No inverno de 1961, há exatos 60 anos, o selo Continental lançava em LP aquela que foi considerada ao longo da sua carreira como a maior cantora brasileira: Elis Regina Carvalho Costa. Na época, era uma menina com recém completados 16 anos. O disco se chamava Viva a Brotolândia. Nascia no rastro dos sucessos de rock de então celebrizados pela cantora Celly Campelo. Com 12 faixas, o álbum tinha versões de sucessos norte-americanos.

Vivendo ainda em Porto Alegre, Elis só viria para o Rio de Janeiro no fatídico e de triste memória 31 de março de 1964, ela já havia gravado outros três discos, ainda sem muito sucesso.

Ao interpretar magistralmente a canção “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, no 1º Festival de Música Popular Brasileira, Elis ganhou o mundo. Literalmente. O músico e compositor Bob Dylan, em seu programa de rádio, encantado com a performance da Pimentinha, recentemente fez um comentário no ar, destacando a genialidade interpretativa da cantora, e suas formas emocionadas ao terminar as apresentações em lágrimas: “Uma das melhores cantoras do Brasil é a Little Pepper, Elis Regina”, disse o músico, tocando em seguida um trecho da música “Aquarela do Brasil”. Dylan também falou um pouco sobre a trajetória e a morte trágica da cantora.

Fã de carteirinha da cantora Ângela Maria, a quem sempre homenageava e de quem reconhecia ter adquirido influência, Elis reagia quando a crítica teimava em fazer comparações entre as duas. O que passou a ser recorrente. Homenageou também a cantora e atriz Carmem Miranda, de quem também era admiradora no célebre show “Falso Brilhante”, em 1976.

Pimentinha, Furacão Elis, Vulcão em Erupção eram alguns dos epítetos lançados sobre Elis buscando interpretar sua mescla de estilos, timbres e entonações. Profundamente vinculada as raízes da cultura brasileira, ela foi fundamental para a difusão do trabalho de artistas como Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, João Bosco e Aldir Blanc, Milton Nascimento, Belchior, entre tantos outros. Sua generosidade, solidariedade e combatividade são marcos de uma carreira. E de uma militância em defesa da vida e da liberdade. Ficou célebre sua visita à cantora Rita Lee na prisão por causa de uma acusação de uso de drogas.

Crítica mordaz da ditadura militar, Elis Regina foi levada a depor no antigo Serviço Nacional de Informações – o tenebroso SNI. Em uma entrevista, ela deu a alcunha aos militares que usurparam o poder e impunham a repressão de Gorilas. O que vindo da maior artista da música brasileira era para eles uma afronta indescritível.

A magnitude da carreira de Elis, bruscamente interrompida em 1982 por sua trágica morte, é objeto para pesquisas, teses e dissertações. Seria muita pretensão querer em tão pouco espaço falar da sua importância para a cultura nacional. Ela é eterna.

Mas, como ousadia não tem limites, arrisco-me nessas breves linhas a lembrar duas passagens marcantes da voz de Elis, o bolero “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, de João Bosco e Aldir Blanc: Sentido frio em minha Alma/ Te convidei pra dançar/ A tua voz me acalmava/ São dois pra lá, dois pra cá…/ No dedo um falso brilhante, brincos iguais ao colar/ E a ponta de um torturante Band Aid no calcanhar/ Eu hoje me embriagando de whiski com guaraná, ouvi tua voz murmurando/ São dois pra lá, dois pra cá”.

E, claro, não podia deixar de mencionar a canção que praticamente a lançou para a posteridade: “Arrastão”: Eh! Tem jangada no mar/ Eh! Eh! Eh!/ Hoje tem arrastão/ Eh! Todo mundo pescar/ Chega de sombra e João Jôvi/ Olha o arrastão entrando no mar sem fim/ Eh! meu irmão traz Iemanjá pra mim…/ Minha Santa Bárbara me abençoai/ quero me casar com Janaina/ Eh! Puxa bem devagar/ Eh! Eh! Eh!/ Já vem vindo o arrastão/ Eh! É a rainha do mar/ Vem, vem pela rede João pra mim/ Valha me Deus nosso Senhor do Bonfim/ Nunca jamais e viu tanto peixe assim”.

Para sempre… Inigualável!

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