Júlia Felmanas*

Sadiq Khan Foto: Wikicommons

Londres e outras grandes cidades do Reino Unido como Birmingham, Manchester, Liverpool, Leeds, entre outras, elegeram na última semana, conselhos municipais, prefeitos, além das assembleias metropolitanas.

Podemos dizer que, no geral, foi uma derrota significativa para os Conservadores. Apesar de estarem perto das eleições gerais, essas eleições não refletem totalmente o que é esperado para o segundo semestre do ano, quando se cogita a renovação do parlamento britânico. Porém, após quatorze anos de governo Conservador, os eleitores deixaram claro o recado de que, pelo menos nas áreas metropolitanas, já não apoiam o atual governo.

Desde o referendo do Brexit, o Reino Unido entrou em uma espiral de más gestões e decisões, somadas aos seis anos de austeridade neoliberal, causados pela dupla Cameron-Osborne. Os serviços públicos entraram em colapso — especialmente os serviços de saúde e os serviços sociais, que dariam assistência e apoio às pessoas mais vulneráveis e idosas. De acordo com o Institute for Local Government, os serviços públicos continuam piores do que antes da pandemia e muito piores do que quando o Partido Conservador assumiu o governo em 2010 (Guardian), devido aos cortes de financiamento e ao subinvestimento. O número de vagas de emprego em todo o sistema — saúde, áreas sociais e educação — é recorde, em parte devido ao Brexit. Além disso, a economia não vai bem: tivemos uma recessão em 2023, e a expectativa de crescimento para este ano é a pior entre os países do G7, à exceção da Alemanha (Reuters).

Juntamente com a má gestão e a agressividade das políticas de austeridade, há também o avanço da extrema-direita: a principal resposta do primeiro-ministro, Rishi Sunak, aos problemas do país é enviar os que buscam asilo para Ruanda, violando o direito internacional em relação aos refugiados e direitos humanos. Pouco antes das eleições locais, o governo conseguiu uma vitória quando a Câmara dos Lordes aprovou a lei sobre Ruanda, e, durante a campanha eleitoral, o governo divulgou um vídeo mostrando ataques-surpresa às moradias de refugiados para detê-los em preparação para o envio a Ruanda. Em Londres, a campanha conservadora se baseou em guerras culturais e ambientais. A candidata, Susan Hall, impulsionou abertamente sites com ataques racistas ao prefeito, muçulmano e de origem paquistanesa, além de ter usado indiscriminadamente as redes sociais para atacar as políticas verdes e anti-carro particular do atual prefeito.

O tiro parece ter saído pela culatra. Os Conservadores perderam metade dos assentos nos Conselhos Municipais que eles detinham, ficando em terceiro lugar, atrás dos Liberal Democratas. Em Londres, apesar de ser candidato pela terceira vez, Sadiq Khan venceu, ampliando sua maioria.

As vitórias do Labour, entretanto, precisam ser interpretadas com cautela. Primeiramente,

porque as perdas dos Conservadores não se traduziram em ganhos equivalentes para os trabalhistas. Todos os partidos se beneficiaram da queda de popularidade do Partido: os Liberais Democratas, os Verdes, que tiveram sua melhor votação em eleições locais, candidatos independentes e, infelizmente, também o partido à direita dos Conservadores, como o Reform.

Dado o sistema britânico que favorece apenas dois partidos, o Labour pode, e tem, ignorado seu eleitorado natural mais à esquerda. Copiando a estratégia de Tony Blair nos anos 90, o Labour tem se posicionado à direita para atrair os eleitores conservadores e economicamente liberais que foram deixados de lado quando o Partido Conservador começou a rumar em direção à extrema-direita, sob Boris Johnson. O problema é que não estamos nos anos 1990 e o eleitorado de esquerda já não tem a lealdade que tinha quando o partido ainda era identificado com a classe trabalhadora.

Se o Labour vai conseguir ganhar sozinho, com boa maioria, ou se terá que entrar em uma coalizão, não está dado. Por um lado, há grande chance de que o partido ganhe o espaço perdido na Escócia. Não por seus méritos, mas pelos vários problemas pelos quais o Partido Nacionalista Escocês (SNP) está passando. Por outro lado, nestas eleições, o Labour perdeu muitos votos em áreas tradicionais dado o descontentamento das comunidades muçulmanas e de jovens com a posição do partido vis-à-vis aos ataques de Israel à Palestina. Esta tendência foi quebrada apenas com as reeleições dos prefeitos metropolitanos que se posicionaram à esquerda do partido sob Keir Starmer (em especial Andy Burnham em Manchester e Sadiq Khan em Londres).

Se Starmer continuar neste caminho, dificilmente ele não frustrará uma boa parte de seu eleitorado que quer e necessita de mais investimentos públicos, um novo público jovem para quem o meio ambiente é de suma importância, entre outros assuntos.

No momento, o partido modificou suas promessas, que foram reajustadas para “equilibrar os livros” e se mostrar “economicamente maduros”. Starmer mais parece pensar que ele é o novo Tony Blair. Infelizmente, por causa das políticas do próprio Blair e dos 14 anos de destruição forjada pelos Conservadores, o país precisa e clama por muito mais do que um olhar para as contas públicas, sem pensar nos desafios que os anos 2020 trazem em relação às questões climáticas, instabilidades geopolíticas e as questões migratórias. Além disso, ele encontrará um país fraturado não só economicamente, mas culturalmente, onde a extrema-direita ganha cada vez mais espaço.

No final deste ano, o que é certo é que os Conservadores devem perder as eleições, abrindo espaço para um governo trabalhista, sozinho ou não. Só esperamos que eles não desperdicem a oportunidade que lhes será dada.

**Julia Felmanas mora em Londres.  Graduada em filosofia pela Universidade de Durham, UK, é Mestre em Políticas Públicas, ex-coordenadora do Núcleo do PT Londres 2019-23 e Intérprete (PT<>EN)

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