Progressistas já governam Argentina, México, Peru e Bolívia. Vitória de Lula no Brasil poderá consolidar a volta de uma política de integração regional

 

Depois de um período de crescimento da direita e da extrema direita na América Latina, que teve como casos mais emblemáticos os golpes contra Dilma Rousseff, no Brasil, e Evo Morales, na Bolívia, e os processos de lawfare contra Lula e Cristina Kirchner, no Brasil e Argentina, os ventos democráticos parecem ter voltado a dar as caras na região. Além das massivas mobilizações populares contra os governos neoliberais, os movimentos sociais e progressistas têm obtido importantes vitórias em eleições presidenciais pelo continente.

O caso mais recente foi a eleição do professor, líder sindical e socialista Pedro Castillo para a Presidência do Peru. Ele chegou a ter a vitória contestada pela candidata de extrema-direita, Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori, que alegou fraudes no processo eleitoral peruano sem apresentar qualquer prova. Ela foi derrotada e Castillo, finalmente tomou posse na quarta-feira, 28.

Ele anunciou que vai enviar ao Congresso Nacional peruano um projeto de lei, para convocar uma Assembleia Nacional Constituinte por meio de um plebiscito naciional. De acordo com o novo presidente do Peru, uma eventual constituinte “deve ser multinacional, popular e com paridade de gênero em sua constituição” — tal qual o Chile aprovou, recentemente.

Castillo argumenta que atual Constituição peruana data ainda da ditadura Fujimori e que, portanto, não partiu da vontade popular. “Esse é um dos principais motivos que nos obriga a buscar uma nova Constituição que, entre outras coisas, nos permita adequar os contratos (com mineradoras) às novas circunstâncias do mercado internacional, garantindo a receita do Estado”, afirmou.

Iniciativa semelhante está acontecendo no Chile. Apesar do governo de direita de Sebastián Piñera, após uma forte onda de manifestações populares que tiveram início em outubro de 2019,  em razão do aumento nas tarifas de transporte público, o país passa por uma nova constituinte. Instalada no início do mês, a assembleia tem maioria de independentes e progressistas, tendo eleito para a sua Presidência a acadêmica machupe Elisa Loncón.

Outra demonstração de força da esquerda na Constituinte chilena foi a aprovação, com o voto de 105 dos 155 constituintes, de uma declaração de indulto aos detidos nos protestos de outubro de 2019 e aos presos políticos mapuches desde 2001, detidos no âmbito do conflito por terras na região de Araucanía. “A violência que acompanhou os acontecimentos de outubro foi consequência do fato de que os poderes constituídos foram incapazes de abrir uma oportunidade para criarmos uma nova Constituição e, hoje, quando estamos iniciando os trabalhos da constituinte, devem se encarregar disso”, afirma o texto, aprovado por maioria, mas rejeitado pela direita.

Os ventos progressistas também voltaram a soprar na Bolívia. Depois de um golpe de Estado, que contou com a conivência das Organizações dos Estados Americanos (OEA) e impediu a reeleição do então presidente Evo Morales em 2019, o Movimiento al Socialismo (MAS), liderado por Luis Arce, voltou a vencer as eleições presidenciais bolivianas no ano passado.

O governo tem realizado uma rigorosa apuração do golpe de Estado de 2019. O Ministério Público da Bolívia já ordenou a prisão da autodeclarada presidente Jeanine Añez, detida em março deste ano, e de cinco ex-ministros do governo golpista.

A esquerda também governa, desde o fim de 2019, a Argentina, segunda maior economia da América do Sul. Depois de um forte processo de perseguição judicial à principal liderança política daquele país, a ex-presidente Cristina Kirchner, e de um governo de direita de Maurício Macri, os peronistas se reorganizaram em torno da candidatura de Alberto Fernández e impediram a reeleição do empresário.

Na composição para as eleições portenhas, a liderança de Cristina foi decisiva. A ex-presidente assumiu a condição de vice na chapa liderada por Alberto Fernández, que venceu as eleições presidenciais em primeiro turno com 48% dos votos.

O México é outro país governador por um progressista. Desde 2018, o presidente Andrés Manuel López Obrador, do Movimento de Regeneração Nacional (Morena), está à frente do país. As últimas eleições do Congresso consolidaram a ampla maioria da coligação liderada pelo Morena na Câmara dos Deputados. Dos 500 parlamentares eleitos, a coligação do partido de Obrador elegeu 338 deputados, dos quais 254 são do Morena, 40 do Partido do Trabalho, 26 do Partido Encontro Social e 13 aliados do Partido Verde. Todos são da base de sustentação do governo.

Para o secretário de Cooperação Educativa e Ações Prioritária do Ministério da Educação da Argentina, Pablo Gentili, o governo de Andrés Manuel López Obrador, no México; e de Alberto Fernández, na Argentina; inauguram um novo ciclo progressista. Segundo Gentili, o processo se consolida com o extraordinário avanço da esquerda no processo constituinte no Chile, o governo do MAS, na Bolívia, e o início do governo de Pedro Castillo, no Peru.

Gentili defende que a esquerda e os movimentos populares da região enfrentam três grandes desafios. O primeiro, trabalhar para consolidar a união das esquerdas e das forças populares.  “Outro é reconstruir a estrutura dos Estados, devastados pelos governos neoliberais, implementando políticas de igualdade e justiça social que garantam direitos negados a milhões de cidadãos e cidadãs que sofrem condições de pobreza, violência, racismo e discriminação”, afirma.

“Ampliar os esforços de integração regional, recuperando os avanços conquistados pelos governos progressistas no início do século 21 e hoje em estado de profunda fragilidade e instabilidade”, conclui o argentino, ao listar os desafios das forças progressistas da região.

Gentili também argumenta que essa oportunidade para o avanço da esquerda na América Latina poderá se consolidar com o triunfo do PT nas próximas eleições no Brasil. No poder desde 2019, Jair Bolsonaro tem levado a cabo uma política ultraneoliberal de retirada de direitos dos trabalhadores e de desmonte do Estado de bem-estar social. Tem também uma atuação internacional marcada pelo isolamento político e pelo boicote à integração regional e às instituições multilaterais, tendo sido fiel seguidor o ex-presidente norte-americana Donald Trump, derrotado por Biden nas últimas eleições dos Estados Unidos. Bolsonaro sequer participou das cerimônias de posse dos presidentes do Peru e da Bolívia.

Todas as pesquisas presidenciais recentes apontam para a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva, algumas já no primeiro turno. Quatro grandes manifestações contra o governo Bolsonaro aconteceram este ano. Bolsonaro perde apoio popular de forma acelerada, batendo recordes de rejeição e de desaprovação ao seu governo. Os ventos progressistas que sacudiram a América Latina estão e volta e soprando cada vez mais fortes também em terras brasileiras.