Como derrotar o fascismo nas eleições e sempre
Livro propõe estratégias para vencer o fascismo à brasileira. O sociólogo Sérgio Amadeu e o jornalista Renato Rovai recriam sentido do midiativismo em obra instigante
À primeira vista, o título do livro de Sérgio Amadeu e Renato Rovai parece pretensioso. Se pensamos o fascismo como o processo político e ideológico que desaguou na Segunda Guerra Mundial, não há como derrotá-lo a não ser a custa de milhões de vidas e uma mobilização militar que envolveu uma boa parte do mundo tal como o conhecemos. E, por outra, supondo que é preciso um “guia-manifesto” para combater e, oxalá, vencer o fascismo significa que ele nunca foi completamente derrotado. No entanto, Sérgio Amadeu e Renato Rovai cravam a ascensão da nova direita, inclusive no Brasil, como um movimento de características francamente fascistas que, apesar disso, pode e deve ser derrotado.
A provocação do título acaba por se desfazer, no entanto, pela que se depreende da preocupação que orienta todo esse livro instigante. Organizado como um guia-manifesto, o livro situa teórica e historicamente aquilo que os autores conceituam como o “fascismo de molde bolsonarista” e suas características como movimento recente e cada vez mais numeroso da direita mundial. Em seguida, delimitam o campo de batalha das redes, explicando como se desenrolaram as tramas daquilo que chamamos hoje de redes sociais e, na terceira parte, dedicam-se a sugerir modos de organização e combate.
Amadeu, sociólogo, e Rovai, jornalista, pertencem à geração de ativistas que viu o Brasil se redemocratizar depois da Ditadura Militar e ver experiências governamentais de esquerda chegarem ao poder aqui no Brasil. Ao mesmo tempo, ambos se dedicaram ao que acabou por se chamar de mídiativismo, ou seja, novas possibilidades de organização e mobilização política proporcionadas pelas redes digitais de comunicação. Se hoje é parte da experiência cotidiana e comum a milhões de pessoas e é dominada por megacorporações transnacionais, plenamente integrada ao modo de funcionar do neoliberalismo, a internet inicial tinha um quê de mistério, sobretudo por conta da tecnologia ainda não acessível a todos, e uma aura libertária, quase utópica.
Parte dessa aura não era simples projeção de hippies tardios e ativistas políticos de causas mais difusas dos anos 2000; uma das características da tecnologia digital é justamente a junção de uma estrutura descentralizada de comunicação (quase) independente do mundo analógico e a possibilidade de criação de redes de conexão , troca de informação e disseminação de mensagens, em tese, com a mesma capacidade de atingir seus alvos que um grande veículo de imprensa apoiado por uma grande empresa.
Ainda que a democracia das redes fosse, em parte, uma ilusão dado que a internet é a vitrine de uma revolução tecnológica ao neoliberalismo , muitas experiências políticas significativas, à esquerda e no espectro progressista, das últimas décadas utilizaram-se da mobilização e da organização em rede. Nesse sentido, a Parte 2 do livro de Amadeu e Rovai é particularmente interessante, uma vez que discute o papel do funcionamento das redes em conjunturas políticas que ainda estão para ser entendidas em sua totalidade, sem cair na concepção muito recorrente (e derrotista) de que as redes foram fagocitadas pelo neofascismo e, portanto, é como se fossem e sempre tivessem sido o habitat natural dos movimentos de uma direita cada vez mais agressiva e inescrupulosa.
Assim, na terceira e última parte do livro, os autores elencam uma série de proposições práticas para agir – e agir já. O senso de urgência justifica-se, pelo perigo do fascismo e, para além de usar as redes para “criar narrativas” a respeito de uma causa ou um momento específico de campanha política, Amadeu e Rovai partilham sugestões estratégicas de como sair das redes e retomar as lutas políticas também nos coletivos e nas ruas.
“Como combater o fascismo em eleições e sempre”é, por tudo isso, um livro com a urgência que a conjuntura política impõe e com a clareza necessária para se tornar um manual mesmo para o combatente antifascista contemporâneo. Não se pode deixar de mencionar que o projeto gráfico inteligente de Helena Hennemann contribui não apenas para legibilidade e usabilidade do livro de Sérgio Amadeu e Renato Rovai como manual, mas plasma na diagramação elegante e clara as características ágeis das tecnologias de comunicação.•