Já é quase comum — para o bem e para o mal — o senso de que os meios de comunicação pelos quais as pessoas se informam e se entretêm têm algum impacto no pensamento e no comportamento das pessoas. Mas este quase senso comum está baseado em pesquisas e estudos consistentes feitos por cientistas da informação e especialistas em comunicação e política desde, pelo menos, o final do século 19.

É deste período a emergência, nos EUA, de um fenômeno chamado “yellow journalism”, que causou tanto debate entre intelectuais quanto impactou a sociedade e a própria forma de se fazer jornal. Tratava-se de um cobertura jornalística que buscava tocar mais as emoções do leitor, sobretudo as mais baixas, em vez de seu comportamento racional.

Se na antiga União Soviética e na Alemanha Nazista, a propaganda política perpetrada pelos meios de comunicação de massa em mãos de governos autoritários levou a maioria da sociedade a aceitar e desejar assassinatos em massa — e isto se passou em autocracias —, numa democracia como os EUA sob o governo de Nixon, a mídia também foi utilizada para manipular a sociedade por meio de mentiras que buscavam “justificar” o apoio dos Estados Unidos a ditaduras na América Latina.

Dada esta enorme importância dos meios de comunicação e de informação nos fatos políticos e nos destinos das populações, principalmente as mais vulneráveis, as Nações Unidas incluíram o direito à comunicação e informação de qualidade no rol dos direitos humanos. Ter acesso à verdade dos fatos e à maior diversidade possível de opiniões sobre estes é um direito humano. E é justamente por conta deste direito que a mesma ONU, em parceria com instituições como Jornalistas sem Fronteiras, defende a liberdade de imprensa e o exercício do jornalismo.

Na era da comunicação da comunicação de massa — jornais impressos, rádio, cinema e televisão —, a afirmação deste direito humano exigia uma regulamentação — no sentido de um conjunto de leis, normativas e pactos firmados entre diferentes agentes — para impedir a concentração de muitos meios nas mãos de uma mesma família, empresa ou partido político. A ideia era não permitir a sobreposição do interesse do público sobre o interesse público e levar a iniciativa privada em termos de comunicação, mais interessada na exploração comercial dos meios, a conviver com uma comunicação pública forte e livre das pressões de empresas e anunciantes.

Isso foi pensado para garantir a diversidade de representação e a pluralidade de vozes nos meios. E, por fim, proteger jornalistas de assédios morais e censuras por parte de seus chefes e patrões quando suas matérias contrariam os interesses de poderosos da política e do mercado.

Se antes foi assim, agora que estamos inevitavelmente tragados por uma superestrutura global de comunicação — a internet ‚ que absorveu e articulou, em si, todas as tecnologias anteriores da comunicação e nos colocou num fluxo ininterrupto de consumo de (des)informação e exposição à publicidade, a afirmação do direito humano à verdade dos fatos e à maior pluralidade possível de opinião demanda mais ainda a regulação! Precisamos mais que nunca falar em regulamentação da mídia.

É uma lástima que, no Brasil, cada vez que se fala deste tema, jornalistas bonecos de ventríloquos de seus patrões começam a acusar a regulamentação de “censura” e “tentativa de controle dos meios”. Trata-se de uma mentira, de desonestidade intelectual e às vezes de pura ignorância mesmo.

A internet foi colonizada por empresas privadas de tecnologias da comunicação e informação e entretenimento que funcionam — e obtém seus lucros obscenos — na extração e comercialização permanente de nossos dados pessoais. E, quando digo “pessoais”, estou falando inclusive daqueles que habitam nosso inconsciente: os medos, os ressentimentos, os preconceitos e os desejos inconfessos.

Tais dados são entregues enquanto interagimos nas mídias sociais. Google, Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp Amazon, Netflix e etc constituem aquilo que Shoshana Zuboff chama de “capitalismo de vigilância”. O fenômeno também é chamado por outros especialistas de capitalismo de plataforma.

O funcionamento deste capitalismo permitiu à extrema-direita, em diferentes partes do mundo, perpetrar uma propaganda política tão odiosa quanto capilar para obter sucesso eleitoral e destruir a democracia por dentro. Donald Trump e Bolsonaro são só dois exemplos disto.

As plataformas digitais se converteram em Estados acima dos Estados Nacionais — são “Estados-Plataformas”, nas palavras de Pierre Levy. O seu modelo de negócio engendrou uma infodemia da qual as fake news são apenas o mais popular dos sintomas. Essas plataformas tardaram muito, em nome de seus lucros, a conter desinformação nas mídias sociais sobre a pandemia de Covid-19, que elevou o número de mortos aos milhões.

Portanto, como não falar em regulamentação da mídia? É disso que se trata esse tema, e não de censura sobre os meios. Todas as atividades numa democracia liberal precisam de uma  regulamentação para se desenvolverem de maneira justa e visando garantir o direito de todos.

Peguemos, como alegoria, a regulamentação no trânsito. Se esta não existe — com seus semáforos, faixas de pedestres, limites de velocidade, ciclovias, sistemas de multas, exigência de idade mínima para se habilitar a conduzir e etc — o trânsito de veículos seria uma barbárie, com centenas de milhares de mortos todos os dias.

Logo, a regulamentação da mídia para a afirmação do direito humano à comunicação e à informação de qualidade, apenas estabelecerá regras claras que permitam que todos tenham acesso ao “trânsito”, sem que os “pedestres sejam atropelados”. Ou que indivíduos sejam destruídos por fake news e o noticiário que distorce os fatos e omite a verdade. Ou que “bicicletas sejam esmagadas por caminhões” — ou como veículos independentes (The Intercept, Fórum, Nexo, Pública e outros) também possam receber os recursos da publicidade estatal.

Os contribuintes podem financiar uma comunicação pública livre das pressões comerciais que comprometem a lisura dos meios privados ou das concessões públicos exploradas privadamente. Empresas não podem decidir, acima do Estado, quem pode ou quem não pode se locomover e a que velocidade  — algo que as plataformas estão fazendo na internet. Por tudo isto, regulamentação sim, censura não.