No Rio, Lula reage ao autoritarismo
Ex-presidente encerra encontro Democracia e Igualdade, promovido pelo Grupo de Puebla. Sediado na UERJ, símbolo da resistência ao arbítrio, evento chegou a ser questionado na Justiça
A presença de Lula no encerramento do encontro internacional Democracia e Igualdade, sob os aplausos da plateia que lotou o anfiteatro Marielle Franco, na Universidade Estadual do Rio (UERJ), foi mais um episódio de resistência e vitória contra o clima de censura e autoritarismo que se tenta acirrar no Brasil. “Esperem que nós vamos voltar”, garantiu Lula, ao final de seu discurso. “Nós venceremos”.
A própria realização do encontro, promovido pelo Grupo de Puebla e pela UERJ entre 29 e 30 de março, com apoio de entidades e movimentos parceiros, teve caráter de enfrentamento. Palco das atividades, a universidade fluminense representa a resistência das instituições públicas de ensino atacadas pelo bolsonarismo.
A UERJ foi, inclusive, palco de resistência ao projeto de lei que propunha sua extinção, apresentado por deputado estadual aliado do presidente da República. O reitor Ricardo Lodi, após dois anos de gestão, anunciou, na quarta-feira, sua descompatibilização do cargo para concorrer a uma vaga de deputado federal.
Além do aspecto simbólico de ter sido sediado na UERJ, o encontro, que reuniu líderes e acadêmicos de diferentes países da América Latina e da Europa, aconteceu sob tentativa de censura. O partido Podemos recorreu à Justiça para impedir a realização do evento, com o argumento de que se trataria de campanha eleitoral.
Lula, que discorreu sobre contribuições que considera singulares do Brasil para a comunidade internacional, não descuidou dos perigos que rondam a democracia do país. “O papel dos militares não é ficar puxando o saco do Bolsonaro, porque o Bolsonaro não é dono dos militares. Os militares fazem parte de uma instituição do povo brasileiro, para defender o povo brasileiro dos inimigos externos. Não têm que ficar puxando o saco de presidente, nem de Lula, nem de Bolsonaro. Eles têm que estar acima das brigas políticas”, disse.
O ex-presidente falou ainda sobre o papel dos militares após lembrar que, numa visão conservadora que se tem da relação com seus vizinhos continentais, o Brasil seria uma ameaça, não um parceiro político e comercial. “A nossa fronteira é o desenvolvimento, a igualdade, é combater a miséria juntos”, contrapôs, lembrando que nos governos do PT o Brasil atuou na resolução de conflitos pela via da negociação, como no episódio de criação do Grupo de Amigos da Venezuela, em 2003, junto à Organização de Estados Americanos.
Lula se arriscou a dizer que o conflito entre Rússia e Ucrânia, se tratado no Brasil, teria se resolvido com acordo de paz, numa mesa, após algumas rodadas de cerveja. “Parem com essa guerra. O povo quer emprego, salário, educação, cultura, o povo quer vida e não morte”, afirmou.
Voltando à conjuntura brasileira, o líder político pontuou que é inadmissível que em pleno século 21 haja milhões de pessoas passando fome no Brasil e outros tantos ao redor do mundo. “Há gente montando foguete para ir ao espaço enquanto pessoas próximas de suas casas estão passando necessidade”, denunciou. As novas tecnologias, afirmou Lula, precisam estar a serviço do combate à desigualdade, o que não acontece hoje. “Quanto ganha esse povo que trabalha para aplicativos, que carrega uma mala de comida nas costas com o estômago roncando de fome?”, criticou.
Com elogios à vice-presidenta e ministra do Trabalho da Espanha, Yolanda Dias, por ter liderado as negociações entre sindicatos de trabalhadores, empresários e governo, que resultaram em nova legislação trabalhista naquele país, Lula prometeu: “Aqui no Brasil a gente vai garantir o direito dos trabalhadores e trabalhadoras”. Yolanda participou do encontro internacional Democracia e Igualdade.
Sem poupar críticas ao governo Bolsonaro por ter desparelhado o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por “montar quadrilhas” nos ministérios da Saúde e da Educação e promover a venda de empresas estatais — “como não sabem governar, eles só querem vender patrimônio público, não têm coragem de trabalhar” — Lula afirmou que “indignação é a palavra para o que está acontecendo”.
Enquanto isso, durante a semana, marcada por 58 anos do golpe militar e empresarial de 1964, Bolsonaro voltava a colocar em dúvida a lisura do processo eleitoral e chegou a afirmar que haverá resistência em caso de sua derrota. Defendeu também o papel político dos militares.
De olho nas ameaças constantes, o presidente da Fundação Perseu Abramo e um dos coordenadores do Grupo de Puebla, Aloizio Mercadante, defendeu, durante participação no encontro, a necessidade da presença de observadores internacionais no processo eleitoral brasileiro. “Há uma extrema-direita se articulando. Olhem o que aconteceu nos Estados Unidos, na Bolívia”, alertou. •