A ameaça velhaca do grotesco bolsonarismo
Os ataques permanentes do presidente ao processo eleitoral e às instituições do Judiciário expõem a velha tática da extrema-direita de tentar justificar uma virada no jogo, diante da iminente derrota para Lula em outubro. Bolsonaro levanta suspeitas infundadas
O presidente Jair Bolsonaro fez uma jogada de alto risco na semana passada. Na tentativa de se antecipar a um desfecho negativo para suas pretensões de ser reeleito em outubro, o líder da extrema-direita apresentou ao Supremo Tribunal Federal um recurso contra o ministro Alexandre de Moraes, lançando sobre o magistrado a acusação de que ele vem cometendo abuso de autoridade. A manobra deu errado. Relator do pedido, o ministro Dias Toffoli indeferiu o recurso, arquivando-o em seguida.
Bolsonaro tenta escapar do inevitável. Ele sairá responsabilizado no inquérito policial que apura os autores dos ataques e ameaças às instituições do país, incluindo os próprios ministros do STF. Moraes é o relator do inquérito que investiga agressões e fake news lançadas em 2019 pelo bolsonarismo nas redes sociais, estimulando inclusive extremistas a atacarem a sede da Suprema Corte com bombas e fogos de artifício. Na sexta-feira, 20, Moraes foi chamado de líder da oposição pelo presidente da República. A sombra da suspeita que Bolsonaro tenta jogar sobre o ministro do STF tem alvo certo: antecipar o jogo que o Planalto vem fazendo para deslegitimizar o papel de Alexandre de Moraes, que assume a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral em agosto, no começo da campanha eleitoral. Radicais dentro do governo defendem que Bolsonaro aumente a pressão e leve a empreitada jurídica a tribunais internacionais.
A manobra tende a enfraquecer ainda mais o líder brasileiro diante da comunidade internacional. Nas últimas semanas, as agências de notícias passaram a dar destaque a cada declaração polêmica do presidente brasileiro, mostrando seus devaneios autocráticos e ditatoriais. No último dia 18, a Reuters destacou que o senador Flávio Bolsonaro apontou que o Brasil pode vir a enfrentar ‘instabilidade política’ depois da eleição, caso a Justiça Eleitoral não assegure transparência sobre o sistema de votação. Em entrevista à emissora SBT, o filho 01 levantou que a eleição pode ser “manipulada” pelo TSE. Ele disse que as pesquisas eleitorais também estão sendo manipuladas, porque indicam a vitória do ex- -presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “As pesquisas [de opinião pública] estão servindo para legitimar um golpe”, afirmou.
Os comentários ocorrem em meio a preocupações crescentes no Brasil e em Washington de que Bolsonaro pode se recusar a aceitar a derrota nas urnas, preparando o cenário para uma grande crise institucional no maior país da América Latina. “Acho que se não tivermos, do TSE, esse senso de responsabilidade, com medidas concretas para tranquilizar os eleitores, é possível, sim, que haja i n s t a b i l i d a d e política no país”, ameaçou. “Não estou pedindo isso, ok? Não estou incentivando. Estou dizendo o contrário. Cabe ao TSE fazer o seu trabalho”. No dia anterior, o atual presidente do TSE, ministro Luiz Edson Fachin alertou para a possibilidade de o Brasil vir a ser alvo de um ataque semelhante ao motim ocorrido no Capitólio dos Estados Unidos, no início de 2021, em meio à agitação promovida nas redes sobre a lisura do processo eleitoral brasileiro e que incentiva o descrédito nos outros poderes antes das eleições presidenciais de outubro. Fachin disse que a “regressão” antidemocrática testemunhada em outros países já “se infiltrou” no Brasil. “A Justiça Eleitoral está sob ataque. A democracia está ameaçada. A sociedade constitucional está em alerta”, disse. Ele ainda anunciou que a Justiça Eleitoral espera ter mais de 100 observadores nas eleições de outubro, incluindo autoridades da União Europeia. O ministro fez os comentários durante uma palestra sobre democracia latino-americana proferida pelo especialista em eleições Daniel Zovatto, da International IDEA, organização sueca que defende os processos democráticos. Juristas acionaram a Organização das Nações Unidas na quarta, 18, alertando a comunidade internacional para o cerco promovido por Bolsonaro ao sistema judicial brasileiro e às instituições. Eles cobraram providências do relator especial da ONU sobre a independência de juízes e advogados, Diego Garcia-Sayán: “O Judiciário brasileiro está sob cerco. A independência judicial no Brasil está enfrentando desafios sem precedentes desde a democratização na década de 1980”, afirmou.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, continua a passar pano para Bolsonaro e não tem constrangimento em defendê-lo, mesmo quando o presidente ataca as instituições e outros Poderes da República. Ele alega que o chefe do Executivo não cometeu qualquer crime ao questionar a legitimidade do sistema de votação ou sugerir que pode não admitir a derrota nas eleições de outubro. “Se o presidente pensa, como [Donald] Trump, que há problemas [com o sistema eleitoral], seus comentários só infringem a lei se interferirem no processo democrático”, disse. “Apenas dizer isso não é um crime”. Os comentários de Aras, responsável por processar crimes eleitorais, sugerem que Bolsonaro não enfrenta nenhum risco legal de curto prazo por suas investidas contra o sistema eleitoral brasileiro, mesmo quando parlamentares e juízes da Suprema Corte soam o alarme. No dia 16, representantes de organizações da sociedade civil se reuniram com Fachin para prestar solidariedade ao TSE e entregar uma carta na qual repudia a posição de Bolsonaro e colocando-se à disposição para defender as eleições e a democracia. Os dirigentes das entidades ainda apresentaram sugestões de como o tribunal pode atuar para proteger as eleições. “Tais agressões, bravatas e afirmações, desprovidas de respaldo técnico, científico e moral, servem a um único propósito: o de gerar instabilidade institucional, disseminando a desconfiança da população brasileira e do mundo acerca da correção e regularidade das eleições brasileiras, e, por consequência, desacreditar o próprio país, como nação democrática, colocando em xeque a segurança jurídica, em momento especialmente delicado, em que se faz essencial a tranquilidade e a isenção de ânimos, para que o processo eleitoral transcorra sem sobressaltos ou mesmo atos de violência”, diz um trecho do documento. A carta é endossada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia (APD), Associação Americana de Juristas (AAJ), Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET), Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Associação de Juristas pela Democracia (AJURD), Associação Juízes para a Democracia (AJD), Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP), Coalizão Negra por Direitos, Coletiva Mulheres Defensoras Públicas do Brasil, Coletivo Transforma MP, Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), Comissão Justiça e Paz de Brasília (CJP-DF), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Federação Nacional dos Estudantes de Direito (FENED), Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD), Grupo Prerrogativas, Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e Sindicato dos Advogados de São Paulo. •