Explode a corrupção
Demorou, mas a máscara do farsante está sendo revelada. Na pior semana do seu governo, Bolsonaro se vê encurralado por novas suspeitas de desvios no Ministério da Saúde. Outras evidências reforçam a desconfiança e STF aceita abrir inquérito policial para apurar crime de prevaricação
Foi a pior semana para o governo do presidente genocida. Depois das suspeitas lançadas pelo deputado Luís Miranda (DEM-DF) e do irmão, servidor do Ministério da Saúde, de que a compra de vacinas pelo governo federal está enlameada por esquemas de corrupção, Jair Bolsonaro afunda na podridão.
Além da responsabilidade pelas mais de 520 mil mortes no país, desde o início da pandemia, sabe-se agora que uma operação de desvio de recursos estava funcionando no Ministério da Saúde e com conhecimento do Planalto. O cheiro de propina exala pela Esplanada dos Ministérios. Na sexta-feira, 2, a Procuradoria Geral da República anunciou a abertura de uma investigação para apurar se o presidente se omitiu diante das denúncias no contrato de compra da vacina indiana Covaxin.
A decisão ocorreu depois que a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, determinou ao chefe do Ministério Público Federal que tomasse a iniciativa. Ela foi dura ao dizer que Augusto Aras não pode se comportar como “espectador das ações dos Poderes da República”. No início da semana, a PGR havia solicitado ao STF o arquivamento do pedido apresentado pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO). Rosa não aceitou. Agora, um inquérito vai apurar a verdade e confirmar as revelações dos irmãos Miranda.
Os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Rogério Carvalho (PT-SE) não têm dúvidas que Bolsonaro prevaricou. O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), concorda. Para eles, é fato que o presidente cometeu crime ao deixar de comunicar às autoridades a denúncia de suspeitas no contrato da Covaxin, reveladas ao país na última semana de junho. O caso foi levado ao conhecimento de Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, em 20 de março pelo servidor Luis Ricardo Miranda e o irmão, o deputado aliado do governo. O maior temor hoje no Planalto e entre aliados é se o deputado e o irmão gravaram o presidente. No encontro, Bolsonaro declarou aos dois que o esquema denunciado é “rolo” do líder do governo.
A semana foi intensa em Brasília e a explosão de novas denúncias de corrupção no Ministério da Saúde lançaram ainda mais lama sobre o Planalto. E, claro, sobre o personagem mais suspeito: o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Um dos próceres do Centrão, Barros é o responsável pelas indicações de afilhados políticos que estão enrolados e sob suspeita de montarem um esquema de desvio de recursos públicos em meio à maior tragédia sanitária da história do país.
O governo até agora não desistiu do aliado, mas já atirou o afilhado de Barros, o diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias ao mar. Sua exoneração foi anunciada na quarta-feira, 30 de junho e já foi publicada pelo Diário Oficial da União. Dias será ouvido pela CPI nos próximos dias. Ele deve muitas explicações, mas até agora deu as declarações de praxe à imprensa: não participou de esquemas.
No dia anterior, na terça, 29, a Folha de S.Paulo trazia um novo elemento para reforçar a suspeita de que o governo está carcomido pela corrupção. O representante da Davati Medical Supply no Brasil, o policial militar Luiz Paulo Dominguetti, revelou que, em fevereiro, em um jantar em Brasília, o então diretor de Logística Roberto Dias pediu propina de US$ 1 por dose de vacina para a empresa assinar um contrato com o ministério.
A negociação, segundo a reportagem, envolveria 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca. Ele revelou ainda à Folha, que o coronel da reserva Marcelo Blanco participou do jantar. Horas após a reportagem da Folha ser publicada, ainda na noite de terça, o Ministério da Saúde anunciou a exoneração de Dias. A pasta não citou o motivo e disse que a portaria seria publicada na quarta-feira no Diário Oficial da União.
O mais suspeito é que a AstraZeneca informou que não tem intermediários no Brasil. A empresa farmacêutica diz que todas as doses de vacina do laboratório estão disponíveis por meio de acordos firmados com governos e organizações multilaterais, como o consórcio internacional Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (PMS). A empresa acrescentou que não disponibiliza vacinas para o mercado privado, nem para prefeituras e governos estaduais.
Na quarta-feira, o tenente-coronel Marcelo Blanco, assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, perdeu uma das funções no Ministério da Saúde, a de substituto eventual do diretor do órgão. A decisão, publicada no Diário Oficial da União, é assinada pelo secretário-executivo da pasta, Rodrigo Cruz.
Convocado à CPI para prestar esclarecimentos, Dominguetti confirmou ter recebido o pedido de propina de Roberto Dias. “Era US$ 1 por dose. US$ 3,50, excelência, a primeira proposta. A Davati estava ofertando ao Ministério da Saúde 400 milhões de doses”, afirmou. Não trouxe nenhuma prova, mas reafirmou o que já havia declarado à imprensa.
Apesar disso, o depoimento de Dominguetti à CPI, na quinta-feira, 1º, foi cercado de polêmica. Senadores desconfiaram dos reais motivos por trás das denúncias apresentadas pelo policial militar sobre o esquema de corrupção na negociação da AstraZeneca. Durante o depoimento, ele informou à comissão que o deputado Luis Miranda procurou a empresa representada pelo policial para intermediar a compra de vacinas.
O PM apresentou um áudio, repassado pelo CEO da Davati no Brasil, Christiano Alberto Carvalho. Curioso é o fato de que Carvalho já foi visto em palestra ao lado do empresário bolsonarista Carlos Wizard, outro suspeito na mira da CPI por integrar o chamado “Gabinete das Sombras”, que auxilia Bolsonaro durante a pandemia, recomendando medicamentos ineficazes para a Covid, como a ivermectina e a cloroquina.
Na gravação apresentada à CPI, Miranda diz que tem “potencial comprador e com potencial de pagamento instantâneo”. O PM insinuou que o deputado se referia ao irmão, o servidor da Saúde Luis Ricardo, também presente à CPI na mesma sessão e autor da denúncia do esquema na Saúde.
Quase imediatamente, Miranda rebateu a versão de Dominguetti, dizendo que o áudio é de 2020 e que tratava da compra de luvas. “A intenção é clara desde o princípio, é descredibilizar as testemunhas que de fato trouxeram evidência que existe corrupção dentro do Ministério da Saúde”, apontou o parlamentar. Ele disse que irá apresentar o áudio original, registrado em cartório, e provar a existência do esquema na pasta. Dominguetti teve o celular apreendido pela comissão e chegou a ser ameaçado de prisão.
O senador Rogério Carvalho o acusou de ser um agente infiltrado pelo governo na CPI. “Dominguetti é um bolsonarista e foi plantado para desqualificar uma das principais linhas da CPI. As denúncias de corrupção no Ministério da Saúde”, acusou. Ele dentificou o PM como bolsonarista convicto nas redes sociais, mostrando vários posts em seu perfil no Facebook. E apontou seu depoimento como mais uma estratégia diversionista do governo, lembrando que o Ministério da Saúde não precisa de intermediários para comprar vacinas.
Humberto Costa também ficou desconfiado. “A testemunha tem todo o jeito de ter sido plantada”, disse. “Mas faz uma gravíssima denúncia contra integrantes do governo que precisa ser apurada: pedido de propina para a aquisição de vacinas. Ele pode estar a serviço do bolsonarismo ou de briga de gangues que atuam no Ministério da Saúde”, comentou.
O policial vendedor de vacina informou que outros dois técnicos do ministério tinham conhecimento da proposta de venda da AstraZeneca, além de Roberto Dias. O então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, numero dois do então ministro General Eduardo Pazuello, e um servidor de nome Laurício, identificado como integrante do setor de vigilância sanitária. Dominguetti relatou que o contato com Franco e Laurício foi feito por meio de uma ONG do Distrito Federal que faz serviços humanitários. Ambos serão ouvidos novamente pela comissão.
“É evidente que há uma tentativa de tumultuar e desmoralizar a CPI”, aponta Humberto Costa. “Faz parte disso, a desqualificação do deputado Luiz Miranda que afirmou ter levado a Bolsonaro denúncia de corrupção na compra da Covaxin. O jogo é extremamente bruto”, acusa.