Hora de regulamentar as grandes plataformas
As plataformas são espaços mediadores ativos que, no caso das redes sociais, colocam pessoas e grupos em contato criando espaços formadores de opinião que, no entanto, não são neutros
O escândalo da Cambridge Analytica, consultoria britânica contratada pela campanha de Donald Trump que usou dados de usuários do Facebook para influenciar as eleições norte-americanas de 2016 e também manipulou as eleições do Brexit, despertou a sociedade civil e governos de todo o mundo para o enorme poder que as plataformas digitais passaram a concentrar a partir da primeira década do século 21, com a datificação da economia.
A partir daquele ano, vários países aceleraram os debates sobre mecanismos legais para regular as plataformas em três dimensões: o aumento da proteção sobre os dados pessoais dos internautas e a garantia de privacidade; a moderação do discurso online para evitar a propagação descontrolada de mentiras e desinformação na rede, as chamadas fakes news; a defesa da concorrência e transparência de atuação.
Por que as plataformas digitais se transformaram nas vedetes do capitalismo digital ou informacional?
O aumento da capacidade de processamento dos computadores e a implantação de gigantescos bancos de dados em data centers ou na nuvem permitiu às empresas de tecnologia, criadas a partir da internet ou para alimentar seu ecossistema, processar os dados de todas as transações online de seus clientes ou de suas interações em plataformas e redes sociais. E transformar essas informações em produtos a serem comercializados para aumentar os lucros de seus clientes – ou o seu poder de influência política ou econômica – e de seus acionistas.
Desde a transição do capitalismo industrial para o capitalismo digital, no final dos anos 1970, começo dos anos 1980, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) vêm assumindo um papel cada vez mais relevante nos diferentes segmentos da economia. E este papel se torna essencial com a chamada economia dos dados, que representa um novo estágio no capitalismo digital e tem nas plataformas digitais um de seus pilares mais importantes. E também mais assustadores.
De um lado, pelo poder econômico que concentram. As cinco principais empresas da internet, conhecidas pelo acrônimo GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft), todas estabelecidas na Costa Leste dos Estados Unidos, têm valor de mercado que supera os US$ 5 trilhões.
De outro, por sua influência política e cultural. As plataformas são espaços mediadores ativos que, no caso das redes sociais, colocam pessoas e grupos em contato criando espaços públicos formadores de opinião que, no entanto, não são neutros. São propriedade de empresas privadas que organizam e hierarquizam as informações seja nos mecanismos de busca seja nos feeds de notícias de redes sociais com base em estruturas algorítmicas que têm, por objetivo, maximizar os lucros para atender os interesses de seus anunciantes.
É justamente por isso que podem direcionar anúncios, seja de produtos seja de mensagens políticas para determinado tipo de perfil de público, da mesma forma que podem direcionar mensagens nos serviços de mensageria, a exemplo do WhatsApp, entre outros, como ocorreu com os disparos em massa a serviço da candidatura de Bolsonaro pagos por empresas nas eleições de 2018.
PL das Fake News
Para regulamentar a mediação online e coibir a disseminação de fake news, o Senado aprovou, em 2020, o PL 2630, que foi alterado na Câmara dos Deputados após um longo processo de debates entre representantes dos partidos políticos, das empresas e de grupos organizados da sociedade civil. Conhecido como “PL das Fake News”, trata-se de um importante instrumento regulatório para apoiar o processo democrático no país, pois vai muito além de restringir a propagação de notícias falsas na internet.
Ele trata da publicidade na internet, estabelecendo regras de transparência; da autorregulação das plataformas cujo código de conduta (deveres das plataformas e serviços de mensageria e direitos dos usuários) deve seguir diretrizes gerais definidas por conselho multissetorial; da rastreabilidade e guarda dos dados, respeitando os direitos à privacidade e à liberdade de expressão; das regras relativas a determinadas garantias para contas de agentes públicos.
Os dois pontos mais polêmicos contidos no PL sobre os quais não se havia chegado a um acordo até o início de abril deste ano, antes de sua votação pelo plenário da Câmara dos Deputados (como o regime de urgência não foi aprovado, havia dúvidas sobre sua validade para as eleições de 2022), se referiam à imunidade parlamentar (o artigo 22 permite blindar perfis de deputados e senadores à aplicação das regras das próprias plataformas) e à remuneração de conteúdo jornalístico (artigo 38). A posição da Coalização Direitos na Rede era pela exclusão deste artigo e sua regulação em separado.
O Brasil já conta com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que é um bom arcabouço legal, mas demanda regulações complementares. Aprovado o PL 2630, o país terá como disciplinar as plataformas no que diz respeito à mediação online (tudo que se publica nas redes). Faltará avançar – e esta é uma demanda urgente – no que diz respeito à defesa da concorrência, território onde as grandes plataformas, hoje, impõem a sua lei. •