Mais escândalos de corrupção no governo

Esquemas no FNDE, no MEC, Codevasf… Até um ex-ministro da Educação diz que foi obrigado pelo presidente a entregar autarquia. Centrão faz negócios suspeitos dentro da administração pública. Bolsonaro não consegue explicar o que o filho faz andando com lobistas em gabinete do ex-ministro de Desenvolvimento Regional. E a podridão da roubalheira se espalha pela máquina federal

 

O governo Jair Bolsonaro afunda em suspeitas de corrupção. No ano passado, havia indícios de fraudes no Ministério da Saúde. Em março, explodiram denúncias de esquemas no Ministério da Educação, que levaram à queda do ministro Milton Ribeiro. Agora, os escândalos se sucedem de maneira frenética, com o noticiário mostrando fraudes evidentes não apenas no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), mas ainda na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíbano.

Bolsonaro costumava dizer que seu governo era o mais honesto da história. Uma evidente mentira. Tem treta para todos os paladares. Além do caso da compra de ônibus superfaturados com recursos do FNDE — suspenso por decisão do Tribunal de Contas da União — há ainda as suspeitas de superfaturamento de kits tecnológicos em Alagoas por apadrinhados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ele é um dos líderes do Centrão. E, agora, a suspeita de fraude está escancarada na Codevasf, estatal controlada por outro prócer do PP e líder do Centrão, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI). Tudo tem cheiro de mutreta.

A Folha revelou na última semana o escândalo de corrupção envolvendo a empreiteira maranhense Engefort, apontada como campeã de licitações no governo Bolsonaro. A construtora conseguiu a maioria das concorrências de pavimentação do governo em diferentes licitações nas quais participou sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada registrada em nome do irmão de seus sócios. Com sede em Imperatriz, a construtora “explodiu em verbas na atual gestão e sob Bolsonaro foge de sua tradição ao obter também contratos para asfaltamento longe de sua base” — segundo o relato sucinto da Folha.

O esquema é milionário. Segundo revelou o jornal, até agora o governo reservou R$ 620 milhões do Orçamento da União para pagamentos à empresa. O valor já quitado soma R$ 84,6 milhões. A fonte inesgotável de recursos da Engefort são os contratos com a Codevasf, estatal entregue por Bolsonaro ao Centrão em troca de apoio político. Em 2021, a empresa liderou os repasses da estatal. E foi a segunda construtora em volumes totais empenhados pelo governo federal, atrás da apenas da LCM Construção, que acumulou R$ 843 milhões em verbas reservadas.

A Engefort foi a única empreiteira que participou de todas as licitações no Distrito Federal e nos 15 estados que são atendidos pela Codevasf. A empreiteira ganhou 53 concorrências, ou mais da metade dos pregões. O desempenho mais expressivo foi em Minas Gerais, tendo conquistado 28 de 42 licitações. Mas este não é apenas o único esquema.

Também na semana que passou, o Estadão revelou que, com o aval do FNDE, controlado pelo Centrão, deputados ‘vendem’ a ideia de que conseguiram recursos para colégios e creches, com promessas de construção de novas unidades sem garantias orçamentárias. O escândalo foi batizado de “escolas fakes”.

Falta dinheiro para terminar 3,5 mil escolas em construção pelo país. Mas o MEC autorizou a construção de mais 2 mil escolas sem a garantia de que haverá dinheiro. O esquema tem o dedo podre do ministro Ciro Nogueira. A fraude tem a cara do governo Bolsonaro, que se esfarela diante dos sucessivos escândalos de desvio de recursos, distribuição de propinas e tráfico de influência.

Quem confessou que o Centrão de Ciro Nogueira e Arthur Lira agora manda e desmanda no governo é ninguém menos que o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub. Em entrevista à CNN Brasil, ele disse que recebeu uma ordem do presidente, em março de 2020, para que “entregasse” a chefia do FNDE ao Centrão.  “Quem vai me dar uma ordem dessas? O meu chefe. Ele falou: ‘Você vai ter que entregar o FNDE para o Centrão’. E eu falei: ‘Presidente, não faça isso’. Adiei o máximo”, declarou.

Weintraub lamentou que o MEC venha enfrentando um escândalo após o outro desde que ele deixou o governo. Quando era ministro, as queixas sobre a atuação da pasta sob o seu comando eram relativos à sua dura conduta e posição ideológica.

Foi ele quem inaugurou a guerra a professores de universidades federais, que dariam guarida a estudantes comunistas e maconheiros. Weintraub parece que só não admite que em sua pasta havia corrupção. Ele não menciona o caso do escândalo dos laptops superfaturados no FNDE. Em dezembro de 2019, a Controladoria Geral da União apontou irregularidades em licitação de R$ 3 bilhões do MEC. Portanto, os escândalos são antigos.

Não foi à toa que, em dezembro de 2020, Bolsonaro chegou a ser eleito “Personalidade do Ano” por seu papel na promoção da corrupção e do crime organizado pelo Organized Crime and Corruption Reporting Project, um consórcio internacional que reúne jornalistas investigativos e centros de mídia independente.

A acusação da entidade é clara e direta: “Eleito após o escândalo da Lava Jato como candidato anticorrupção, Bolsonaro se cercou de figuras corruptas, usou propaganda para promover sua agenda populista, minou o sistema de justiça e travou uma guerra destrutiva contra a Amazônia que enriqueceu alguns dos piores proprietários de terras do país”.

O pior é a falta de transparência. Relatório da Transparência Brasil sobre a Lei de Acesso à Informação (LAI) com base nos dados do governo identificou quase 1.500 pedidos de informação negados pelo Palácio do Planalto sob a injustificada alegação de sigilo com base na Lei Geral de Proteção de Dados.

Um caso sintomático da aposta do governo no sigilo para “esconder” casos de corrupção aconteceu no final de julho de 2019, quando o Palácio do Planalto decretou o sigilo centenário sobre dados relativos aos crachás de acesso às dependências da Presidência da República concedidos para o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), os filhos ZeroDois e ZeroTrês do presidente.

Na quarta-feira, 13, a Presidência da República voltou a usar do mesmo expediente ao se recusar a divulgar informações referentes às reuniões e visitas ao Planalto realizadas pelos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos. Os dois são apontados como pivôs do escândalo do balcão de negócios do Ministério da Educação. Os registros haviam sido pedidos pelo jornal O Globo, através da LAI. Foram solicitados dados referentes às entradas e saídas dos pastores, incluindo as visitas ao gabinete do presidente.

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI), sob o comando do General Augusto Heleno, apresentou parecer alegando que não pode fornecer a informação. O GSI cita a legislação, na qual compete ao gabinete a segurança do Palácio do Planalto, do presidente da República e de seus familiares, entre outros. O presidente da Comissão de Educação do Senado, Marcelo Castro (MDB-PI), questiona as motivações do governo em decretar sigilo nos registros das visitas dos pastores.

“A agenda do presidente é pública. Por que esconder? Sinceramente, nos causa espécie. É algo absolutamente inusitado, surpreendente e inesperado. Mais um gato gravíssimo acerca das denúncias de irregularidades no MEC e no FNDE”, critica.

Procurado, na quarta-feira, Bolsonaro também desconversou sobre as atividades do seu filho caçula, Jair Renan, que é alvo de um inquérito da Polícia Federal por envolvimento em um esquema de corrupção, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. O presidente alegou que o filho vive com a mãe, está longe dele “há muito tempo” e que não sabe se ZeroQuatro está certo ou errado diante das investigações.

Quarto filho do presidente, Jair Renan vive em uma mansão no Lago Sul, apresenta-se como empresário, mas é alvo de inquérito do Ministério Público Federal desde março do ano passado. Na semana passada, ele prestou depoimento à Polícia Federal.  Bolsonaro se queixa de uma alegada perseguição à família e relembrou o fato de a avó da primeira-dama, Michelle, ter sido presa por tráfico de drogas.

“Pega uma ida dele ao ministério, daí tinha um grupo lá de pessoas tentando vender, vender é jeito de falar, projeto de novos tipos de carros popular. E daí foi suficiente para falar em tráfico de influência”, disfarça o presidente. O caso em apuração pela PF é por conta da doação de um carro elétrico, avaliado em R$ 90 mil, por empresas do Espírito Santo a um projeto da empresa de Jair Renan, a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia.

O veículo foi doado pelos grupos WK e Gramazini Granitos e Mármores Thomazini. Representantes da Gramazini conseguiram um encontro com uma autoridade do governo federal: o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, em 13 de novembro de 2020. A reunião foi agendada pelo assessor especial da Presidência Joel Fonseca.

E Jair Renan participou do encontro. Só não soube explicar o que fazia no gabinete do ministro ao depor na PF. “Não sei porque fui à reunião”, confessou. Ainda assim, o filho também posa de vítima: “Eu me sinto revoltado com tudo isso que tá acontecendo. Nunca recebi nenhum cargo, nenhum dinheiro, nunca fiz lavagem de dinheiro, e estão tentando me incriminar numa coisa que não fiz”. •