Não ao voto impresso
Se o voto impresso não é a melhor solução, como afastar as suspeitas de fraude? Exigir do TSE que todo o sistema eletrônico eleitoral, desde o reconhecimento do eleitor, passando pela urna eletrônica até a totalização dos votos e sua transmissão, seja auditável
Com a tramitação no Congresso Nacional da PEC 135/19, que inclui no artigo 14 da Constituição, o parágrafo 12, voltou ao debate a segurança e inviolabilidade do voto eletrônico. Diz o dispositivo: “No processo de votação e apuração das eleições, dos plebiscitos e dos referendos, independentemente do meio empregado para o registro do voto, é obrigatória a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”. A PEC institui a obrigatoriedade do voto impresso como sistema de auditagem do voto eletrônico, adotado no Brasil em 1996.
Os defensores da necessidade de o voto ser impresso, em processo paralelo ao da votação eletrônica, têm no presidente Jair Bolsonaro o seu principal expoente. Desde antes das eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro e seus seguidores passaram a questionar nas redes a segurança da urna eletrônica, insistindo em que o sistema de votação brasileiro era sujeito à fraude. Um sem número de fake news foi publicado nas redes sociais e nos aplicativos de mensagem instantânea para desacreditar a urna eletrônica entre os brasileiros.
Na esteira dessa campanha, a deputada Bia Kicis (PSL-DF), o ex-partido de Bolsonaro, apresentou esta famigerada proposta de emenda à constituição. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, em dezembro de 2019, a admissibilidade da PEC 135/19. Em maio deste ano, foi criada uma comissão especial para debater o voto impresso.
Porque o PT é contra a volta do voto impresso
1) No atual estágio do desenvolvimento dos sistemas digitais, toda a verificação do processo de votação para garantir a sua segurança e inviolabilidade é feita por meio de softwares de auditagem. Ou seja, não se utiliza mais a impressão dos dados para verificar as informações, pois o papel impresso exige equipamentos eletromecânicos que apresentam defeitos com mais facilidade, menor nível de segurança da informação e brechas para a perda do sigilo dos dados. Estas questões violam a premissa constitucional do voto secreto e inviolável.
2) As experiências feitas em eleições anteriores, com urnas eletrônicas utilizando parcialmente o voto impresso, mostraram problemas de segurança da informação. Na eleição de 2002, houve testes de 23 mil urnas com impressoras, no estado do Sergipe e no Distrito Federal. O TSE apresentou, em relatório, o resumo dos problemas encontrados: “A experiência demonstrou vários inconvenientes na utilização do denominado módulo impressor externo. Sua introdução no processo de votação nada agregou em termos de segurança ou transparência. Por outro lado, criou problemas. Nas seções eleitorais com voto impresso foi: a) maior o tamanho das filas; b) maior o número de votos nulos e brancos; c) maior o percentual de urnas com votação por cédula, com todo o risco decorrente desse procedimento; e d) maior o percentual de urnas que apresentaram defeito, além das falhas verificadas apenas no módulo impressor”.
3) Argumenta-se que o voto impresso é uma garantia para o eleitor saber que o que digitou na urna é a expressão da sua vontade que poderá ser conferida no papel, lançado automaticamente em uma urna transparente. Só que esse processo pode abrir caminho para uma série de procedimentos que não garantem maior segurança na votação. Por exemplo, um eleitor constata divergência, real ou apenas para tumultuar o processo, entre seu voto eletrônico e o impresso. A fiscalização, alertada, poderá pedir a substituição da urna. Se não houver outra disponível, a votação passará a ser manual com todos os problemas de fraude que eram comuns no passado, antes do voto eletrônico.
4) Urnas eletrônicas com impressoras eletromecânicas tem índice de quebras muitos maiores que as urnas eletrônicas sem impressoras. Em geral, as regiões eleitorais têm um planejamento para substituir urnas que apresentem defeito. No caso das urnas com impressoras, por serem mais frequentes os defeitos, a logística exigida é muito maior e mais complicada. Em regiões mais afastadas e carentes, a substituição das urnas com impressoras é ainda mais difícil, abrindo espaço para o retorno do voto manual e, portanto, sem garantia da inviolabilidade do voto.
Como garantir a segurança eleitoral
Se o voto impresso não é a melhor solução, quais os caminhos para garantir a segurança total do processo eleitoral e afastar as suspeitas de fraude comumente levantadas?
1) Exigir do TSE que todo o sistema eletrônico eleitoral, desde o reconhecimento digital do eleitor, passando pela urna eletrônica (que não é ligada à internet nem pode ser acessada por WiFi ou outro mecanismo de acesso sem fio) até a totalização dos votos e sua transmissão para os TREs ou a sede do TSE seja auditável.
Especialistas em sistemas de informação, comunidade científica, representantes dos partidos políticos e de entidades da sociedade civil como OAB têm sido convidados, ao longo dos anos, para testes púbicos quando auditam o sistema eleitoral para garantir a sua segurança.
Os problemas apontados – de acordo com especialistas do TSE sempre foram problemas secundários e ninguém conseguiu violar a urna eleitoral – foram sendo sucessivamente corrigidos pela equipe técnica do tribunal. Mesmo assim, para as eleições de 2022, os especialistas do PT, com apoio da comunidade acadêmica, vão apresentar ao TSE uma série de aperfeiçoamentos nos sistemas de auditagem, incorporando novos recursos tecnológicos que deem garantia total de segurança ao sistema eleitoral eletrônico brasileiro.
2) Fraudes em sistemas digitais nunca acontecem em um único ponto. O programa fraudulento altera valores em geral de forma sistemática e, por isso, é possível comprovar a ocorrência de fraudes por métodos estatísticos com auxílio de sistemas digitais de auditagem.
Por esse motivo, os sistemas mais contemporâneos não utilizam papel impresso para verificação de erros ou fraudes e sim utilizam sistemas digitais de auditagem. Em geral, os auditores chegam nos terminais do sistema e transferem digitalmente as informações, que querem analisar, para seus dispositivos de armazenamento e, posteriormente, utilizam programas com diversos tipos de verificação.
Fiscalização é um poder dos partidos
É bom lembrar como se dá o processo de votação, a totalização dos votos e a transmissão dos dados, para entender que cada fase pode ser auditada não apenas por especialistas, mas pelos representantes dos partidos políticos que são os fiscais do processo eleitoral:
1) Os programas do sistema eleitoral são únicos para a implantação nas urnas eletrônicas e suas totalizações pelos tribunais regionais eleitorais. Os boletins de urnas, gerados em cada urna eletrônica de uma seção eleitoral, são transmitidos para os computadores totalizadores dos TREs. Os dados transmitidos são criptografados com programas, também auditáveis, com chaves de criptografia que utilizam conceitos contemporâneos.
2) O processo eleitoral é submetido à fiscalização partidária regional, por unidade da federação: a) para verificar a implantação dos programas nas urnas eletrônicas, via cartão de memória (flash card) de carga, gerados no TSE e TREs. Esta implantação é verificada por amostragem escolhida pelos fiscais, nos locais definidos pelos TREs para este fim; b) no dia da votação são destacadas urnas eletrônicas, escolhidas pelo comitê de fiscalização interpartidário, para uma votação, em paralelo com votos controlados pelo comitê, durante o horário eleitoral.
3) Em cada seção eleitoral, o boletim de urna é colocado impresso num quadro de resultados e os partidos poderão solicitar cópias para si. As informações transmitidas das seções eleitorais são armazenadas num cartão de memória da votação digital, que é gravado em cada urna eletrônica com identificação única. A base de dados regional de recepção das informações transmitidas inclui, além dos dados do resultado eleitoral, informações operacionais da urna eletrônica e a identificação de seu cartão digital para posteriores verificações dos resultados. Nos tribunais regionais e no TSE, os partidos recebem as informações destes conteúdos, em meios digitais, com a identificação de cada cartão digital, associado a um único boletim de urna.
4) De forma completa, escolhida ou aleatória, os partidos podem verificar os dados do cartão memória da votação digital (flash card), armazenado na base de dados dos TREs, confrontando com o boletim de urna impresso no fim da operação da seção eleitoral, divulgado no quadro ou com a cópia solicitada pelo partido.
Porque o PT apoiou a Lei 12.034/2009
O presidente Lula, em seu segundo mandato, sancionou a Lei 12.034/2009, que previa algumas mudanças no sistema eletrônico de votação brasileiro, entre elas o retorno do uso do chamado voto impresso a partir das eleições de 2014. A aprovação da lei contou com apoio de vários partidos, incluindo de parlamentares do PT. Logo após sua aprovação, a CCJ do Senado aprovou a admissibilidade de um projeto contra o artigo 5 da nova Lei, justamente o que previa o voto impresso a partir das eleições de 2014.
Não é correto afirmar que o presidente Lula era a favor da volta do voto impresso. Ele apenas respeitou uma decisão soberana do Congresso. Tanto que a Procuradoria Geral da República entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4543) no STF questionando a constitucionalidade do artigo 5 da Lei 12.034/2009, que previa a volta do voto impresso.
Em 2011, os ministros do STF, que já tinham se manifestado contra este artigo da nova Lei, aprovaram por unanimidade uma medida cautelar para suspender, até o julgamento de mérito, a aplicação do voto impresso no pleito de 2014 por entenderem que, entre outros motivos, a impressão do voto feria o artigo 14 da Constituição Federal, que garante o voto secreto. No julgamento do mérito, o artigo foi considerado inconstitucional. •
Bolsonaro: “Vamos ter problemas no ano que vem”
Pressionado por denúncias de corrupção no governo e pelo superpedido de impeachment protocolado na Câmara dos Deputados por uma frente ampla de partidos de esquerda, centro e da direita, o presidente Jair Bolsonaro participou, na quinta-feira, 1, de uma missa com parlamentares e seus familiares, em Brasília. Ele assistiu à celebração ao lado da deputada Bia Kicis (PSL-DF), autora da PEC do Voto Impresso. Pouco antes do evento, voltou a fazer ameaças, se a impressão do voto não for adotada pela Justiça Eleitoral. “Vamos ter problemas no ano que vem”, disse o presidente da República.
Antes de comparecer à missa, em conversa com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro retomou o tom grave e de ameaças no ar adotados no início do ano, ao comentar a invasão do Capitólio por ativistas ligados ao ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Sem mencionar nomes, o presidente também reclamou de “três ministros” do Supremo Tribunal Federal (STF) que estariam empenhados numa “articulação” para barrar a impressão do voto. De acordo com Bolsonaro, caso o voto impresso não seja implementado no pleito de 2022, “eles (os ministros) vão ter que apresentar uma maneira de ter eleições limpas”.
“Dinheiro tem, já está arranjado dinheiro para as eleições, para comprar impressoras”, insistiu. No último fim de semana, presidentes de 11 partidos se reuniram e fecharam posicionamento contra o voto impresso nas eleições de 2022.