O Brasil vive sua pior crise hídrica dos últimos 90 anos, desde que os níveis de chuva começaram a ser medidos na década de 1930. Como 64,9% da matriz elétrica brasileira é composta pela produção de hidrelétricas, a elevação de tarifas, a possibilidade de racionamento de água e luz e o risco de apagões se projetam sobre a economia.

A falta de chuvas, no entanto, não pode ser tratada como a única responsável por esse cenário. O maior subsistema do país, o Sudeste/Centro-Oeste, tem sido o mais afetado e opera no patamar mais baixo desde 2015, com menos de 30% de sua capacidade. Chove muito onde não precisa e chove pouco onde deveria. Tal mudança no padrão hidrológico é menos obra de São Pedro e mais resultado de interferências humanas. A Eletrobrás reduziu em 80% seus investimentos entre 2015 e 2020, caindo de R$ 15,62 bilhões para R$ 3,12 bilhões.

A falta de investimentos tem contribuído para a atual situação crítica. O que só deve piorar com a privatização da empresa estatal. No mundo inteiro, Canadá, Noruega, Suécia, Venezuela e Brasil são os únicos países cuja energia hidráulica é a principal fonte primária de geração de energia elétrica. Em todos eles essas empresas são estatais. Não há precedente na experiência internacional de um Estado que esteja se desfazendo de sua principal empresa de energia elétrica às vésperas de uma crise hidroenergética.

Para minimizar o problema, o país tem acionado suas usinas térmicas. No entanto, elas são mais custosas, poluentes, e impactam diretamente na elevação das tarifas de energia. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a aplicação da bandeira vermelha pode custar mais de R$ 2,7 bilhões a mais para os consumidores.

O acionamento da bandeira vermelha patamar 2 já significou reajuste de 52%, impactando a conta de luz. Além disso, sob gestão da iniciativa privada, a Eletrobrás deve extinguir o programa Luz Para Todos que já levou energia para mais de 16,8 milhões de famílias.

O desmonte do setor de energia no Brasil atinge também a Petrobrás. Nos últimos anos, a petrolífera brasileira vem passando por um processo de privatização e desnacionalização sem precedentes. O plano de desinvestimentos da empresa tem acelerado a venda de campos de petróleo em terra e águas rasas, de refinarias, de ativos ligados ao gás, logística, transporte, distribuição, petroquímica, biocombustíveis, entre outros.

Para viabilizar essa política as últimas gestões da Petrobras mantiveram o parque de refino funcionando com capacidade ociosa, cerca de 76,5% da carga de refino tem sido utilizada. Tal decisão levou à entrada de uma enxurrada de importadores no mercado brasileiro. A importação de gasolina atinge o patamar de 62%. Com menos refino e mais importação, cresceram as pressões para que o preço dos combustíveis fosse também internacionalizado e dolarizado. Um erro.

O resultado é que apenas no governo Bolsonaro já foram realizados cerca de 92 reajustes no preço do diesel, provocando uma alta acumulada de 39,5%. No caso da gasolina, a situação é ainda pior. Foram cerca de 103 reajustes, provocando elevação de 73,1% nos preços. Em grandes cidades, trabalhadores de aplicativos já trocam o moto pela bicicleta em função do preço dos combustíveis.

No caso do GLP, a situação é ainda mais dramática. A alta do gás de cozinha já atinge 57%, tornando a compra do preço do botijão de 13kg impeditivo para uma grande parcela da população. Por isso, algumas famílias tem voltado a cozinhar a lenha.

A energia é um bem comum necessário para o funcionamento de toda a economia. O desmonte das empresas do setor energético provoca deterioração nas condições de vida da população, sobretudo entre os mais pobres e precarizados. Nesse caso, privatização e inflação são duas faces da mesma moeda.