Bolsonaro mantém a claque em êxtase ao  sinalizar — mais uma vez — um ‘contragolpe’. Mas, ao arreganhar os dentes para o STF, enquanto assiste ao desembarque do agronegócio e outra parcela dos empresários, leva uma invertida. Embora tenha pedido o impeachment do ministro Alexandre de Moraes,  do STF, ampliando a crise, a manobra pode ampliar seu isolamento político no Brasil e no exterior

 

Mais uma semana de ameaças, recuos, esbirros autoritários e a palavra que não sai da cabeça dos generais de pijama, conservadores e do gado: o autogolpe. O presidente Jair Bolsonaro não se emenda. Acuado pela CPI da Covid, envolto numa nuvem de corrupção que não se dissipa à medida que ganha mais densidade as investigações que avançam contra seu governo e também à própria família, o capitão açula a claque uma vez mais com a expressão que o fascibolsonarismo ama: “intervenção militar constitucional”.

Ao longo da semana, imprensado pela perda de popularidade crescente e os sinais de que o PIB vai abandoná-lo de vez, tendo em vista à impossibilidade de reeleição, o presidente se escorou numa ameaça de contragolpe, diante do isolamento político no Congresso e no Judiciário, e redobrou a aposta no impasse institucional: pediu ao Senado a abertura de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, relator do inquérito que apura os ataques do bolsonarismo à democracia e às instituições. 

Na tarde de sexta-feira, 20, Bolsonaro formalizou a ameaça de impeachment contra Moraes e sinalizou que repetirá nos próximos  dias um outro pedido para a abertura de processo contra o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, que também integra o STF. Além da destituição do cargo, Bolsonaro quer o afastamento dos dois magistrados de suas funções públicas pelos próximos oito anos.

Moraes incluiu Bolsonaro entre os investigados no inquérito das fake news após o presidente semear a dúvida sobre o processo eleitoral brasileiro, questionando a segurança da urna eletrônica e apontando risco de fraude nas eleições presidenciais de 2022. O presidente, que já no ano passado foi para frente do quartel do Exército em manifestação pelo fechamento do Supremo e a decretação de um novo AI-5 — o mais duro instrumento de arbítrio adotado pela ditadura militar em 1968 para perseguir opositores do regime e  que suspendeu o habeas corpus — acusa os dois ministros da Suprema Corte  de “jogar fora das quatro linhas da Constituição”.

Imprensado pela manobra do Planalto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que vai examinar o pedido, voltou a colocar panos quentes, ao pedir “maturidade política”, apontando que o episódio “há de ser superado” e que buscará a “pacificação” entre os poderes. Pacheco foi eleito com apoio de Bolsonaro e é chamado por veteranos da imprensa, como o decano Janio de Freitas, de “bolsonarista enrustido”.

Na sexta-feira, ao saber da iniciativa do Chefe do Estado brasileiro, Pacheco deu declarações protocolares. Apesar de adiantar que não vê critérios para o impeachment tanto de ministros do Supremo quanto do próprio presidente da República, limitou-se a prometer que vai se debruçar sobre o pedido apresentado pelo Chefe do Estado.

O Supremo não teve a mesma fleuma. Em nota oficial, a corte repudiou a apresentação do pedido de impeachment contra Moraes. O STF ressaltou que o inquérito cujas decisões são questionadas por Bolsonaro — o que apura disseminação de fake news e ataques a autoridades — já foi chancelado pelo próprio plenário. “O Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido processo legal”, apontou.

Na imprensa internacional, o francês Le Monde destacou no sábado, 21, o inusitado pedido de Bolsonaro. “As acusações do presidente contra o sistema eleitoral surgem quando ele está em um momento ruim devido a uma clara erosão de sua popularidade e, em particular, à sua má gestão da crise diante do coronavírus”, resume. “O presidente brasileiro vem perdendo nas urnas há várias semanas em grande parte contra seu inimigo jurado, o ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010)”.

Em despacho distribuído ainda na sexta-feira, 20, a Associated Press destacou que Bolsonaro se irritou com as decisões do tribunal superior desde o início da pandemia. “Foi quando os juízes determinaram que prefeitos e governadores — e não apenas o presidente — têm jurisdição para impor restrições para retardar a propagação do vírus”, diz o texto, replicada em vários jornais no exterior, incluindo o influente Washington Post. 

“Ultimamente, a rixa chegou ao auge com o presidente sendo alvo de duas investigações decorrentes de seus ataques implacáveis à integridade do sistema de votação eletrônica do país”, aponta a AP. Outra agência de notícias internacional de amplo alcance global, a Reuters, destacou que a investida de Bolsonaro contra Moraes vai aprofundar a crise entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.

O líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), reagiu à investida de Bolsonaro contra a Suprema Corte. “Mais uma cortina de fumaça do presidente para esconder os desastres de seu governo”, criticou. “O pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes protocolado por Bolsonaro é uma farpa que não irá atingir nossas instituições”.

Na sexta, o presidente se fez de sonso. “Engraçado, quando eu entro com uma ação no Senado, fundado no artigo 52 da Constituição, o mundo cai na minha cabeça”, disse, para em seguida assumir papel de vítima. “Quando uma pessoa em um inquérito no fim do mundo me bota lá ninguém fala nada. Não é revanche. Cada um tem que saber o seu lugar, a forma de viver em paz e harmonia, se cada um respeitar o próximo e souber que tem um limite, o limite é a nossa Constituição”, disse o capitão.

A dureza da nota do STF, distribuída ainda na noite do dia 20, mostra que a corda tende a se manter esticada pelas próximas semanas. “O Supremo Tribunal Federal, neste momento em que as instituições brasileiras buscam meios para manter a higidez da democracia, repudia o ato do excelentíssimo Senhor Presidente da República, de oferecer denúncia contra um de seus integrantes por conta de decisões em inquérito chancelado pelo Plenário da Corte”, diz o texto.

A formalização do pedido de impeachment de Alexandre de Moraes ocorre no dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do cantor Sérgio Reis e do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), aliados do presidente. As medidas foram solicitadas pela Procuradoria-Geral da República e autorizadas por Moraes. Bolsonaro reclama do fato do ministro do STF ter acolhido a notícia-crime do TSE e ter decidido investigá-lo por suposto vazamento de dados sigilosos de inquérito da Polícia Federal sobre invasão hacker à corte eleitoral em 2018.