Semipresidencialismo é golpe contra a democracia
É um anacronismo suscitar a reforma de governo. A proposta tenta evitar a reconstrução do Brasil e as profundas transformações que um eventual governo Lula vai trazer
A criação de um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados para estudar a adoção do semipresidencialismo é mais um golpe das elites para manter seus interesses e privilégios. Trata-se de uma articulação contra a democracia e a soberania popular expressada pelo voto num momento em que todas as pesquisas indicam que o favorito para as eleições presidenciais é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Criada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL), a comissão vai debater a Proposta de Emenda à Constituição apresentada pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP). Em resumo, trata-se de garantir a eleição, pelo Congresso, de um primeiro-ministro, mantendo o presidente da República com papel figurativo.
Na prática, a mudança roubaria do eleitor o direito de escolher quem vai governá-lo. Esse poder seria transferido de 150 milhões de eleitores para 594 congressistas. Mas o povo brasileiro já disse não a esse modelo em duas ocasiões, de forma plebiscitária, em 1963 e 1993.
Depois da renúncia de Jânio Quadros, em 1961, militares golpistas articularam veto à posse do vice João Goulart e instituiu-se o parlamentarismo. Esse sistema levou o Brasil a uma profunda instabilidade econômica e política. Em janeiro de 1963, 76% dos brasileiros votaram pela volta do sistema presidencialista.
Em 1993, um novo plebiscito foi realizado por decisão da Assembleia Nacional Constituinte de 1988. E, novamente, os brasileiros se decidiram pelo presidencialismo com mais que o dobro dos votos parlamentaristas.
Esses dois exemplos históricos nos ensinam que a população brasileira rechaça o parlamentarismo ou qualquer arremedo de modelo que esvazie os poderes do presidente da República. Os dois episódios devem ser lembrados agora em que se engendra a trapaça do semipresidencialismo.
É preciso frisar que não é simples coincidência a criação do grupo de trabalho quando todas as pesquisas de opinião apontam para a vitória de Lula nas eleições de 2022. Não há como dissociar os fatos. A tal comissão conta com a participação de um jurista que foi apoiador de primeira hora da ditadura militar e do ex-presidente Michel Temer, que sabidamente conhece os atalhos para assumir o poder sem votos.
Quem defende o abominável semipresidencialismo tenta argumentar que o sistema de governo funciona bem em vários países europeus. Mas lá há longa tradição parlamentarista, diferentemente do Brasil, e assim mesmo as democracias europeias não estão blindadas a crises políticas.
Para evitar problemas, a França implementou reforma política em que estão previstas eleições parlamentares só depois das eleições presidenciais, para que o eleito possa influir na composição de sua futura base parlamentar, numa tentativa de evitar turbulências no exercício do mandato.
Detalhe importante: o semipresidencialismo, assim como o parlamentarismo, demanda acordos entre os partidos em torno de um programa. No Brasil, há descomunal fragmentação partidária, há legendas formadas por conveniências e com base em personalismos, portanto, haveria sempre o espectro da divisão. É quase impossível manter a maioria parlamentar coesa. Isso joga o primeiro-ministro na turbulência de sistema partidário desagregador. O prejuízo seria para toda a sociedade brasileira.
É um anacronismo suscitar o tema. Semipresidencialismo visa é combater a reconstrução do Brasil e as profundas transformações que um eventual governo Lula trará, com um projeto de desenvolvimento econômico, ambiental e social que favoreça a sociedade brasileira.
Os golpistas argumentam que a regra valeria só a partir de 2030. Então, porque tratar do tema nesse momento, às vésperas das eleições presidenciais? É preciso abortar o projeto golpista. Qualquer alteração do sistema de governo deve ser chancelada pelo povo, via plebiscito. Do contrário, é golpe. •