Covid, se não mata, deixa sequelas

Médico sanitarista e coordenador de Relações Institucional da Fiocruz, Valcler Rangel Fernandes avisa que se as vacinas afastam a possibilidade de casos mais graves de covid-19, por outro lado ainda pouco se sabe sobre as sequelas que casos mais leves da doença podem deixar nas pessoas infectadas. “Há muitas consequências da covid para além do óbito e dos danos respiratórios. E o vírus continua circulando”, alerta. Por isso, ele insiste que é necessário manter o uso de máscaras e de medidas protetivas. E o país ainda está devendo na cobertura vacinal.

 

Focus Brasil — Já faz tempo, as precauções da população com a Covid-19 vêm sendo abandonadas. Mas, afinal, se as taxas de vacinação tornam o vírus menos letal e as pessoas não acreditam mais que podem morrer, por que é preciso se preocupar?

Valcler Rangel Fernandes — Apesar das altas taxas de vacinação, ainda temos uma grande quantidade de pessoas não vacinadas com a segunda dose e não temos tido um alcance efetivo com a terceira dose. A vacina realmente demonstrou a sua eficácia na proteção de casos graves e óbitos. Mas a vacina tem a função também de evitar casos mais leves da doença e de evitar a transmissão. Nós não sabemos ainda dos efeitos mais precisos da vacina nessas duas outras funções. É importante que a gente mantenha a vacinação e algumas medidas. A covid, mesmo nos casos leves, pode levar a consequências, que se passou a chamar covid longa, e a sequelas, ou seja, a permanência de efeitos muitas vezes neurológicos, neuropsíquicos, e em outros sistemas fisiológicos que não apenas o pulmonar. Cansaço, problemas de visão, paladar. Já sabemos que há outros sistemas afetados, o sistema hepático, renal. Há muitas consequências da covid para além do óbito e dos danos respiratórios. O vírus continua circulando. E a possibilidade de existência de variantes continua presente. Não tivemos ainda grandes surtos com consequências graves de outras variantes, mas não podemos dizer que isso não vai acontecer de maneira nenhuma.

 

— O fim do estado de emergência nacional já mostra efeitos sobre a rede de saúde?

— O fim do estado de emergência foi precipitado. Não acredito que haveria necessidade de suspensão neste momento. Se houvesse, deveria ter sido feita de tal modo que houvesse a harmonização nacional acerca de que medidas deveriam ser tomadas, e a qual tempo. Além dos problemas que causa diretamente no enfrentamento da covid, a decisão desvia a atenção dos gestores para colocar todas essas equipes administrativas e técnicas para resolver os problemas decorrentes do fim do estado de emergência, enquanto há outras situações, como os surtos de dengue, a baixa cobertura vacinal de todas as vacinas, mas especialmente para o sarampo, o alerta da Organização Panamericana de Saúde para a possibilidade de retorno da poliomielite, que é preocupante. Há uma série de questões que estão fora da covid. E mesmo a covid. Toda a atenção deveria estar concentrada para a questão da covid longa. Sem falar em outra consequência da pandemia, que é a saúde mental, talvez uma das áreas mais atingidas. Essas questões deveriam estar ocupando as equipes de saúde, que no final estão sendo desviadas para resolver os problemas do término do estado de emergência, inclusive do ponto de vista administrativo.

 

— Quais medidas as autoridades públicas de saúde estão devendo?

— Desde o início da pandemia, muitas medidas não foram adotadas no tempo e na medida necessária. Uma delas é a comunicação. Uma comunicação baseada em evidências científicas é a primeira medida, e que foi praticamente abandonada. A ideia de que para ficar seguro, você precisa ficar em casa, desapareceu. No entanto, nós talvez precisemos recorrer a essa medida em algum outro momento. Campanhas de informação massivas sobre a covid e outras doenças são a primeira medida. Outras coisa importante é a testagem, dos sintomáticos e de pessoas próximas dos casos positivos. É importante a gente saber onde o vírus está e manter as medidas protetivas. A testagem precisa estar acessível para quem, hoje, não tem dinheiro para comer. Atuar sobre a fome é outra medida. E promover ações de capacitação dos profissionais de saúde para a pós-covid ou covid longa, também. Precisamos igualmente de divulgação de dados mais precisos sobre a situação dos territórios mais vulneráveis. Por fim, deveria haver distribuição de máscaras para a população.

 

— Qual o prognóstico que o senhor faz para os próximos meses?

— Eu me alinho aos demais que dizem que realizar prognóstico neste momento é um risco imenso. O que a gente precisa o tempo inteiro é trabalhar com o princípio da precaução: há um vírus circulante, essa doença é grave, que tem nos levado a uma média ainda de mais de 100 óbitos por dia, e isso não é um número aceitável. Outra coisa que precisamos fazer é vigilância genômica, ou seja, a identificação de qual é o tipo de vírus que está circulante no Brasil. Esse vírus não parou de mudar. O que nós sabemos que vai acontecer agora neste período, e já está acontecendo, é o aumento dos casos de doenças síndromes respiratórias agudas. Isso já era esperado, mas em função da covid, o número é maior. •

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