A Amazônia é solução para o Brasil e o mundo
Direção da Fundação Perseu Abramo
Cinco de setembro é o Dia da Amazônia. Infelizmente, não há muito o que celebrar. A Amazônia enfrenta, desde 2016, uma intensa e perigosa devastação, agravada fortemente pelo governo Bolsonaro.
Desde os primeiros meses de 2019, revivemos o aumento acentuado do desmatamento, que chegou a mais de 9 mil km² em 2019, refletindo uma alta de 100% em cinco anos. O acumulado nos últimos 12 meses é 57% maior do que o registrado no período anterior, de 2019 a 2020. Apenas em julho deste ano, a Amazônia perdeu uma área de floresta maior do que a da cidade de São Paulo.
A principal contribuição do Brasil para o agravamento das mudanças climáticas é o desmatamento e a degradação florestal na Amazônia. Além do desmatamento, a mineração avança sobre a Amazônia. Segundo dados inéditos da plataforma MapBiomas, divulgada em agosto, três de cada quatro hectares minerados no Brasil em 2020 estavam na Amazônia. Com o agravante de que a expansão do garimpo sobre territórios indígenas cresceu 495% e em unidades de conservação, 301%, entre 2010 e 2020.
Há conexão direta do bolsonarismo com os segmentos ligados a exploração garimpeira, que estão invadindo deliberadamente os territórios Munduruku e Yanomami com armas pesadas e munição, gerando graves conflitos no último ano. Além da ilegalidade desta atividade, ela traz imensos impactos ambientais, sanitários e de desagregação social e desterritorialização das populações, devido à degradação florestal e ao acentuado uso de mercúrio.
Dentre todos os segmentos sociais da Amazônia, certamente os povos indígenas e seus territórios têm sido as principais vítimas de ataques e violações de direitos, desde o governo Temer, situação agravada a partir de 2019. Todos os processos administrativos de demarcação de terras indígenas encontram-se paralisados por ordem direta de Bolsonaro. A repetição continuada de sua retórica belicista e agressiva contra indígenas, quilombolas e o meio ambiente, tornou-se uma espécie de “senha” para ações de grupos que se sentem à vontade para agir fora da lei em todas as Áreas Protegidas na Amazônia, justamente onde ocorrem os menores índices de desmatamento.
Cientistas brasileiros e estrangeiros mostram as vulnerabilidades do Brasil e da Amazônia diante dos impactos climáticos. A crise hídrica é um recado inequívoco de que o atual modelo de exploração da natureza está esgotado. A situação é de emergência e cessar o desmatamento e recuperar as áreas degradadas da floresta, são soluções que não podem mais ser adiadas.
Diante desse grave cenário de médio prazo, será necessário pensarmos a defesa das populações ribeirinhas, urbanizadas ou não, que estarão expostas a eventos extremos de seca e inundações provocadas pelas mudanças climáticas em curso, que levarão a sérias consequências para a economia e a saúde.
Diante desse rastro de destruição, os cientistas já preveem a irreversibilidade dos danos infligidos à floresta e os protestos em defesa da Amazônia se fazem ouvir não só no Brasil, mas no mundo.
Há muito que este bioma, decisivo para o equilíbrio ambiental e climático do planeta, é reconhecido como um repositório de serviços ecológicos únicos. Embora ameaçado como nunca, ainda permanece bastante conservado em termos de tamanho e diversidade. O Brasil, que detém 60% da Amazônia, tem imensa responsabilidade em promover a proteção dos territórios e dos seres humanos e não humanos, que vivem na e da floresta, que é a maior coleção de plantas vivas e de espécies animais no mundo: uma em cada dez espécies conhecidas vive na Amazônia.
Hoje, cerca de 25 milhões de habitantes formam uma complexa diversidade sociocultural na Amazônia brasileira, distribuída em uma área legal que equivale a 56% do território nacional. Os que detêm um conhecimento único sobre esse gigantesco ecossistema são os 170 povos indígenas, as 357 comunidades remanescentes de quilombos, de seringueiros, castanheiros, ribeirinhos e camponeses. A maior parte dessas populações das águas e das florestas, mas também de outras regiões do Brasil, vive nos núcleos urbanos da Amazônia, como resultado de processos migratórios e de êxodo rural intensos. E, diante disso, as cidades apresentam desafios socioambientais próprios.
É necessário, portanto, coincidir temporalidades e ajustar ritmos do homem à natureza. Os amazônidas estão convencidos da necessidade de um projeto baseado no uso sustentável da biodiversidade, no respeito à diversidade sociocultural, na inclusão, na geração de trabalho e renda, no respeito à equidade de gênero, racial, étnica e geracional.
Durante os governos do PT, foram criados e fortalecidos diversos marcos legais para regular as mudanças climáticas e o uso sustentável da biodiversidade, ampliados os territórios de uso coletivo como as Terras Indígenas, Terras Quilombolas, Reservas Extrativistas e as Unidades de Conservação de Uso Sustentável, e foram obtidos resultados exitosos na redução do desmatamento e das emissões de gases do efeito estufa, além do protagonismo responsável nos fóruns internacionais sobre meio ambiente.
A Fundação Perseu Abramo reconhece que o papel da Amazônia é fundamental no enfrentamento da crise ambiental e que para responder aos anseios da enorme diversidade de sua população, do Brasil e do mundo, é necessário transitar do atual modelo de exploração insustentável de seus recursos naturais para uma proposta de convívio respeitoso entre homem e natureza, bebendo da ancestralidade inspiradora dos povos indígenas e comunidades tradicionais.
A retomada das demarcações de terras indígenas e a criação de reservas extrativistas e demais unidades de conservação deverá ser acompanhada da reconstrução e fortalecimento de órgãos como a Funai, o Ibama e o ICMBio, indispensáveis no papel de controle do desmatamento na Amazônia.
Para enfrentar esse enorme desafio, precisamos retomar a construção de um novo modelo baseado em ampla participação popular, com o desenvolvimento de capacidades locais, na ampliação da infraestrutura de ciência, tecnologia e inovação regionais, para promover as opções econômicas, culturais e de relações com mercados, a partir das potencialidades dos territórios que abrigam a diversidade amazônica, inclusive em cooperação com os países da Pan-Amazônia, através da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica.
Caberá também promover a agregação de valor às matérias primas da biodiversidade, dos recursos aquáticos, dos solos e sub-solos, criando ambientes favoráveis à articulação entre os conhecimentos científicos e tradicionais para um processo de industrialização sustentado em bases regionais e que valorize a economia da floresta e a conservação das águas.
Uma revolução tecnológica é necessária na Amazônia, para garantir a sustentabilidade e o baixo impacto ambiental das economias de todos os portes já estabelecidas, assim como no sentido de geração de fontes de energia limpa. A agricultura familiar deve ser incentivada, como responsável pela conservação da agrobiodiversidade e pela produção de alimentos orgânicos para a mesa dos brasileiros, livres de fertilizantes químicos e de venenos, valorizando também a rica gastronomia amazônica.
O desafio em melhorar a qualidade de vida nas cidades amazônicas deve ser enfrentado com novas infraestruturas urbanas, especialmente, dos sistemas viário, sanitário, informacional e energético, além do acesso amplo e democrático à saúde, à educação e à cultura.
Para uma Amazônia democrática e includente será fundamental a reformulação do papel e da estrutura dos incentivos fiscais, dos programas e investimentos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e, também, do Banco de Desenvolvimento da Amazônia (Basa). Instituições que devem ser fortalecidas como agentes fundamentais das mudanças que a FPA defende para a Amazônia.
A FPA continuará lutando pela preservação e conservação da Amazônia como um patrimônio que pertence a todos os brasileiros, e acredita que os amazônidas podem liderar a criação de alternativas capazes de enfrentar os desafios da crise ambiental – a degradação dos solos, a escassez de água, a perda de biodiversidade, as mudanças climáticas e a crise humanitária que nos ameaçam. Vivemos uma emergência climática inadiável para mitigações e soluções na Amazônia.
Euclides da Cunha disse no início do século 20 que a Amazônia é “a última página incompleta do Gênese”, e que “é uma terra que ainda se está preparando para o homem – para o homem que a invadiu fora de tempo, impertinentemente, em plena arrumação de um cenário maravilhoso”. Agora, diante dos desafios do século 21, devemos assumir que sua completude só será plasmada, no sentido de um desenvolvimento respeitoso com a Hiléia, como a definiu Humboldt, com o esforço imprescindível de abrir o diálogo com a sociedade regional, nacional e internacional, para buscarmos construir políticas sustentáveis e inovadoras, para preservar esse fantástico bioma e, assim, beneficiar a todos. Esta tarefa constitui um dever desta geração de brasileiros.