Auxílio Brasil não reverte a pobreza

A fila de beneficiários não para de aumentar, mas o problema real é que a pobreza só cresce. Dados da FGV mostram que o país tem 20 milhões de pessoas em situação de pobreza nas grandes metrópoles. “Os pobres passaram de 65,4 milhões, no início da pandemia, para 71,9 milhões, no começo de 2021. Uma variação muito grande”, lamenta Marcelo Neri. Este é o grande legado econômico de Paulo Guedes e Bolsonaro

 

 

O governo Bolsonaro abriu as torneirinhas do Tesouro para conceder o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 para a população vulnerável, a partir da terça-feira, 9, mas a benesse é temporária. Bolsonaro só concedeu o benefício maior na tentativa de se reeleger presidente da República. A bondade acaba em dezembro e não há previsão no orçamento para manter o programa em 2023.

Economista da FGV Social, o ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos no governo Dilma Rousseff Marcelo Neri critica o desenho do Auxílio Brasil, que não leva em conta tamanho da família nem grau de pobreza. O fato é que, desde o Golpe de 2016 e a adoção da política de ajuste fiscal a qualquer custo, a pobreza no Brasil só tem aumentado, ano após ano, configurando uma tragédia social sem precedentes na história recente.

O pacote de estímulos fiscais que o Planalto começou a colocar na rua tem custo de R$ 41,5 bilhões, e representa uma bomba-relógio para o próximo governo. Além do pagamento até dezembro de R$ 600 do Auxílio Brasil, o pacote do governo inclui ainda o aumento de 100% do vale-gás para famílias de baixa renda, o pagamento de auxílio para caminhoneiros e outro para taxistas. O Auxílio Brasil é o programa de maior alcance: sendo pago a 20,2 milhões de famílias. É pouco, mesmo tendo crescido.

A ampliação da fila do Auxílio Brasil, que atingiu 1,5 milhão de famílias este mês, o dobro da quantidade de dois meses atrás, com mais de 130,5 mil famílias na fila nas principais capitais do país, Rio de Janeiro e São Paulo, tem chamado a atenção.

Apesar dos problemas de desenho, assim como ocorreu no momento mais agudo da pandemia, o novo auxílio tende a reduzir agora a pobreza. Mas o ex-ministro Marcelo Neri lembra que em março de 2020, o número de pessoas que estavam abaixo da linha era de 64,5 milhões. Em agosto daquele ano, sob o efeito do auxílio, o número caiu para 42 milhões, atingindo 71,9 milhões no começo de 2021. “O pacote tem boas e más notícias. As boas vêm na frente. As más vêm depois”, aponta. “Quando o auxílio entra, a pobreza cai. Mas, quando ele sai, gera um aumento de pobreza maior que a redução inicial”.

Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) durante o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, Neri alerta que o aprofundamento da pobreza nas metrópoles brasileiras nos últimos três anos é enorme. Em 2019 e 2020, havia 15,7 milhões e 15,9 milhões de pessoas em situação de pobreza nessas regiões, respectivamente. Abaixo da linha da extrema pobreza eram 3,52 milhões e 3,69 milhões. Agora, são mais de 20 milhões.

A situação é mais crítica no Norte e no Nordeste, em função da estrutura da economia, com grande parte da mão de obra informal e o setor de serviço especializado bastante inchado. No Recife, por exemplo, o grupo de pessoas extremamente pobres, cuja renda domiciliar per capita mensal não passa de R$ 160, saltou de 6,3% para 13% entre 2020 e 2021. No mesmo período, em Salvador, o número de pessoas em situação de pobreza exprema saltou de 9,4% para 12,2%.

A comparação é ainda mais drástica quando observada em relação a 2014, quando a situação começou a piorar. Salvador tinha extrema pobreza em 2,8%, e Recife em 5,7%. No Rio, a extrema pobreza passou de 2,7% em 2014 para 7,3% em 2021. Isso tudo é fruto da política econômica genocida desenhada por Paulo Guedes e adotada com ferro e fogo por Jair Bolsonaro.

O ex-presidente do IPEA também criticou duramente o governo por permitir que as famílias beneficiárias pelo Auxílio Brasil possam pegar empréstimo consignado junto ao bancos e entidades do sistema financeiro. A medida que vincula o empréstimo consignado ao Auxílio Brasil foi assinado na sexta-feira, 12. Assim, quem recebe o benefício, assim como outros benefícios de transferência de renda, poderá fazer empréstimo com desconto direto na fonte até 40% do valor recebido do governo.

A injeção temporária de dinheiro no bolso dos brasileiros “é uma montanha russa ruim”, diz Néri, apontando que a medida causa instabilidade e é ainda pior para os mais pobres. Ele diz que oferecer crédito consignado para pessoas que recebem benefícios sociais é especialmente perigoso. “Pegar crédito é comparável a andar de bicicleta. Você começa com duas rodinhas, depois uma. Mas o que o governo está falando hoje (oferecendo o consignado) é para o povo descer a ladeira sem rodinhas sem nunca ter andado antes”, compara.

Quem pegar um empréstimo de R$ 1.600 poderá pagar ao longo de 24 meses um total de R$ 3.840. Isso não só é abuso, mas tem um componente de má-fé e de exploração da miséria. Isso significa que o dinheiro dos impostos que sustenta os benefícios sociais vai mesmo para o bolso das instituições financeiras que atravessaram toda a pandemia batendo lucros recordes. O governo Bolsonaro atua como um Robin Hood às avessas, que tira dos pobres para entregar o dinheiro aos banqueiros.

A concessão de crédito consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil, com desconto diretamente a fonte, evidencia um alto risco de endividamento para quem já vive abaixo da linha da pobreza. Uma medida adotada sem estudos de impactos, que além do risco de inadimplência, indica que a política pública de transferência de renda é insuficiente para combater a pobreza extrema aponta  o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

A entidade se juntou a outras organizações da sociedade civil para lançar uma Campanha em Defesa da Integridade Econômica da População Vulnerável. Além do Idec, também participam da campanha a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP, assim como outras organizações jurídicas e de defesa do consumidor. Todas alertam que os juros de mercado cobrados dos pobres e vulneráveis dobra o valor da dívida. É um escândalo. •