Ao bater boca com o deputado Márcio Fortes (PSDB-RJ), Bolsonaro investiu contra a assessora parlamentar da Presidência da República, Celeste Guimarães. Aos berros, e xingando a assessora do Palácio do Planalto, Bolsonaro partiu para cima: “Some daqui, vagabunda! Você está aqui para defender o governo e intimidar meus coronéis”, gritou, esbaforido. Celeste deixou o plenário da Câmara debaixo de insultos e palavrões. O mais leve era filha da p*. O caso ganhou repercussão no Globo, em 19 de novembro.

Anos depois, Bolsonaro voltou a ser denunciado por agressões machistas a uma mulher. No caso, a mãe de seu quarto filho, Jair Renan. A advogada Ana Cristina Valle, atualmente sob suspeita de ser a principal cabeça do esquema de rachadinhas nos gabinetes do ex-marido e dos enteados envolvidos na política — Flávio e Carlos Bolsonaro — denunciou ao Itamaraty em 2009 ter sido ameaçada de morte pelo então deputado federal. Isso a levou a deixar, inclusive, o Brasil.

O relato consta de um telegrama reservado arquivado no Ministério das Relações Exteriores. Na época, Bolsonaro e Ana Cristina travavam uma disputa judicial no Rio de Janeiro sobre a guarda do filho do casal, o jovem 04, hoje suspeito de rolos e esquemas de tráfico de influência. Na época, contudo, ele tinha 12 anos. “A senhora Ana Cristina Siqueira Valle disse ter deixado o Brasil há dois anos [em 2009] ‘por ter sido ameaçada de morte’ pelo pai do menor [Bolsonaro]. Aduziu ela que tal acusação poderia motivar pedido de asilo político neste país [Noruega]”, diz o telegrama.

Em outro trecho do documento oficial, ela disse considerar que, ao procurá-la, o vice-consulado do Brasil na Noruega “estava agindo em nome do deputado federal Jair Bolsonaro”. O caso só veio a público em 25 de setembro de 2018, no auge da campanha eleitoral, em reportagem publicada pela Folha de S.Paulo. 

Bolsonaro mobilizou o Itamaraty, em 2011, como deputado federal, para que o órgão intercedesse em seu favor depois que Ana Cristina viajou para a Noruega com o filho do casal. A afirmação da ex-mulher dele sobre a suposta ameaça de morte consta da íntegra de telegrama de julho de 2011 enviado a Brasília pela Embaixada do Brasil em Oslo, capital do país escandinavo. Este foi mais um registro do nível de periculosidade do presidente quando se trata de mulheres como alvo de sua ira. Mas há outros casos, também registrados publicamente.

Em março de 2011, o deputado partiu para a agressão verbal a artista Preta Gil, quando questionado pela cantora baiana sobre o que faria se seu filho se apaixonasse por uma negra, durante o programa CQC, exibido pela Band. “Eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o seu”.

A agressão à filha do cantor e compositor Gilberto Gil — ex-ministro da Cultura do governo Lula — rendeu um processo ao então deputado. E ele foi condenado. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu que ele deveria pagar R$ 150 mil por danos morais ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, do Ministério da Justiça, por causa da declaração odiosa contra Preta e família.

Em 2014, Bolsonaro mais uma vez mostrou ao Brasil seu pensamento sobre o papel da mulher, ao justificar a existência de diferenças salariais no mercado de trabalho brasileiro. Seu pensamento reacionário parece de um conservador do século 19. Na concepção dele, mulheres devem ganhar menos porque engravidam. Em entrevista ao jornal Zero Hora, deixou claro como enxerga a questão e naturalizou que a mulher receba salários menores, mesmo desempenhando as mesmas funções.

“Eu tenho pena do empresário no Brasil, porque é uma desgraça você ser patrão no nosso país, com tantos direitos trabalhistas. Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empresário pensa? ‘Poxa, essa mulher está com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade’…”, desabafou. “Por isso que o cara paga menos para a mulher, qual a solução…”

Em dezembro de 2014, o hoje presidente voltou a protagonizar um novo episódio de agressão a uma mulher, ofendendo a deputada federal e ex-ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário (PT-RS). Em discurso na Câmara, em tom de deboche, o então deputado disse que a parlamentar não merecia ser estuprada, porque “é muito ruim”. “Ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar porque não merece”, disse.

A agressão desmedida à deputada petista rendeu a Bolsonaro uma condenação por danos morais, uma retratação pública e uma multa de R$ 10 mil, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda assim, o parlamentar jamais mostrou qualquer remorso ou pediu desculpas por essa e outras agressões.

Foi com ódio nos olhos que Bolsonaro, do alto de sua estupidez, inaugurou a era do ódio gratuito aos adversários políticos — ao vivo e em transmissão para toda a mídia do planeta — ao anunciar seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff, dando um viés de horror ao Golpe de 2016.

Em 17 de abril de 2016, o deputado, ladeado pelo filho Eduardo Bolsonaro, foi ao microfone do plenário da Câmara e anunciou, apoplético: “Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff. Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim”.

Para a imprensa estrangeira, o voto mostrava o nível de irracionalidade e extremismo daquele que seria o portador da bandeira da ultradireita no Brasil. Ao homenagear Ustra — “o pavor de Dilma Rousseff” —, notório torturador e facínora, laureado pelo presidente, os filhos e militares que ocupam hoje cargos no governo, Bolsonaro passou a ser centro das atenções da mídia estrangeira, que desde então não o poupou de adjetivos depreciativos: negacionista perigoso, extremista despreparado e vilão dos direitos humanos.

Dilma voltaria a ser alvo de ataques absolutamente inconcebíveis de Bolsonaro, não pelas divergências ideológicas, mas pelo fato dela ser uma mulher de fibra, que encarou a morte e a tortura, nos anos de chumbo, quando esteve presa nos porões da ditadura militar. “Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela. Traz o raio X para a gente ver o calo ósseo. Olha que eu não sou médico, mas até hoje estou aguardando o raio X”, afirmou em dezembro de 2020, gargalhando.

Em nota, Dilma, na época, reagiu à agressão desmedida. “É triste, mas o ocupante do Palácio do Planalto se comporta como um fascista. E, no poder, tem agido exatamente como um fascista. Ele revela, com a torpeza do deboche e as gargalhadas de escárnio, a índole própria de um torturador. Ao desrespeitar quem foi torturado quando estava sob a custódia do Estado, escolhe ser cúmplice da tortura e da morte”.

Na campanha eleitoral de 2018, em março, voltou a mostrar um tom misógino, machista e absolutamente irracional para alguém que pretendia ser presidente da República. Ao ser indagado se aumentaria o número de mulheres no seu ministério, em um eventual governo que estivesse sob o seu comando, mostrou o que pensa. “Não é questão de gênero. Tem que botar quem dê conta do recado. Se botar as mulheres vou ter que indicar quantos afrodescendentes?”, indagou.

Por conta de sua conduta política anormal e avessa à igualdade de gêneros ou de respeito a mulher, pela primeira vez na história do Brasil, um candidato passou a ser alvo de ataques das mulheres por conta da misoginia. Em setembro de 2018, um movimento surgiu nas redes sociais que mobilizou milhares de jovens e colocou nas ruas do Brasil uma campanha diferente: Mulheres Unidas Contra Bolsonaro. No Facebook, a página do movimento reuniu 3 milhões de participantes.

A campanha Ele Não ganhou o Brasil e chamou a atenção da imprensa internacional. Em 30 de setembro de 2018, milhares de mulheres tomaram as ruas de 114 cidades do Brasil. Também houve atos em diferentes cidades do mundo, como Nova York, Lisboa, Paris e Londres. As maiores manifestações aconteceram em São Paulo e no Rio de Janeiro. Foram mais de 100 mil pessoas no Largo da Batata, em São Paulo, e 25 mil na Cinelândia, no Rio, no momento de pico.

Todos com um único propósito: deter Jair Bolsonaro, o político de extrema-direita que durante anos usou as mulheres como alvo de seus disparates, desde dizer para Maria do Rosário que ela “não merecia ser estuprada” até considerá-las indignas de receber o mesmo salário que os homens.

O candidato da extrema-direita foi eleito. E não teve dúvidas ao assumir o governo. Reduziu significativamente o papel da mulher nas instituições do Estado, escasseando os espaços de representação. Em 2019, no primeiro discurso feito como presidente da República no Dia Internacional da Mulher, mostrou a velha face da misoginia que por tantas vezes encarnou com a desenvoltura de um troglodita.

“Pela primeira vez na vida o número de ministros e ministras está equilibrado no governo. Temos 22 ministérios, 20 homens e duas mulheres”, gabou-se. Dos 22 postos na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro nomeou apenas duas mulheres: Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Tereza Cristina (Agricultura). Para Bolsonaro, o Dia Internacional da Mulher “não é diferente dos demais” porque, na visão simplória dele, as mulheres “estão em nossas vidas 24 horas por dia”.

“Não existe um homem que possa fazer uma política séria se não tiver, não ao seu lado, mas junto de si, uma mulher com os mesmos princípios. Graças a Deus eu tenho uma família consistente e nós devemos buscar isso e somente dessa maneira nós podemos construir uma grande nação”, acrescentou, em seu discurso no Palácio do Planalto.

No ano seguinte, também em março, no mês da mulher, saiu-se com outra frase lapidar: “Tem mulher apanhando em casa. Por que isso? Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Como é que acaba com isso? Tem que trabalhar, meu Deus do céu. É crime trabalhar?”, disse, destacando que o Brasil deveria abandonar a medida do isolamento social, a qual foi definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

No exercício do cargo, o presidente também deu mostras da sua eloquência macho-alfa em fóruns internacionais. As agressões e o tom de bazófia contra mulheres em postos-chave envergonhar a diplomacia e o povo brasileiro. Os exemplos são embaraçoso. Em 2019, Jair Bolsonaro atacou a alta comissária de Direitos Humanos da ONU, a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet.

Ela havia criticado as políticas do seu governo e denunciou o “encolhimento do espaço democrático no Brasil”, em entrevista coletiva na sede das Nações Unidas em Genebra. Bolsonaro não titubeou. “Michelle Bachelet, comissária dos Direitos Humanos da ONU, seguindo a linha do Macron em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos), atacando nossos valorosos policiais civis e militares”, escreveu, colocando nas redes sociais foto dela ao lado de Dilma e Cristina Kirchner na cerimônia de posse do seu segundo mandato como presidente do Chile, em 2014.

Não satisfeito, ainda agrediu o pai da ex-presidenta, Alberto Bachelet Martínez, um oficial legalista que se opôs ao golpe de 1973 que derrubou o presidente Salvador Allende e foi preso e torturado pela ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). “[Bachelet] Diz ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época”, escreveu. Ele morreu na prisão, sob a ditadura de Augusto Pinochet.

Outro alvo da ira de Bolsonaro foi a mulher do presidente da França, Emmanuel Macron. Criticado por Macron pelas queimadas na Amazônia, Bolsonaro endossou um comentário de um internauta que zombava da mulher do presidente francês, Brigitte, 24 anos mais velha que o marido. O líder brasileiro foi criticado e a imprensa francesa repercutiu o episódio, chamando-o de sexista.

Em agosto de 2019, um seguidor postou foto dos dois casais em um post do presidente brasileiro, com a legenda: “Agora entende por que Macron persegue Bolsonaro?” O próprio respondeu: “Não humilha cara. Kkkkkkk”.  O comentário foi acompanhado de uma montagem — de um lado, Macron e a mulher Brigitte; e, do outro, o presidente brasileiro e Michelle, 27 anos mais jovem. Impressionado com a conduta do presidente, Macron questionou se Bolsonaro estava “à altura” do cargo depois das piadas que fez de sua mulher.

Em entrevista concedida em Biarritz, na França, por ocasião da reunião do G7, o presidente da França foi elegante, mas não escondeu seu descontentamento com a impertinência de Bolsonaro. “Como sinto muita amizade e respeito pelo povo brasileiro, espero que tenha rapidamente um presidente que esteja à altura”, disse. “O que posso dizer a eles? É triste, é triste. Mas é triste acima de tudo para ele e para os brasileiros”, respondeu. “Acho que as mulheres brasileiras, sem dúvida, têm vergonha de ler isso de seu presidente”, acrescentou. O troco virá em outubro de 2022. Nas urnas, o candidato do ódio será derrotado pelos progressistas e democratas. E, claro, pelas mulheres. •

 

PALAVRAS DO PRESIDENTE

“Some daqui, vagabunda! Você está aqui para defender o governo e intimidar meus coronéis” – Em 18 de novembro de 1998, ao se dirigir à assessora da Presidência Celeste Guimarães

 

“Eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o seu” – Ao responder a Preta Gil, no programa CQC, da TV Bandeirantes, em 2011

 

“Ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar porque não merece”. – Contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS), durante discurso na Câmara dos Deputados, em dezembro de 2014

`