Entraram na pauta da reforma política nacional três temas que enfraquecem o sistema eleitoral, os partidos políticos e a própria democracia brasileira. O tripé do retrocesso é formado pelas propostas do semipresidencialismo, do distritão e da volta do voto impresso.

Esta semana, dois ministros do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, se posicionaram publicamente a favor do semipresidencialismo, um sistema híbrido entre o presidencialismo e o parlamentarismo.  No semipresidencialismo, o presidente da República continuar a ser eleito de forma direta pelo voto popular, mas é criada a figura de um primeiro-ministro.

Com isso, o presidente eleito exerce apenas a função de chefe de Estado, que envolve, por exemplo, a representação do país no exterior e o comando das Forças Armadas. Já o primeiro-ministro, escolhido pelo Congresso Nacional, é quem de fato seria o chefe do governo, com poderes para nomear os ministros de Estado, criar políticas econômicas e realizar a articulação política.

A proposta do semipresidencialismo também é defendida pelo ex-presidente Michel Temer, principal articulador do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Temer declarou que “se o governo cair, no semipresidencialismo, isso ocorre com naturalidade”.

Se a ideia avançar, o Congresso Nacional passará por cima de dois plebiscitos, que elegeram o presidencialismo como regime de preferência do povo brasileiro. Em 1963, com 80% dos votos, os brasileiros optaram pelo presidencialismo e devolveram o poder ao então presidente João Goulart, que assumiu o governo em meio ao regime parlamentarista, instalado 1961, depois da renúncia de Jânio Quadros.

Os brasileiros foram as urnas novamente escolher entre o presidencialismo ou o parlamentarismo, em 1993. Outra vez, a maioria dos eleitores, 55,41%, optaram pelo sistema presidencialista de governo.

Em outra frente, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem acelerado a tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição que pretende instituir o chamado distritão para a eleição dos cargos não majoritários. O distritão cria uma eleição por lista, fortalecendo o personalismo enfraquecendo os partidos políticos.

A presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffman (PR), o líder do partido na Câmara, Elvino Bohn Gass (RS), e o vice-líder da minoria na Câmara, Henrique Fontana (RS), publicaram recente artigo na Folha de São Paulo em que classificam o distritão como uma ameaça à democracia e um dos piores sistemas eleitorais do planeta. “O distritão prioriza popularidades de indivíduos em detrimento do aprimoramento do debate de ideias, programas e projetos para o país”, defendem os parlamentares petistas.

Segundo eles, o distritão é uma espécie de “seguro reeleição” que dificulta a renovação de lideranças. “Se trata de um estímulo ao hiperpersonalismo, ao populismo e ao abuso do poder econômico, com menos candidatos, campanhas milionárias e enfraquecimento dos partidos. Como se sabe, nenhuma das democracias mais maduras se constituiu sem o fortalecimento de partidos”, criticam.

Também avança na Câmara dos Deputados, com a benção de Lira, a volta do voto impresso. Já foi instalado na referida casa legislativa uma comissão parlamentar para debater o tema.

A desqualificação do voto eletrônico tem sido um expediente recorrente do presidente da República, Jair Bolsonaro, para tentar tumultuar as eleições presidenciais do ano que vem. A estratégia de ataque de Bolsonaro ao sistema eleitoral parece fazer parte da estratégia da construção de uma narrativa de tensionamento da democracia brasileiro.

É habitual que o Bolsonaro ataque a urna eletrônica a cada divulgação de pesquisas eleitorais, nas quais ele aparece com altos índices de rejeição ou perdendo as eleições do ano que vem para o ex-presidente Lula. Esta semana, o DataFolha apontou que a rejeição de Bolsonaro atingiu 51%, maior índice dentre os 13 levantamentos feitos pelo instituto.

Não por acaso, também esta semana, Bolsonaro declarou que não haverá eleição no ano que vem se a disputa não for “limpa”.  Também esta semana, o ex-capitão afirmou que só foi eleito porque teve “muito voto” e que o então candidato à presidência, Aécio Neves (PSDB) derrotou a presidenta eleita Dilma Rousseff (PT). Como de costume, Bolsonaro não apresentou qualquer prova ou indício para comprovar as ilações.

O ministro Barroso, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral, rebateu. Bolsonaro e declarou que a história brasileira com o voto em papel é trágica. “O manuseio do voto sem filmagem nos reconduz ao filme de terror que nós vivíamos antes. O manuseio humano sempre foi o foco de todas as fraudes. A história brasileira com o voto em papel é uma história trágica.”, disse durante palestra de abertura de um simpósio, na terça-feira, 6.

Já o ex-presidente Lula, em entrevista à rádio Salvador FM, avaliou que Bolsonaro só faz a defesa do voto impresso “a pretexto de criar confusão”. “Voto impresso é voltar à época dos dinossauros. Vamos ser francos: se fosse possível roubar com o voto eletrônico, eu teria sido presidente da República neste país? Eu teria ganho duas eleições? A Dilma teria ganho duas eleições? O Haddad, depois da campanha de ataque ao PT, teria tido 47 milhões de votos? Eu acho que não”, avaliou Lula.

“Não sei se vocês percebem, mas o atual presidente conta mais de quatro mentiras por dia. Ele vive disso. Ele não vive de governar. E agora inventou que, se não for voto de papel, a eleição vai ser roubada. A única eleição roubada foi a dele. A dele foi roubada porque foi feita na base do fake news, porque foi feita na base da mentira, não teve nenhum debate. Então, não se inventa e não se brinca com o povo como esse cidadão está brincando, de forma desrespeitosa, achando que todo mundo é tonto, imbecil, que só ele é esperto, só ele é malandro, algo próprio da origem dele, de miliciano do Rio de Janeiro”,  disse Lula.

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