A grande estrela do humor
O Brasil perde Jô Soares, um dos maiores nomes da cultura brasileira do último século
A cultura nacional perdeu um dos seus grandes nomes artísticos. Na sexta-feira, 5, o apresentador, humorista, ator e escritor Jô Soares morreu às 2h30, aos 84 anos. Considerado um dos grandes intelectuais brasileiros do último século, José Eugênio Soares foi um dos maiores humoristas do Brasil e um democrata em defesa da liberdade de expressão e das instituições brasileiras.
Líderes políticos, artistas e intelectuais lamentaram a passagem do artista, cujo talento na televisão brasileira foi acompanhado nos últimos 60 anos pelo povo brasileiro. O ex-presidente Lula reafirmou o talento de Jô nas várias atividades artísticas em que desenvolvidas ao longo da sua carreira e destacou a sua generosidade como entrevistador.
“Jô Soares foi um dos atores, autores, comediantes e entrevistadores mais talentosos da história do Brasil”, destacou Lula. “Seus talentos e atividades eram tantos que desafiam categorias. Uma pessoa generosa que por anos conduziu entrevistas que foram um importante espaço de debate para o país”.
A ex-presidenta Dilma Rousseff também expressou sua tristeza pela morte do humorista, a quem chamou de amigo. “É com tristeza que recebo a notícia da passagem de Jô Soares. Escritor notável, humorista brilhante e um entrevistador sensível, Jô foi um artista e intelectual de grande dimensão”, destacou. “O Brasil perde um grande artista e eu, atrevo-me a dizer, perdi um amigo. Meus sentimentos aos familiares, admiradores e fãs deste artista brasileiro de rara sensibilidade”.
Ela lembrou que pouco antes do impeachment, Jô Soares foi um dos poucos a abrir espaço na emissora para que ela pudesse falar. “Quando eu estava sob intenso ataque da mídia e dos adversários políticos, pouco antes do processo de impeachment, em abril de 2016, ele abriu seu programa para me entrevistar”, disse. “Jô foi a única voz dentro da Globo disposta a me ouvir naquele momento. E disso eu não me esqueço. Ele foi um democrata e era um artista de princípios”.
O anúncio da morte do artista foi feito por Flávia Pedra, ex-mulher de Jô Soares, e confirmada em nota pela assessoria de imprensa do Hospital Sírio-Libanês. “Você é orgulho pra todo mundo que compartilhou de alguma forma a vida com você. Agradeço aos senhores Tempo e Espaço, por terem me dado a sorte de deixar nossas vidas se cruzarem”, escreveu Flávia.
Em todas as suas inúmeras atividades artísticas – entrevistador, ator, escritor, dramaturgo, diretor, roteirista, pintor –, Jô Soares teve o humor como marca registrada. Foi seu ponto de partida e sua assinatura no teatro, na TV, no cinema, nas artes plásticas e na literatura. Ele próprio gostava de admitir isso. “Tudo o que fiz, tudo o que faço, sempre tem como base o humor. Desde que nasci, desde sempre”, afirmou em depoimento ao site Memória Globo.
Nos últimos 25 anos, Jô ficou conhecido por ser o apresentador do talk-show mais famoso do país. Na TV Globo, estrelava o “Programa do Jô”, exibido de 2000 a 2016. Considerado pioneiro do stand-up, também se destacou por ser um dos principais comediantes da história do Brasil, participando de atrações que fizeram história na TV, como “A família Trapo” (1966), “Planeta dos homens” (1977) e “Viva o Gordo” (1981). Ele escreveu livros e atuou em 22 filmes.
Jô nasceu no Rio de Janeiro em 16 de janeiro de 1938. Era o único filho do empresário Orlando Heitor Soares e da dona de casa Mercedes Leal Soares. Em entrevista ao Fantástico em 2012, Jô disse que “pelo fato de sempre ter sido gordo, preferia ser mais conhecido pelo espírito do que pelo físico”. “Então, eu era muito, muito exibido”, assumiu. “Sou muito vaidoso, nunca escondi isso. Qual é o artista que não é vaidoso? Todos. É uma profissão de vitrine de exibidos. Você nasce querendo seduzir o mundo”.
Na infância, Jô estudou em colégio interno. “Chorava muito. Era uma coisa excessiva, uma coisa de sensibilidade quase gay”, lembrou no Fantástico. O motivo era o medo de tirar nota baixa e não ter direito a voltar para casa nos finais de semana. Na escola, seu apelido era poeta. “Sendo gordo e ter o apelido de poeta – acho que já era uma vitória”, contou. Aos 12 anos, foi estudar na Suíça, onde ficou até os 17. Lá, passou a se interessar por teatro e shows. Mas o plano original não era seguir carreira nos palcos. “Eu pensei que ia seguir a carreira diplomática”, disse.
Sua estreia na tevê foi em 1958 no programa “Noite de gala” e passou a escrever para o “TV Mistério”, que tinha no elenco Tônia Carreiro e Paulo Autran. Os dois programas eram exibidos pela TV Rio. Na emissora, Jô esteve ainda no “Noites cariocas”. Em seguida, escreveu e atuou em humorísticos da TV Continental. Estreou como ator na chanchada “O homem do Sputnik” (1959), de Carlos Manga.
Em 1960, Jô mudou-se para São Paulo para trabalhar na TV Record. “Vim descobrir São Paulo, era casado com a Teresa, tinha 22 anos. Vim para passar 12 dias e fiquei 12 anos”, disse, mencionando o casamento com a atriz Therezinha Millet Austregésilo (1934-2021), com quem teve seu único filho, Rafael, que era autista e morreu aos 50 anos. A partir daí, atuou e escreveu para diversas atrações, como “La reuve chic”, “Jô show”, “Praça da alegria”, “Quadra de azes, “Show do dia 7” e “Você é o detetive”.
O grande destaque da época foi “A Família Trapo”, exibido entre 1967 e 1971 todos os domingos. No princípio, Jô apenas escrevia o roteiro – seu parceiro era Carlos Alberto Nóbrega. Depois, ganhou um papel: o mordomo Gordon. O elenco tinha ainda nomes como Otelo Zeloni, Renata Fronzi, Ricardo Corte Real, Cidinha Campos e Ronald Golias. “Acho que foi a primeira sitcom que se fez”, disse ao Memória Globo.
Pelos 17 anos seguintes, a partir de 1970, Jô Soares ficou na TV Globo. A estreia foi no programa “Faça humor, não faça a guerra”, ao lado de Renato Corte Real (ambos eram roteiristas e protagonistas). Os textos eram também assinados por Max Nunes, Geraldo Alves, Hugo Bidet e Haroldo Barbosa. “Criávamos uma média de 20 e tantos personagens por ano. Quando terminou o último programa, havia mais de 260 personagens criados”, enumerou Jô ao Memória Globo.
Em 1973, surgiu um novo humorístico, “Satiricon”. “Era um programa no estilo do extinto ‘Casseta & Planeta’, de sátira à comunicação. A gente brincava com as novelas, com o noticiário. Então, não tinha quadros fixos”, comparou. Já em 1977, foi a vez de “O planeta dos homens”, em que novamente se dividiu entre as funções de ator e redator, com a colaboração de dois de seus parceiros habituais: Max Nunes e Haroldo Barbosa. O elenco tinha Agildo Ribeiro, Paulo Silvino, Luís Delfino, Sonia Mamede, Berta Loran, Costinha, Eliezer Motta e Carlos Leite.
Como escritor, Jô foi do romance à biografia. Ele deixou ao menos dez livros, dentre os mais populares “O Xangô de Baker Street”, (1995), que virou filme, e “O Homem que Matou Getúlio Vargas” (1998). Ainda escreveu “Assassinatos na Academia Brasileira de Letras” (2005), “As Esganadas” (2011), “O Livro De Jô – Uma Autobiografia Desautorizada – Vol. 1” (2017) e “Vol. 2“ (2018). •