Passarinho na gaiola

A compra do Twitter pelo bilionário Elon Musk levanta suspeitas de que a rede social de textos curtos poderá tornar-se território livre para a disseminação de notícias falsas e discurso de ódio

 

 

Descanse em paz, Twitter” ou “Chega de censura! Grande dia!”? A notícia da compra da rede social de microblogging do passarinho azul pelo bilionário Elon Musk, dono da automotora de carros elétricos Tesla, na segunda-feira, 25, abalou frequentadores da rede e provocou um tsunami de especulações nos noticiários de economia e de tecnologia.

Ainda que a compra não fosse exatamente novidade, uma vez que Musk, ele mesmo um usuário de twitter falastrão, estivesse falando disso há algumas semanas, a efetivação da oferta de US$ 44 bilhões (cerca de R$ 214 bilhões) para transformar o Twitter em uma empresa de capital fechado tornou real aquilo que parte dos usuários da rede temia, enquanto outra parte comemorava.

Enquanto negociava a compra, inicialmente rejeitada pelo conselho  do Twitter, Musk, em declarações à imprensa e mesmo postagens na rede, foi anunciando seus planos para a empresa sob seu único e exclusivo comando. Quer desde a criação da possibilidade de editar o tuíte uma vez publicado — entre as redes sociais grandes, como Facebook e Instagram, o Twitter é a única que não  tem essa funcionalidade —, passando pela “limpeza” dos perfis falsos e/ou alternativos via identificação dos usuários. E, claro, um afrouxamento dos mecanismos de controle de conteúdos falsos, potencialmente perigosos e que ferem as regras da comunidade dos conteúdos ali publicados.

Desde que Donald Trump foi banido do Twitter, durante a longa apuração das eleições presidenciais norte-americanas de 2020, por disseminação descontrolada de fake news sobre uma fraude eleitoral inexistente, a discussão sobre a responsabilidade política das redes sociais entrou em um novo capítulo para as grandes plataformas e agências reguladoras. O debate é como conciliar a liberdade  de expressão e a facilidade de disseminação de opiniões prometidas pelas redes sociais e, ao mesmo tempo, impedir que as plataformas sejam transformadas em campo de batalha de mentiras e discurso de ódio?

Todas as redes sociais são regidas por algoritmos, que determinam aquilo que você vê e para quem entregam aquilo que você posta. Essa programação é o que faz das redes sociais plataformas acessíveis de publicação e edição de conteúdos, em tese ao alcance de todos, mas é necessário lembrar que empresas que detêm essa tecnologia são privadas e, por isso, parte dessa programação é protegida.

O Facebook restringe a entrega de conteúdo de acordo com a quantidade de seguidores e de curtidas de cada um dos posts e amplia o alcance quando se paga por isso. O Twitter funciona de maneira diferente, uma vez que a lógica de exibição de conteúdos não é apenas determinada pelos algoritmos, mas também pela cronologia das postagens.

Por essa característica mais aberta da rede e pelo fato de limitar o tamanho das postagens, exigindo de quem publica a capacidade de sintetizar em frases curtas e oferecendo a quem lê uma espécie de manchete contundente, o Twitter se tornou a plataforma predileta de jornalistas, políticos e formadores de opinião de todo o espectro político. Daí o interesse de Musk.

Nascido na África do Sul em 1971, Musk amealhou esse patrimônio criando softwares e investindo em startups nos Estados Unidos. Investiu em sistemas de pagamento online, como a empresa que deu origem ao PayPal, em empresas de tecnologia de ponta, como a Tesla, e fundando sua própria companhia, a SpaceX.

O empresário tornou-se uma celebridade nas redes pelo fato de usar o Twitter de maneira pouco ética em seus negócios e por fazer declarações políticas reacionárias. Em 2018, tuitou que venderia a Tesla, recuando logo em seguida. O blefe fez as ações da empresa valorizarem mais de 15%. Musk recebeu uma multa de US$ 20 milhões pela Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos por “enganar investidores”. Dois anos depois, acusado de ter participado de planos que resultaram na destituição do governo de Evo Morales na Bolívia, escreveu no Twitter: “Vamos dar golpe em quem quisermos, lide com isso”.

Pode-se depreender por esses dois exemplos o que o bilionário entende por “liberdade de expressão”. Além dos delírios espaciais e de frases completamente descoladas da realidade como “qualquer pessoa pode conseguir US$ 100 mil para viajar até Marte desde que consiga trabalhar e economizar”, as inclinações políticas de Musk sugerem que, sob seu comando, o Twitter pode virar uma plataforma determinada por monetização e favorecimento das narrativas direitistas.

Não foi por outra razão que vários bolsonaristas festejaram a compra do Twitter. Encaram a manobra como uma vitória política. Ainda é cedo para prever o que acontece com a plataforma, mas o que se sabe é que, quando meios de comunicação não estão submetidos a nenhum tipo de controle social  nem a nenhum código de ética profissional, o estrago pode ser grande.  •

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