Conspiração na Bolívia

O mesmo processo ocorreu nas eleições bolivianas de 2019, mas com um final diferente. Lá, houve um golpe contra a democracia. O então presidente reeleito, Evo Morales, teve que renunciar em novembro e buscar exílio político no México e na Argentina, após a Forças Armadas “sugerirem” que ele deixasse o cargo, em razão de ataques violentos patrocinados por milícias, com a cumplicidade da polícia, no esforço de vender uma suposta fraude eleitoral.

“Conspiram contra a democracia. Tenho obrigação de buscar a paz”, disse Evo Morales, na época, destacando que a saída tinha como propósito a pacificação do país.  Na ocasião, o então vice-presidente Álvaro Garcia Linera, a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, e o presidente da Câmara, Víctor Borda, também renunciaram sob a promessa da realização de novas eleições presidenciais.

Mas o caminho das urnas só viria a acontecer em outubro de 2020, uma vez que a ex-senadora de extrema direita Jeanine Áñez efetivou o golpe e proclamou-se presidente interina da Bolívia. Ela nunca esteve na linha sucessória, mas promoveu uma manobra para dar aparência de legalidade ao golpe, em uma sessão legislativa sem que houvesse sequer quórum qualificado.

O processo de desestabilização das eleições bolivianas contou com a escandalosa participação das Organização dos Estados Americanos (OEA), que publicou um relatório apontando a ocorrência de fraude nas eleições de Evo Morales. Esse relatório foi uma das “principais evidências” usadas pela extrema direita boliviana para aplicar o golpe em 2019.

Acontece que diversos estudos posteriores comprovaram que a OEA manipulou dados para acusar fraude na eleição da Bolívia. Tantos cientistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), quanto um extenso estudo publicado pelo Centro de Investigação em Economia e Política (CPER), ambos nos EUA, comprovaram a distorção dos dados nas eleições.

O estudo da CPER é enfático ao declarar que a OEA contribuiu para a falsa narrativa de que houve fraude nas eleições bolivianas. “O relatório final apresenta informações contraditórias em relação à Transmissão de Resultados Eleitorais Preliminares”, aponta. Além disso, o estudo afirma que a OEA ignorou o fato de que a auditoria Ethical Hacking, contratada pela própria organização, analisou os dados retidos na ocasião das eleições e determinou que os votos não haviam sido manipulados.

Em outubro do ano passado, o povo boliviano pode finalmente voltar as urnas e elegeu a chapa do MAS, composta por Luis Arce e David Choquehuanca, para presidente e vice-presidente. O partido ampliou sua votação e teve desempenho similar a primeira eleição de Evo Morales, em 2005, quando ele recebeu 55,4% dos votos. Arce ganhou a disputa de 2020 com 55,1% da preferência dos bolivianos, um crescimento de oito pontos percentuais em relação à eleição de 2019, que resultou no golpe contra a democracia boliviana.

Com a vitória de Arce, Evo Morales, impedido de disputar as eleições, pode retornar à Bolívia em uma grande festa popular. A golpista Jeanine Áñez foi presa em março deste ano e responde pelos crimes de conspiração, sedição e terrorismo. E agora, estão sendo revelados uma articulação golpista para contratação de mercenários americanos. Além disso, ela é acusada de ter desviado US$ 1,2 milhão. Añez foi presa.