Após três anos e meio de mandato, Jair Bolsonaro enviou ao Congresso o PL 2337/2021, apresentado como a “segunda etapa” da sua proposta de reforma tributária. A “primeira etapa” é o PL 3887/2020, que unifica PIS/Cofins e aumenta a alíquota. O projeto tem dispositivos sobre o imposto de renda — tanto para pessoas   jurídicas (IRPJ) quanto para pessoas físicas (IRPF). Aqui eu trato de refletir sobre os dispositivos do PL 2337.

A proposta reinstitui a tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos, veda a dedução do juros de capital próprio e revisa a tabela de imposto de renda sobre as pessoas físicas. Essas isenções foram criadas pela Lei 9.249/95, de Fernando Henrique Cardoso, e marcaram a legislação tributária brasileira como das mais regressivas do mundo. Desde 2015 não há correção da tabela de IRPF, a última feita ainda no governo Dilma.

Formou-se no Brasil uma consciência crítica sobre a regressividade da estrutura tributária brasileira, no âmbito acadêmico, e em especial na sociedade civil. Surgiu o movimento nacional pela Reforma Tributária Justa e Solidaria.

Inspirados por esse movimento e dialogando com essa consciência crítica, inúmeros parlamentares da esquerda apresentaram propostas legislativas para reverter a regressividade. Todos travamos longo e perseverante combate em sua defesa. Mas a correlação de forças no Congresso nunca permitiu sua aprovação.

A proposta do governo não reinstitui a tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos de forma progressiva. O mesmo ocorre com tabela que revisa o IRPF. Além disso, no seu “fatiamento”, o governo deixa de fora a tributação sobre o patrimônio e a herança dos super-ricos, que também deve ser progressiva. E não dá tratamento tributário àquele que é um dos maiores desafios da humanidade: a sustentabilidade ambiental. São especialmente nesses pontos que o PL 2337/21 deve ser emendado pelo PT e oposição.

O projeto cria uma alíquota de 20% para tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos e prevê uma isenção para micro e pequenas empresas quando o valor mensal distribuído não ultrapassar os R$ 20 mil. É possível inserir a progressividade criando uma, talvez duas alíquotas, para tributar a distribuição acima de R$ 50 mil, ou de R$ 100 mil. Isso poderá garantir que as grandes operações sejam tributadas de acordo com a capacidade contributiva de cada beneficiado.

Na proposta de revisão da tabela do IRPF, o PL 2337 mantém as atuais cinco faixas, propondo um reajuste de 30% na primeira, isentando até R$ 2,5 mil. E, a última, a partir de R$ 5,3 mil, como as demais, é reajustada em 13%, ficando com alíquota de 27,5%. Aqui, é possível inserir a progressividade, talvez ampliando a faixa de isenção, e criando ao menos uma faixa para tributar o andar de cima, talvez para salários acima dos R$ 35 mil, ou acima de R$ 50 mil.

Enquanto as corporações de mídia noticiam a resistência do mercado, e da base parlamentar do governo, ao PL 2337, o ministri Paulo Guedes sinaliza com a possibilidade de redução do IRPJ e pede a extinção de alguns incentivos fiscais que beneficiam setores específicos da economia.

Ele ainda não declinou da tributação sobre lucros e dividendos, nem da vedação da dedução sobre juros de capital próprio. Também não trata da revisão da tabela do imposto de renda. Entretanto, ao sinalizar para essa negociação antes do relator apresentar seu parecer, o ministro atropela a tramitação parlamentar. Além disso, pauta um tema ausente, tanto no PL 2337/21 quanto no PL 3887/20, desautoriza o relator e cobre de incerteza até quando o governo vai segurar tal proposta.

Aqui, convém registrar que, nessa legislatura, o debate sobre a reforma tributária se iniciou com a apresentação da PEC 45 na Câmara, que ganhou uma comissão especial, e pela PEC 110/19, protocolada no Senado. Depois, foi instalada uma comissão mista do Congresso para tratamento conjunto da pauta. Ambas as PECs tratam da simplificação tributária, cada uma ao seu modo e, elas sim, extinguem os incentivos tributários.

O PT e a oposição, com apoio de inúmeros parlamentes do centro, apresentaram a Emenda Substitutiva Global 178/19 à PEC 45, que ficou conhecida como Reforma Tributária Justa, Sustentável e Solidária. Também apresentaram inúmeras emendas específicas à PEC 45 e à PEC 110, propondo constitucionalizar a tributação progressiva da renda e do patrimônio, contendo dispositivos de incentivo para a sustentabilidade ambiental, para o cooperativo, de valorização do salário mínimo, e para o financiamento da seguridade social.

A tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos, a vedação da dedução do juros sobre capital próprio e a revisão da tabela do IRPF, presentes no PL 2337, são importante vitória. São resultados da pressão do movimento pela reforma tributária justa e solidária, e dos parlamentares do PT e da oposição. Entretanto, impulsionados pela mobilização na sociedade civil organizada e pelo movimento pela Reforma Tributária Justa e Solidária, a oposição deve lutar para incluir a progressividade na tributação do IRPJ e do IRPF.

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