O desmonte da segurança pública
Na madrugada de 30 de agosto, segunda-feira, criminosos fortemente armados invadiram Araçatuba, interior de São Paulo, atacaram três agências bancárias, trocaram tiros com a polícia, assassinaram dois moradores e feriram cinco. Ainda colocaram explosivos em pontos da cidade e usaram moradores como escudos humanos. Um dos assaltantes foi morto pela polícia. Em suma, aterrorizaram a população.
É o denominado Novo Cangaço, referência ao movimento armado de nômades que aterrorizava a região nordestina no final do século 19, início do século 20, cujo expoente foi Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Nos últimos anos, São Paulo registrou seis ataques desse tipo em cidades do interior, como Ourinhos, em maio de 2020; Botucatu, julho de 2020; Araraquara, novembro de 2020; Mococa, abril deste ano; e Jarinu, julho de 2021. Importante destacar que, em 2020, o estado registrou 21 roubos a bancos. E, em 2021, até junho, 14 ocorrências foram registradas. No ano passado, a polícia apreendeu 150 fuzis e, em 2021, 79 fuzis.
O caso precipita discussão sobre a questão da segurança pública no estado mais rico da federação, como já ocorreu anteriormente em relação aos crimes de sequestro, nos anos 1990. Ou os sequestros relâmpagos, roubos e furtos a condomínios, homicídios e latrocínios, fraudes através da informática. Isso para não esquecer dos sequestros com uso de PIX. O crime evolui. Esta é a realidade.
A polícia de São Paulo é a maior do país, integrada por aproximadamente 130 mil homens, divididos entre a Polícia Militar (100 mil) e a Polícia Civil (30 mil). É bem aparelhada e dotada de meios materiais suficientes para uma atuação eficiente, apesar da defasagem salarial e de pessoal registrada nos últimos anos. Não se pode esquecer o reforço verificado pelo incremento das polícias municipais.
Em primeiro lugar, é preciso salientar que ações como a ocorrida em Araçatuba são planejadas por grupos especializados ligados a facções criminosas que normalmente disponibilizam as armas de fogo em regime de locação. Esses grupos compostos por grande número de integrantes certamente planejam suas ações considerando o sistema de segurança disponível na região, rotas de fuga, volume de recursos em dinheiro envolvido, comunicação, dentre outros. Daí a preferência por cidades situadas no interior, longe dos grandes centros.
Além do aparato ostensivo de segurança para o combate eficaz a crimes dessa natureza, é essencial o trabalho profundo de investigação, como ocorreu no passado com crimes de sequestro. Aí reside o grande problema da segurança pública no estado de São Paulo.
Com efeito, ao longo dos anos a Polícia Civil de São Paulo, responsável pela investigação criminal, vem sofrendo um processo de desmonte contínuo, representado por falhas graves em sua estrutura organizacional, seleção e formação de pessoal, defasagem salarial, ausência de plano de carreira moderno, estrutura burocrática disfuncional e distante do interesse público, desenvolvimento de atividades divorciadas dos objetivos essenciais da instituição.
Nos anos 1990 foram criadas unidades policiais em todo o estado sem o planejamento necessário e estrutura de pessoal, dividindo os parcos recursos disponíveis, numa ação que, em meu entendimento, enfraqueceu sobremaneira a instituição e, por consequência, a investigação criminal. Até hoje o problema, embora detectado, não foi resolvido. Enquanto isso, o crime se reorganizou.
Por outro lado, a Polícia Militar padece de problemas crônicos que remontam sua natureza militar, o que dificulta o diálogo e aproximação com uma população carente e desigual como na sociedade brasileira.
Por fim, vale salientar a dificuldade de integrar as polícias paulistas a fim de racionalizar os trabalhos, evitando duplicidade de procedimentos e invasões de competências, reduzindo custos e despesas desnecessárias com prédios, equipamentos e cursos de formação. As tentativas nesse sentido restaram infrutíferas. Apenas se agravaram com o empoderamento verificado nas polícias militares de todo o país, que tiveram um crescimento exponencial de modo a invadir áreas específicas das polícias civis, gerando conflitos inaceitáveis e demonstrativos da fragilidade do sistema.
Nesse contexto florescem crimes graves e violentos que atemorizam a população. A insegurança instala no íntimo das pessoas. Urge modificações profundas e inadiáveis. Eis o desafio que se impõe.