Nos dias atuais constata-se ações e atividades governamentais voltadas para o silenciamento das entidades e organizações LGBTI atuantes no Brasil. Esse processo teve início em 2016, com o golpe parlamentar e midiático, promovido pelas elites, com apoio do setor econômico, no processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

O resgate histórico é necessário pois esse mecanismo de controle e vigilância pelo governo federal tornou-se contínuo e alcançou diversos estratos da sociedade, principalmente os movimentos sociais organizados.

Um exemplo dessa afirmação foi a publicação do Decreto 9.759, de 11 de abril de 2019, que anunciou a extinção de dezenas de órgãos de participação e controle social no âmbito da administração pública federal, dentre eles o CNCD/LGBT, estabelecendo o prazo de até 28 de junho de 2019 para que os colegiados extintos fossem recriados pelo próprio governo.

À primeira vista pode parecer uma simples reorganização da estrutura governamental em favor de melhoria e eficiência. Contudo, essa não é a verdade. Apesar da edição de novo Decreto sob o número 9.883, a representatividade de entidades e organizações foi diminuída, aproximando-se da inexistência pela quantidade simbólica das entidades da sociedade civil e ainda pela determinação que os órgãos governamentais pudessem decidir sobre questões polêmicas.

No manifesto de diversas entidades que atuam em favor das pessoas LGBTI, uma denúncia foi realizada em relação ao novo decreto, pois “não menciona explicitamente o combate da violência e da discriminação motivada por intolerância à orientação sexual e à identidade de gênero, nem a população LGBT, passando a ser um conselho voltado a ‘minorias étnicas e sociais’ e a ‘vítimas de violência por discriminação’, fazendo com que não haja mais, em âmbito federal, nenhum órgão de participação e controle social voltado à defesa e promoção dos direitos da população LGBT+”.

Isto é, o único conselho de controle social para acompanhamento das políticas públicas voltadas para a população LGBTI, deixa de existir na prática.

Essa constatação permite compreender o processo de institucionalização de uma política voltada para o cerceamento das entidades LGBTI no intuito de extinguir o controle social que essas entidades vinham realizando.

Sem um conselho de representação social, as entidades, movimentos, redes e organizações passaram a ter dificuldades no acesso às políticas públicas e, ao mesmo tempo, perderam o canal de diálogo com o governo federal.

Além dessa ação institucional, ministros do governo e o próprio presidente Jair Bolsonaro manifestam publicamente em redes sociais e nos meios de comunicação seus posicionamentos machistas, preconceituosos, contrários às necessidades das pessoas LGBTI.

Percebe-se a intenção clara de não permitir que esses sujeitos sociais possam se expressar. Suas vozes devem ser silenciadas, seu protagonismo apagado para constituir uma pseudo harmonia e criar uma falsa percepção em relação aos problemas e desafios a serem enfrentados.

Soma-se a essa situação um mecanismo de opressão muito sutil e, ao mesmo tempo, mais efetivo adotado no período de pandemia: a disputa de narrativa.

Sob a égide da pandemia, narrativas oficiais foram elaboradas a partir de mentiras, desinformação, dados incompletos ou inconclusos na forma de notícias falsas/mentirosas ou como são mais conhecidas “fake news”.

Se de um lado, constata-se a escolha institucional da gestão federal em silenciar toda e qualquer possibilidade de discordância ou crítica ao governo, de outro, o parlamento brasileiro segue na defesa intransigente e cega da pauta de costumes com ênfase numa moral conservadora e excludente.

Os pontos aqui apresentados tornaram-se cenário propício para que a proteção social experimentada nas diversas áreas como saúde, educação, segurança pública, moradia, emprego e renda, acesso aos serviços públicos fossem enfraquecidas e, como consequência, abriram espaço para a consolidação da violência institucional e política como ferramenta governamental de repressão e intimidação.

Diante de um cenário tão assustador e opressor é possível falar de orgulho?

A resposta a essa pergunta pode ser dada por meio do evento que marcou o surgimento da organização de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais em todo o mundo: o levante de Stonewall.

Em diferentes períodos históricos, quando o caos parecia dominar a realidade, a força de resistência e a esperança da vitória aparecem de situações extremas.

Assim aconteceu em 28 de junho de 1969, quando lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais enfrentaram e lutaram com a polícia na defesa do direito de existir.

A lição de esperança, de resistência e de luta foi preservada e deve servir de farol a indicar o caminho para vencermos esse período sombrio em que vivemos no Brasil.

O desafio diante de nós se refere a seguinte questão: teremos coragem e ousadia para vencermos a barbárie ou seremos arrastados para um período mais cruel e irracional?

A exigência para uma vitória civilizatória reside justamente nas vivencias de cada um. Essa é a mola propulsora para transformarmos nossa indignação e inconformismo em força de ação em favor da coletividade.

A vitória não acontecerá sem nosso esforço.

Nunca foi tão urgente e necessário experimentarmos novamente a lição de Stonewall, que foi capaz de resgatar o espírito mobilizador e transformador das pessoas, numa aglutinação provocadora de mudanças estruturais na sociedade.

Ocupar as ruas mais que um direito é um dever para honrar a luta das lutadoras e lutadores que nos antecederam.

Contra a barbárie e o fascismo do século 21 a força popular é a resposta.

Que o Levante de Stonewall nos inspire a reconquistar a democracia em todo o mundo e, em especial, aqui no Brasil.