A prática da Velha República
Como na época dos coronéis e no melhor estilo do governo, Arthur Lira vai tratorando na Câmara, sem dar satisfações a ninguém e tentando impor as vontades do Planalto. Ele encampou mudança no regimento interno que restringiu atuação da oposição e prioriza pautas que retiram direitos do povo
Com os olhos da opinião pública voltados para a CPI da Pandemia no Senado, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem aproveitado para aprovar uma série de retrocessos. Ele tem colocado em prática a estratégia eternizada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião com o presidente Jair Bolsonaro em 22 de abril de 2020 e tornada pública pelo Supremo Tribunal Federal. Está passando a boiada, de maneira solerte e à sorrelfa, como se o país estivesse ainda nos tempos da República Velha, nos anos 30 do século 20. Uma vergonha.
No meio de maio, Lira liderou a aprovação de um projeto de resolução que mudou o regimento interno da Câmara e limitou a capacidade de atuação da oposição. O texto revogou dispositivos que tratavam da prorrogação da sessão e o tempo de fala de deputados na discussão de projetos, entre outros absurdos. Com isso, a oposição e as minorias ficaram limitadas no uso de ferramentas que criavam obstáculos em votações.
A deputa federal Erika Kokay (PT-DF) criticou a alteração. “A Câmara já vive um momento extremamente grave”, lamentou, sobre a votação acelerada de propostas complexas. “É um conceito do arbítrio, de impedir a discussão e o contraditório e de impor a vontade do presidente da República, destruindo o próprio poder legislativo”, adverte.
“A oposição, que, nesta quadra, é minoritária — nós somos cerca de 130 [deputados] —, tem o direito de ter voz. E esta foi a promessa do presidente eleito: dar voz aos deputados. Então, de fato, não é algo que me pareça mantenedor da estrutura democrática e de participação coletiva mudar o regimento à esta altura”, criticou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).
Lira também esteve à frente do processo de aprovação da privatização da Eletrobrás. A matéria teve uma tramitação acelerada e foi aprovada no plenário da Câmara, no fim de maio, sem passar por avaliação de nenhuma comissão e sem ser tema sequer de um debate em qualquer audiência pública. Na ocasião, deputados da oposição denunciaram o atropelo na pauta, que teve aprovação em apenas 23h.
“Vamos votar, no seco, aqui, uma medida provisória para entregar a empresa que é patrimônio do povo brasileiro à iniciativa privada. Por que a pressa?”, questionou a presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR). “A Eletrobras dá lucro. Nos últimos três anos, foram R$ 30 bilhões de lucro e R$ 15 bilhões de reserva. Por que o governo não tomou a decisão de fazer investimento?”, indagou a deputada.
Além disso, o presidente da Câmara instalou uma comissão parlamentar para debater a volta do voto impresso, outro ponto da agenda bolsonarista. A comissão atende a um pedido direto de Bolsonaro, que tem criticado publicamente as urnas eletrônicas para deslegitimar o processo eleitoral brasileiro. Sem apresentar qualquer prova ou indício, o presidente da República costuma afirmar que foi eleito em primeiro turno nas eleições presidências de 2018 e que as eleições de 2022 serão fraudulentas, se não houver o voto impresso.
Outra frente de atuação de Lira tem sido a aceleração da proposta de emenda à Constituição que institui o chamado Distritão para eleição de deputados. A alteração estabelece que serão eleitos os primeiros de uma lista, fortalecendo o personalismo em detrimento dos partidos políticos. A discussão sobre o Distritão está ocorrendo em uma comissão especial, mas Lira tem articulado para encurtar o debate e acelerar a votação em plenário antes do recesso parlamentar de julho.
Os próximos capítulos do avanço da boiada neoliberal na Câmara são as propostas de reforma administrativa, que retira direitos e esvazia o setor público, mantendo privilégios de militares, juízes e outras categorias, e a reforma tributária, que deve ser fatiada. Lira já se comprometeu a dar prioridade no andamento dessas pautas.
De acordo com denúncia do Estadão, o presidente da Câmara foi um dos parlamentares que teve acesso aos R$ 3 bilhões do orçamento secreto do Ministério do Desenvolvimento Regional para contemplar bases e aliados. Em 2020, Lira pode encaminhar R$ 114,6 milhões para obras e compras de máquinas, de acordo com interesses próprios. O deputado tem declarado que esse valor seria restrito às emendas individuais impositivas, àquelas que todos os congressistas têm o direito de direcionar livremente por ano. Um engano. Só é tolo quem não quer enxergar o óbvio: a Câmara joga contra os interesses da sociedade nacional.