Show de subserviência

O bilionário Elon Musk veio, viu e não venceu. A patota do governo que foi recebê-lo em hotel no interior de São Paulo fez campanha e vendeu gato por lebre a empresários. Um vexame

 

 

Diz o protocolo que, quando há uma visita oficial a um país de algum estrangeiro, promovida por qualquer que seja o órgão governamental, em geral o estrangeiro em questão vai visitar o presidente daquele país na cidade onde mora e trabalha o mandatário da Nação. Há duas semanas, entre perplexos, assistimos o oposto. Convidado a encontrar um grupo de empresários das telecomunicações pelo ministro Fábio Faria, o bilionário Elon Musk também foi agraciado com a presença de Jair Bolsonaro.

Musk já embarcou para o Brasil sob o peso de uma acusação de assédio publicada pelo site Business Insider. na noite de quinta, 19. O dono da SpaceX, empreendimento dedicado a construir foguetes, foi acusado de assediar uma comissária de bordo e, para abafar o escândalo, a empresa teria pagado US$ 250 mil à vítima do assédio.

Musk, um homem de meia-idade que se comporta como um adolescente nas redes sociais, declarou-se “super excitado de vir ao Brasil” (em inglês, “excited” pode ser usado como sinônimo de animado, mas também de excitado sexualmente). Para quem vai enfrentar um processo complexo e custoso de assédio, talvez ele devesse fazer uma escolha mais cuidadosa de palavras.

Do lado de cá, a excitação não era menor. Um subserviente Bolsonaro, o presidente cuja agenda pública registra poucos compromissos por dia, e um sorridente Fábio Faria, ministro das Comunicações e genro de Silvio Santos, receberam o cinquentão rico como se fosse ele, Musk, o verdadeiro chefe de Estado.

Teve palanque, fez-se discurso de campanha de candidato e tudo culminou em pronunciamento de Faria em inglês claudicante e falsamente íntimo, que incluía duas declarações de amor. Uma individual, que pode até ser verdadeira. E uma coletiva: “O Brasil te ama”, que é, além de cafona, mentirosa. Em inglês, soa pior: “Everybody in Brazil loves you”.

 O Fasano Boa Vista, em Porto Feliz, talvez nunca tenha visto uma reunião tão canhestra. Os negócios que Musk veio apresentar para uma plateia de executivos do setor de telecomunicações, uma parceria entre o governo brasileiro e sua fabricante de satélites que conectaria 19 mil escolas de áreas ribeirinhas e rurais na Amazônia não passa de uma ideia, nem sequer é um projeto.

De acordo com o jornal Valor Econômico, empresários que estavam no encontro disseram que o “plano é seguir com os projetos já existentes com a Viasat, de comunicação via satélite”.

Salamaleques e situações de constrangimento à parte, a agenda de Musk é monitorar com o Starlink a situação da Amazônia, acima e abaixo do solo. Se o propósito de ajudar a identificar e medir o desmatamento e focos de queimada na maior floresta tropical do mundo com fins de ajudar na preservação parece combinar com teses do desenvolvimento sustentável, ele é inútil. Isso porque o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) faz isso isso há anos, mesmo sofrendo desmonte de Bolsonaro e do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles .

Se foi picado pela muriçoca da culpa ecológica, mesmo que para fins exclusivos de imagem pública, o bilionário sul-africano bateu na porta errada. É que o atual governo tem como meta desmatar ao máximo, acuar os povos originários e rever os marcos legais da demarcação de seus territórios. Se Musk, com sua fortuna, pode brincar de banco imobiliário e vender terrenos na lua, aqui no Brasil o bicho está pegando.

Na quarta, 25, Fábio Faria foi convidado a ir à Câmara dos Deputados para explicar o acordo entre o governo e a empresa Starlink. O ministro foi convidado pelas comissões de Ciência e Tecnologia; Comunicação e Informática, Relações Exteriores; Defesa Nacional e de Integração Nacional. A reunião está marcada para 8 de junho.

Parte da animação do trem da alegria brasileiro estaria na compra do Twitter, anunciada por Musk, mas ainda não concretizada. Para as hordas bolsonaristas, patinando há meses no segundo lugar na campanha para as eleições presidenciais de outubro de 2022, o fato de Musk passar a ditar as regras de publicação e dos algoritmos na rede social mais ativa em termos de movimentação política significaria a volta da “liberdade” ao Twitter — chegou a ser chamado de “mito da liberdade” por ninguém menos que Jair Bolsonaro, que já havia declarado amor a Donald Trump, na constrangedora visita a Washington em 2019.

Para a campanha da extrema- direita, o afrouxamento das normas de publicação na rede do passarinho azul viria a calhar, uma vez que as matérias-primas para alavancar a imagem combalida de Bolsonaro são o discurso de ódio, as fake news e os ataques à credibilidade do processo eleitoral. Ou seja, exatamente o que fez a governança do Twitter banir o candidato derrotado às eleições norte-americanas de 2020, o também bilionário Trump.

Enquanto essa terra prometida para os direitistas não vem e o comando da campanha amarga derrotas sucessivas pela insistência teimosa em revender Bolsonaro exatamente da mesma forma que em 2018, ignorando a debacle econômica, sanitária e política, Musk continua perdendo e ganhando no playground do mercado financeiro, enquanto usa a rede social que cobiça para reforçar a cartilha do neoliberalismo estratosférico.

Em vez de um Noé moderno, metáfora utilizada pela esposa do ministro Fábio Faria em texto que acompanhava a selfie publicada na rede do concorrente, Musk está mais para o Tio Patinhas, personagem de Walt Disney. Resta saber qual será o personagem do mesmo autor que mais caberá a Bolsonaro, se o Pato Donald, dependente da fortuna alheia, ou o Pateta. •