é o da relação entre prevenção e repressão – e o que a cartilha aponta é que não há contradição em prevenir e reprimir, ao contrário, as metodologias podem e devem caminhar juntas, mesmo com as dificuldades nas diferenças políticas e ideológicas entre as gestões municipal e estadual.
“O que falta no país é uma política de repressão qualificada, é preciso asfixiar as estruturas do crime organizado, isso se faz seguindo o dinheiro”, comenta Benedito Mariano, que defende que não há razão para fazer incursões sistemáticas nas periferias, criminalizando a vivência nesses espaços.
Letícia Delgado aponta que um dos horizontes da formulação das políticas públicas em segurança deve ser o da participação popular. “Vemos o caso da área da saúde, um tipo de direito social cuja participação da sociedade civil na sua construção historicamente é muito reforçada, com o papel dos conselhos. Então, a gente precisa criar mecanismos, sim, para que a sociedade seja chamada para dialogar sobre segurança, é preciso democratizar o assunto”, defende a professora.