Em artigo, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, alertou para o caráter farsesco da rediviva proposta parlamentarista, apresentada por lideranças políticas do campo conservador como saída para a crise política atual.

Vale registrar , sem qualquer espanto ou surpresa, que o debate já superado sobre este tema apenas ganhou novos holofotes após as pesquisas de opinião pública registrarem que o PT segue como líder absoluto na preferência popular, isolado na “dianteira” com confortáveis e significativos 22% do eleitorado nacional.

Ajuda a explicar, também, a posição do ex-presidente Lula nas pesquisas para as próximas eleições presidenciais de 2022. Reabilitado eleitoralmente, após condenações injustas e criminosas, Lula é o  franco favorito em todas as sondagens e cenários. Nada mais justo e merecido!

Na visão ponderada e arguta do integrante do Supremo, a ideia, agora oferecida sob o disfarce semipresidencialista, objeto inclusive de especulação do ex-ocupante da Presidência da República Michel Temer e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), constitui uma versão requentada de iniciativas já rejeitadas pela sociedade brasileira em 1963 e 1993.

Em uma análise enriquecida por elementos históricos, Lewandowski aponta que soluções destinadas a enfraquecer os poderes do presidente da República costumam malograr em seu intento de contenção de turbulências, servindo na verdade a interesses inconfessáveis das elites econômicas.

​O pronunciamento do ministro sobre o tema, iniciativa rara e sempre bem calculada na trajetória de um magistrado sabidamente comedido aos limites de sua jurisdição, decorreu certamente do afã com o qual o seu colega de bancada, o ministro Luís Roberto Barroso, saiu com desenvoltura em defesa da cogitação de reforma do sistema político do país. E o contraponto firmado faz todo sentido.

​Um dos pressupostos da adoção do sistema parlamentarista repousa na existência de partidos políticos ou blocos parlamentares que expressem de maneira reconhecida e nítida a identidade das alternativas políticas para a condução social, econômica e cultural da Nação.

No caso brasileiro, a pulverização partidária atingiu níveis insuportáveis e nocivos à estabilidade da configuração político-ideológica das forças com representação parlamentar. Por outro lado, a previsibilidade da orientação de posições das instâncias partidárias igualmente se encontra sob grave perturbação. A práxis da atuação dos partidos e de seus representantes, cada vez mais, expõe incoerências assustadoras, potencializadas pela banalização dos compromissos partidários e pelo caráter excessivamente individualista e até mesmo negacionista do valor da política, protagonizados por diversos parlamentares eleitos.

​Em tal contexto, não vicejam os pilares fundamentais ao sucesso de uma empreitada parlamentarista, nem mesmo a médio prazo. Uma opção que viesse a transferir poderes típicos do Executivo para o parlamento representaria autêntico salto no escuro, constituindo uma aventura de temerárias consequências para a preservação de uma democracia sob ameaça intestina, causada por um governo que atenta diuturnamente contra a Constituição.

​A efetiva contenção da severa crise institucional gerada pela eleição de um inimigo da democracia e da República como Jair Bolsonaro passa pelo seu afastamento do poder, seja pela decretação do impeachment, haja vista o cometimento de incontáveis crimes de responsabilidade, seja pela instauração de processo por crimes comuns junto ao STF.

E, caso não haja condições de viabilidade institucional ou política para tanto, é imperativo que seja restaurada a legitimidade da Presidência da República com a realização de novas eleições, o que também ocorrerá na hipótese de encurtamento do atual mandato presidencial.

Somente assim o Brasil terá chance de recuperar a trilha de uma governança respeitosa do Estado de Direito e da ordem constitucional. Condicionar essa virada de página a uma atenuação dos poderes do novo presidente da República eleito, mesmo em período subsequente, sugere um casuísmo próprio de quem deseja perpetuar políticas antipopulares, ora sendo implementadas por Bolsonaro e seus auxiliares.

​Como assinalou sabiamente o ministro Lewandowski, manobra semelhante fracassou no início dos anos 1960, ao trazer o germe da violação da legalidade constitucional, disseminado largamente a partir do Golpe Militar de 1964. E, ainda, a opção presidencialista pura foi sufragada por expressiva maioria, não apenas em 1963, assim como no plebiscito de 1993, preconizado no Ato das Disposições Transitórias do texto constitucional de 1988, não subsistindo fundamento institucional para uma alteração do sistema político no país sem ao menos uma nova consulta popular.

​Mais uma vez, portanto, a saída parlamentarista em nosso país assume o caráter indisfarçável de manipulação das elites, sequiosas pela ocupação dos espaços de poder e pela recusa de políticas públicas inclusivas socialmente e afirmativas do interesse nacional. O semipresidencialismo, nesses termos, nada mais é senão uma desesperada tentativa de impedir que um governo legitimamente eleito possa retomar a agenda constitucional de combate às desigualdades e de afirmação da soberania nacional.

Não há, no país, espaço para manobras desta natureza, casuísticas, inoportunas e desconectadas da vontade popular. Felizmente. As eleições devem ser disputadas nas urnas… E o voto sempre será a melhor forma de se enfrentar qualquer crise política e institucional em uma democracia. Simples assim.