Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa, que está completando 65 anos de lançamento, é uma obra profundamente brasileira, sertaneja. Uma obra política, no sentido mais alargado da palavra.

O Brasil, em várias dimensões, da linguagem aos territórios, passando pela nossa história, é a grande presença nesta obra genial. É o ponto de partida para as reflexões que transcendem o tempo e os espaços nacionais.

Guimarães Rosa contextualiza o sertão em termos de espaços geográficos e seus vazios, territórios confusos e difusos, como sempre foi o não resolvido tema da ocupação de terras no Brasil. Além da crítica social, explicita ainda a ausência total do Estado e da lei, tempos do coronelismo e dos jagunços, que ainda hoje projetam suas sombras: “O senhor tolere, isto é o sertão. (…) onde o criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade”. 

O Brasil emerge como estação primeira da grande viagem roseana. É o que conhecemos em nossa história e formação, o Estado distante, quando não totalmente ausente. É a busca de uma modernização tardia, que se expressa, entre outras passagens, na referência à Coluna Prestes e nos sonhos e palavreados meio desembestados do personagem Zé Bebelo, querendo impor a lei a seu modo.

Intuitivo e apressado, Zé Bebelo queria impor o progresso e buscava um contorno ainda que primário de um projeto nacional. Vincula o sertão às dimensões do país, ao confrontar os que “desonram o nome da pátria e esse sertão nacional”. O sertão se mostra como espaço da política e metáfora do Brasil. 

Em seu discurso de defesa, Zé Bebelo explicita sua visão política a partir do sertão e da sua dialética sertaneja: ele quer apoderar-se, superar a barbárie, normatizar, levar a presença civilizadora do Estado, imbuído de suas responsabilidades sociais, instituições e serviços, e sair do sertão depois de cumprir a missão integradora: “Ah, este Norte em remanência: progresso forte, fartura para todos, a alegria nacional! (…) A gente tem de sair do sertão! Mas só se sai do sertão é tomando conta dele a dentro… ”.

Zé Bebelo quer melhorar o Brasil, tem anseios e sentimentos de justiça e desenvolvimento — “o que imponho é se educar e socorrer as infâncias deste sertão” —, mas quer uma mudança conservadora, nos moldes do velho coronelismo, com os votos encabrestados dos cabras comandados por chefes como Joca Ramiro.

Ao falar dos chefes jagunços, inclusive dele próprio, Riobaldo, porta voz sapiencial do autor, ingressa no delicado território do poder: “Esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo…”.

Medeiro Vaz, que Riobaldo considerava “o mais supro, o mais sério” dos chefes, escolheu, pelo olhar, já agonizando, o próprio Riobaldo para sucedê-lo. Mas para esse, não obstante os apelos de Diadorim, não havia chegado a hora. Mais adiante, assumiria o poder depois do confronto com Zé Bebelo.

Riobaldo, o Urutu-Branco, viveu as tentações do poder de ser chefe. Cedeu a algumas, resistiu às piores, falhou no ato final. Não pôde salvar a vida de Diadorim. Sai dos territórios do poder e da chefia  — “desapoderei”. Reencontra Zé Bebelo, que buscava nos novos tempos o novo poder: ganhar muito dinheiro, o poder econômico.

Riobaldo torna-se um abastado fazendeiro. Estaria aí também a sua opção por Otacília?

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