A nova cara do movimento sindical nos EUA
Apesar de ser um país muito desenvolvido, o movimento sindical nos Estados Unidos vem perdendo peso vertiginosamente na economia e na política do país desde os anos 1980
Por Jana Silverman*, especial para a Focus Brasil
Após muitos anos em declive, recentemente o movimento sindical estadunidense está mostrando novos sinais de vida – ganhando greves históricas, organizando trabalhadores em novas empresas e setores econômicos, e até se envolvendo na luta para um cessar-fogo em Gaza. Mas permanece a questão, se essa onda inédita de organização sindical que começou na época da pandemia do COVID-19, vai poder superar os diversos obstáculos jurídicos e políticos para poder consolidar uma maior taxa de sindicalização nos EUA.
Apesar de ser um país muito desenvolvido, com o oitavo mais alto PIB per capita no mundo, e com um mercado de trabalho altamente estruturado, com pouco desemprego aberto, o movimento sindical vem perdendo peso vertiginosamente na economia e na política do país desde os anos 1980. Após chegar a seu auge em 1954, com quase 35% de todos os trabalhadores estadunidenses filiados a um sindicato e cobertos pelas proteções de uma convenção coletiva do trabalho, em 2023, segundo os dados do US Bureau for Labor Statistics, apenas 10% dos trabalhadores nos EUA eram sindicalizados. Essa queda pode ser atribuída em parte à arremetida neoliberal desenfreada pelo governo Reagan nos anos 80, que restringiu os direitos à greve e promoveu a desindustrialização, impactando setores da economia que eram majoritariamente sindicalizados. Mas também podemos atribuir uma fração dessa queda a incapacidade dos sindicatos grandes nos EUA de adotar estratégias de organização sindical lideradas mais pela base, e de pressionar efetivamente aos políticos do Partido Democrata a mudar as regras de jogo para que as leis trabalhistas sejam mais favoráveis à sindicalização.
Desde a pandemia de COVID-19, muitos trabalhadores nos EUA, e principalmente os trabalhadores jovens desproporcionalmente empregados nos setores de serviços, comércio e educação, começarem a enxergar aos sindicatos como a melhor linha de defesa contra as perdas salariais reais (num contexto de produtividade crescente), as jornadas extenuantes de trabalho, e a falta de uma rede pública de proteção social abrangente no país. O exemplo mais emblemático da nova onda de sindicalização tem
sido nas lojas de café Starbucks, onde os trabalhadores foram obrigados a laborar sem o direito à licença remunerada em caso de doença e em muitos casos sem as proteções sanitárias adequadas, durante os longos meses da pandemia. Essa situação, combinado com a falta de estabilidade no emprego e os baixos salários, impulsionou uma onda de sindicalização relâmpago, começando com a sindicalização da primeira loja na cidade de Buffalo, New York, em dezembro de 2021, que agora abrange quase 400 lojas da empresa em todas os estados da nação. Esses trabalhadores que formam parte do ramo de “fast food” sempre eram considerados dificílimos de organizar, devido a altas taxas de rotatividade e as jornadas flexíveis. Mas eles conseguiram se auto-organizar, graças à radicalização da base, o desenvolvimento de lideranças de base, e o uso eficaz de estratégias internas e externas de comunicação, utilizando plataformas como Zoom e Twitter em vez de depender apenas de reuniões presenciais e a imprensa sindical tradicional. Agora o novo sindicato, Starbucks Workers United, está prestes a assinar sua primeira convenção coletiva com essa poderosa empresa multinacional.
Outro sindicato se destacando nesta onda de revitalização sindical é o United Auto Workers (Sindicato Único dos Trabalhadores da Indústria Automotivo – UAW). Após a vitória da chapa de oposição nas últimas eleições do sindicato, o novo presidente do UAW, Shawn Fain, tem liderado uma greve histórica contra as três maiores montadoras nos EUA, e agora está desenvolvendo a estratégia mais ambiciosa no último século, de sindicalizar fábricas metalúrgicas no Sul do país (a região mais pobre e conservadora dos EUA), onde a taxa de sindicalização em média não chegue aos 5%. No dia 19 de abril deste ano, 2.628 trabalhadores da fábrica da Volkswagen no estado sulista de Tennessee votaram para se unir à UAW após duas tentativas anteriores fracassadas de sindicalizar aquela planta. Igualmente, em maio os trabalhadores da fábrica da Mercedes Benz em Alabama vão culminar sua campanha de sindicalização com uma votação que tem toda probabilidade de ser favorável.
Aliás, é importante mencionar que muitos sindicalistas nos EUA agora estão envolvidos em lutas não apenas corporativistas, mas também em movimentos políticos que antes foram vistos como “radicais demais” por outras gerações de líderes sindicais. Especificamente, em fevereiro de 2024, um grupo de sindicatos estadunidenses que representam mais de nove milhões de trabalhadores criarem a “Rede Nacional Sindical para Cessar-Fogo,” em protesta contra o apoio político-militar irrestrito do governo Biden para a guerra do Israel contra o povo palestino. Do mesmo modo, os sindicatos que representam aos professores, assistentes de pesquisa, e técnicos administrativos das universidades estadunidenses em cidades como Los Angeles e New York, onde os estudantes estão ocupando os campi para protestar o genocídio em Gaza, estão realizando ações importantes de solidariedade em defesa ao direito à livre expressão e em apoio a pauta politica dos estudantes.
Só o tempo vai mostrar se essa nova onda de sindicalização e de politização do movimento sindical vai continuar nos EUA, já que também enfrenta várias dificuldades objetivas, como uma cultura empresarial altamente anti-sindical e as limitações jurídicas às campanhas de sindicalização e ao financiamento sindical. Aliás, uma possível vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais em novembro poderia reverter alguns dos avanços na normatividade dos direitos coletivos de trabalho gerada durante o governo Biden. Esperemos que essa chama política atualmente animando o movimento sindical estadunidense siga acesa na temporada eleitoral e além!
*Professora de Relações Internacionais, Universidade Federal do ABC (UFABC) e Co Coordenadora do Comitê Internacional, Democratic Socialists of America (DSA)