Na aparência, a economia brasileira começou a trilhar um rumo de recuperação após a profunda recessão de 2020, provocada pelos efeitos devastadores da pandemia da Covid-19 na economia doméstica e global. Na realidade, estamos atrasados: enquanto outros países já estão promovendo a chamada “reabertura” de sua economia, ampliando os horizontes e encaminhando uma recuperação vigorosa e sustentada, o Brasil vive uma terceira onda de Covid devido ao descaso do governo no combate a pandemia, o que impõe uma série de dúvidas e restrições ao percurso da economia nos próximos meses.

Ainda mais grave que o atraso e as incertezas, são as características dessa recuperação. Talvez sua principal marca seja a da desigualdade, que se expressa do ponto de vista setorial (com alguns setores se recuperando em ritmo mais veloz que outros), regional e de renda. É o que alguns economistas tem chamado de “recuperação em K”, onde a partir de um patamar rebaixado de atividade e emprego, alguns setores e atores econômicos se recuperam rapidamente, lembrando a tão propalada recuperação em V, e outros ficam para trás, vendo seus rendimentos diminuídos.

Alguns indicadores demonstram claramente o que estamos falando. Enquanto o lucro das empresas de capital aberto cresceu 245% em relação ao mesmo período de 2020, marcado pela recessão devido a primeira onda da Covid, a renda das famílias apresenta queda de cerca de 10% no mesmo período. O aumento da pobreza fez com que a miséria alcançasse novo recorde, atingindo 14,5 milhões de famílias.

Enquanto isso, a inflação para baixa renda se aproximando de 9% no acumulado de 12 meses, o desemprego e o desalento batem recorde e a o endividamento das famílias voltou aos patamares do pior momento da crise de 2016. Todos esse elementos somados explicam o expressivo aumento da desigualdade de renda neste início de ano, que se expressa em um aumento do índice de Gini das rendas efetivas do trabalho de 0,642 para 0,674 entre o início da pandemia e o momento atual.

Parte do otimismo dos analistas repousa sobre os mais recentes indicadores de atividade, em particular o PIB do primeiro trimestre, que veio acima do esperado. Apesar de positivo, a composição do resultado evidencia as dificuldades da recuperação pós-Covid. O consumo das famílias recuou e o setor de serviços ainda se encontra abaixo do volume de antes da pandemia. O consumo do governo também se retraiu em um momento de profunda recessão, demonstrando a incapacidade do governo de fazer frente a pandemia.

O aumento do investimento se deveu ao efeito puramente contábil da importação de plataformas de petróleo (construídas no passado) e do acumulo de estoques agropecuários e metálicos. As importações cresceram fortemente (11,6%), em grande medida pela contabilização da importação das plataformas de petróleo, não indicando necessariamente uma recuperação do consumo e do investimento “novo”. As exportações também avançaram, mas bem menos (3,7%), na esteira do aumento da demanda externa e do preço das commodities, além da boa safra agrícola.

Pela ótica da oferta, o setor de serviços segue em dificuldades, tendo crescido apenas 0,4% e ainda apresentando retração (-0,8%) frente ao mesmo trimestre de 2020. Isso se deve em grande medida ao isolamento social e a retração da renda das famílias. A indústria cresceu 0,7% na comparação com o trimestre anterior, puxada principalmente pela indústria extrativa (3,2%) e pelo setor de construção (2,1%).

Apesar disso, a nova Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física (PIM-PF) indica forte queda da produção industrial em abril e o aumento de juros deve afetar negativamente o setor de construção civil residencial e comercial, que vinham atravessando um “boom” devido as taxas de juros em patamares historicamente reduzidos. A agropecuária é certamente o maior destaque, com crescimento de 5,7%, na esteira da safra recorde de soja (indicando também aumento da produtividade no setor). Com esse resultado, o peso do setor agrícola cresceu e cada vez mais nos tornamos uma espécie de país agroexportador.

Em suma, o crescimento superou as expectativas (que eram em média de 0,8%), mas apresenta uma composição preocupante. Apesar disso, devido ao carregamento estatístico de 2020 (próximo a 3,6%) e ao crescimento do primeiro trimestre, mesmo que a economia fique estagnada no restante do ano, o crescimento ao final de 2021 deverá ser próximo de 5%.

O número basicamente recupera o que foi perdido em 2020 e, apesar de garantir um discurso otimista para o governo, não representa uma trajetória de crescimento sustentável e deve afetar muito parcialmente o mercado de trabalho. As previsões para 2022 são de baixo crescimento (2,25%), tanto devido a fraqueza do mercado interno, quanto devido a reversão do carregamento estatístico para o próximo ano.

Puxado pelo setor extrativista e pela exportação de commodities, a economia brasileira dificilmente atravessará um período sustentado de recuperação. Mesmo que o faça, a marca desse tipo de recuperação será a volatilidade, dada a dependência do preço das commodities) e a crescente desigualdade, que já está sendo nitidamente percebida nos indicadores atuais. É uma recuperação frágil e concentradora, reafirmando que no Brasil o velho bordão da canção popular segue sendo válido: “O de cima sobe e o de baixo desce”.