Em 75 dias de funcionamento, a CPI da Covid avançou na investigação das responsabilidades das autoridades federais pelas mais de 530 mil mortes na pandemia. Já sabe que o governo foi omisso, que ministros de Estado atuaram com desdém diante do quadro dramático da crise sanitária. E que o Palácio do Planalto também foi irresponsável e criminoso, ao propagar remédios ineficazes para o tratamento da doença, e absolutamente negligente na compra de imunizantes.

O que ninguém imaginava era esbarrar também em um esquema de corrupção assombroso no Ministério da Saúde, com personagens que parecem saídos de livros de pulp fiction, aquele romance policial barato do gênero popular dos anos 50 do século 21. Todos são caricatos, desqualificados e irrelevantes. Mas as somas que esses suspeitos teriam manipulado são do tipo de filmes de colarinho branco de hollywood: na casa dos bilhões de reais. Só que isso não é tudo. A CPI já detectou indícios de crimes graves cometidos pelo próprio presidente Jair Bolsonaro.

Na última semana, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) fez questão de listar o rol de tipos penais violados pelo ocupante do Palácio do Planalto. Crimes de charlatanismo, epidemia qualificada, usurpação de função pública, prevaricação, peculato… Todos ensejam crime de responsabilidade, passíveis do impeachment. Os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Rogério Carvalho (PT-SE), que integram a CPI, consideram que já há elementos suficientes para embasar a abertura do processo de afastamento do presidente.

Além do caso de corrupção no Ministério da Saúde, levado a conhecimento do presidente ainda em abril pelo deputado Luís Miranda (DEM-DF) e do irmão, o servidor público Luís Ricardo Miranda, também pesam contra Bolsonaro a resposta atabalhoada do governo federal diante da pandemia — que matou 1 em cada 6 vítimas fatais da pandemia em todo o planeta. Miranda trabalha no Departamento de Logística do ministério e, junto com o irmão deputado, alertou pessoalmente Bolsonaro em encontro no Palácio da Alvorada. O presidente não fez nada. Isso é crime de prevaricação. Bolsonaro se omitiu e não levou a denúncia às autoridades competentes.

Mas não é tudo. Na segunda-feira, 5, o site UOL trouxe a público que o UOL uma denúncia da ex-cunhada de Bolsonaro, Andrea Siqueira Valle, revela gravações que indicam que o presidente participou diretamente de um esquema de rachadinha quando era deputado federal. O nome popular do que parece ser apenas um esquema político configura crime de peculato — mau uso e desvio de dinheiro público — leia mais à página 16.

Diante de todos essas suspeitas, Bolsonaro manteve-se silente e não esclareceu as circunstâncias dos encontros que manteve com o deputado e o irmão. Na quinta-feira, na sua tradicional live nas redes sociais, o presidente voltou a chafurdar na escatologia proverbial que lhe é tão peculiar e não teve dúvidas a recorrer a termos chulos para dar sua resposta aos questionamentos da CPI sobre o encontro com os irmãos Miranda: “Fizeram uma festa lá embaixo para eu responder pergunta à CPI. Você sabe qual a minha resposta, pessoal? Caguei. Caguei para CPI. Não vou responder nada”.

A reação de Bolsonaro ocorreu depois que o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), deu voz de prisão na quarta-feira, 7, ao ex-diretor de Logística da Saúde, Roberto Dias Ferreira. Ele mentiu em depoimento à CPI e não detalhou as circunstâncias para aquisição, pelo Ministério da Saúde, das vacinas Covaxin e AztraZeneca.

Os dois processos são alvo de investigação por suspeita de corrupção. Exonerado na semana anterior após o estouro dos escândalos, Dias responsabilizou o ex-secretário-executivo da Saúde, o coronel Elcio Franco, pela gestão de todos os processos. A atuação de Franco no setor de Logística levou senadores a discutirem uma possível acareação entre os dois.

A estranha coincidência de um encontro entre Dias e o vendedor de vacina Luiz Paulo Dominguetti, transformado de um chope casual para negociações sobre venda de imunizantes por aparente obra do destino, intrigou os senadores. Dias confirmou o encontro com Dominguetti em 25 de fevereiro, em um shopping de Brasília. Mas alegou que a conversa era com outro amigo, José Ricardo Santana. A trombada com Dominguetti, a quem Dias chamou de “picareta”, não teria sido combinada. Dominguetti apareceu no restaurante ao lado do tenente coronel Marcelo Blanco, assessor de Dias, e disse representar a Davati Medical Suply, empresa supostamente autorizada a vender vacinas da AstraZeneca.

Em 1º de julho, em depoimento à CPI, Dominguetti acusou Roberto Dias de cobrar, no encontro casual no restaurante em Brasília, uma propina de US$ 1 para que o governo comprasse 400 milhões de doses da AstraZeneca. Um esquema de propinas no valor de R$ 2 bilhões. Mas o negócio não prosperou. São essas pontas soltas que a CPI trabalha para apurar nos próximos dias. Marcelo Blanco depõe à CPI na quinta-feira, dia 15. •

 

 

Prisão de Dias azeda o clima

O escândalo de corrupção no Ministério da Saúde, revelado há três semanas pelos irmãos Miranda — o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e Luís Ricardo Miranda, servidor federal — elevou a pressão no governo e fez os militares reagirem duramente à decisão do senador Omar Aziz (PSD-AM) a dar voz de prisão ao ex-diretor Roberto Ferreira Dias. Ele acabou solto, depois de passar fiança de R$ 1.100, mas sua detenção desencadeou uma crise da CPI com os militares.

Pouco antes, ainda na sessão de quarta-feira, 7, Aziz disse que “os bons” das Forças Armadas devem estar envergonhados “com algumas pessoas” que estão sob suspeita . Ele declarou que fazia muito tempo que “o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”. Aziz declarou nem no tempo da ditadura se acusavam os militares de corrupção. E deu nomes aos bois: “Coronel Guerra, Coronel Elcio, General Pazuello e haja envolvimento de militares…”

Ele se referia ao coronel aposentado Glaucio Octaviano Guerra, que teria trocado mensagens com Luiz Paulo Dominguetti, ao coronel Élcio Franco — ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde — e ao ex-ministro da Saúde General Eduardo Pazuello.

A reação veio a galope. Em nota, os comandantes das Forças Armadas apontaram que Aziz “desrespeitou” os militares e “generalizou esquemas de corrupção”. A nota do Alto Comando e do Ministério da Defesa afirma que a “narrativa, afastada dos fatos, atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana”.

E conclui: “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”. O documento é assinado pelos comandantes Almir Garnier Santos (Marinha), Paulo Sérgio de Oliveira (Exército), Carlos de Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica) e pelo ministro Walter Braga Netto.

Aziz acusou o núcleo militar do governo de estar tentando pressionar o parlamento, e chegou a cobrar publicamente o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a se posicionar. Mas o senador optou por colocar panos quentes.

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