Brasil, liderança do Sul global

O papel do Brasil como potência ambiental será na aposta da preservação dos biomas, ao lado do forte investimento em produtos com emissão neutra de carbono, financiamento da Ciência e Tecnologia para uso racional da biodiversidade nacional, que é a maior do mundo

 

 

Vivemos uma crise civilizatória. O ano de 2022 será não apenas um momento de disputa eleitoral para um projeto de governo de quatro anos, mas de confronto de alternativas de sociedade e da relação com a natureza em nosso planeta. Trata-se de uma crise que envolve a dimensão econômica, pois o mundo, especialmente com aqueles que aderiram ao ideário do estado mínimo — à agenda neoliberal — experimentou um progressivo aumento da distância entre ricos e pobres e a vulnerabilização de amplos setores das populações, desde a queda do Muro de Berlim e a hegemonia unipolar estadunidense.

O Brasil e a América Latina conseguiram ensaiar um outro modelo no início do século 21, de estado de bem-estar social, protagonismo do Estado e defesa do meio ambiente. Mas a reação conservadora veio em forma de golpes, caso de Brasil, Paraguai, Bolívia e Honduras — ou vitórias eleitorais com Maurício Macri, já superada na Argentina — e bloqueios econômicos contra a Venezuela, Cuba e Nicarágua.

A volta com força do neoliberalismo nessa parte do planeta nos mergulhou em uma situação de estagnação econômica, precarização das relações de trabalho, retirada de direitos e aumento ou ressurgimento da fome e da miséria, acompanhados pelo fortalecimento do crime organizado, a exemplo das milícias que conseguiram capturar amplos setores do Estado nacional.

Entretanto, a dimensão econômica da crise se associa à crise sanitária, que demonstrou que, ou o mundo tem um sistema de saúde público, gratuito, universal, integral e solidário, a exemplo do SUS no Brasil, ou ninguém estará a salvo em suas fronteiras. Trata-se de uma questão planetária que deve ser assim enfrentada.

A emergência climática, a degradação ambiental com desmatamentos, a mineração predatória e a destruição das condições de vida nos mares apresentam também um quadro que será fatal para a espécie humana e sua civilização dentro dos próximos 30 anos. Isso decorre de já termos atingido “um ponto de não retorno” na emissão de carbono, destruição dos biomas e da biodiversidade, acidificação dos mares, a elevação dos níveis das águas que deve afetar pelo menos 1 bilhão de pessoas até 2050. A falta de recursos hídricos e a desertificação e ondas de calor devem afetar 3 bilhões de pessoas, a começar pelo Nordeste brasileiro que já está num processo de desertificação da caatinga.

Não será a primeira vez que uma civilização humana entrará em colapso por razões socioambientais. Mas, agora, como estamos interligados fortemente entre todas as partes, uma crise dessa magnitude e suas consequências econômicas e sociais não se restringirão a apenas um país ou região, como no passado.

A razão do declínio da civilização maia não está elucidada completamente, mas as evidências apontam para mudanças climáticas na península de Yucatán, ao lado de guerras que atingiram a população e provocaram migrações em massa. Da mesma forma, os Khmer no Camboja entre 1000 e 1200 anos depois de Cristo. Ou os Harapas, ou a Civilização do Vale do Indo, que chegou a contar com uma população de 5 milhões de pessoas, distribuídas entre o que conhecemos hoje como Irã, Paquistão, Índia e Afeganistão, desaparecida há 3 mil anos.

Os Rapa Nui, que viveram na Ilha de Páscoa entre 300 e 1.200 d.C, também sucumbiram. A hipótese mais aceita sobre o seu desaparecimento foi o esgotamento dos recursos naturais na ilha. Os Olmecas, que foram a cultura-mãe de outras sociedades da Mesoamérica, começaram a desaparecer por volta de 400 a.C. Esses são exemplos de como o ambiental, o social e o econômico se entrelaçam e muitas vezes entram em colapso.

Essa crise multifacetada é agravada pela guerra iniciada na Ucrânia, que terá efeitos muito maiores do que o evento localizado, com sanções econômicas que levarão imensas parcelas da população mundial à pobreza e à miséria. A expansão da OTAN em direção ao leste contrariou um acordo feito antes da queda do muro de Berlim entre os presidentes Mikhail Gorbachev e Ronald Reagan, que estabeleceu uma situação de equilíbrio e pacificação, e agora desencadeou o confronto que não é apenas entre Rússia e Ucrânia, mas entre União Europeia, EUA, OTAN e aliados ocidentais contra a Rússia.

A Rússia errou ao ter iniciado a ofensiva militar, e abriu-se brecha para uma guerra econômica inédita pela sua escalada, pois sabemos que uma guerra militar resultaria na extinção da espécie humana. Novamente serão os países mais pobres e as populações mais vulneráveis que sofrerão com a guerra e as sanções econômicas, com inflação de alimentos e combustíveis, migrações em massa e radicalização de conflitos ao redor do globo.

O Brasil já desempenhou um papel de agregação dos países da América Latina, com a África, os BRICS e na ONU, nos governos Lula e Dilma, sempre articulando e promovendo a integração econômica entre os países. Lutamos pela inclusão social, a defesa do meio ambiente, a defesa da paz e do entendimento em substituição às guerras e conflitos, e à elaboração de uma nova arquitetura geopolítica multipolar. No momento a diretriz diplomática — ou a falta dela — do atual governo foi no sentido contrário a esse protagonismo, Mas isso pode ser remediado e reconstruído, e até aprofundado.

O Brasil chegou a negociar acordos com o Irã para solucionar uma crise entre aquele país e o Ocidente na questão da energia atômica, embora não tenha sido acolhido pelos EUA, que não aceitam outros protagonismos.

O Brasil foi o país mais ousado nas conferências do clima para o estabelecido de metas a cumprir de diminuição da emissão de carbono. Nosso país participou da criação do Banco dos Brics para gerar desenvolvimento de infraestrutura e atividades econômicas nos países em desenvolvimento. E começou a debater como criar um sistema financeiro mais autônomo em relação ao dólar e ao sistema financeiro estadunidense.

Na América do Sul, criamos a Unasul, que evitou um conflito em Venezuela e Colômbia e estabeleceu um comando militar conjunto e articulado, independente da América do Norte. Na África, fomos muito respeitados e Lula ainda hoje uma referência de governo de inclusão social e defensor da paz e do desenvolvimento inclusivo.

No mundo atual, marcado pelo acirramento entre Ocidente e Oriente e pela tentativa dos Estados Unidos de frear a ascensão da China e estimular uma escalda militar e provocar um conflito, o papel do Brasil como representante do “Sul Global” pode contribuir para um mundo mais multipolar que tem o desafio de vencer a crise econômica, a desigualdade social, a falta de uma saúde pública em todo o mundo e a emergência climática, sempre defendendo a paz e o desarmamento global.

O papel do Brasil como potência ambiental é apostar na preservação dos biomas, ao lado do forte investimento em produtos com emissão neutra de carbono, financiamento da Ciência e Tecnologia para uso racional da biodiversidade nacional, que é a maior do mundo. Esse protagonismo servirá de paradigma para outros países encontrarem suas alternativas de inclusão e desenvolvimento por meio dos empreendimentos verdes, das novas tecnologias, das energias renováveis e da reconstituição da biodiversidade. Um novo mundo é possível e o Brasil pode voltar a ser decisivo nesse contexto. •

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