O escritor alagoano Graciliano Ramos percorreu na literatura de língua portuguesa e brasileira uma escalada singular. Descoberto como escritor ainda vivendo em Alagoas, conseguiu penetrar nos grandes centros de outrora, Rio-São Paulo, sem precisar vir se estabelecer como morador.

Já tendo publicado o seu romance Caetés, em 1932, e a magistral obra São Bernardo, transformado em filme no início da década de 1970 pelo cinemanovista Leon Hirszman (1937 a 1987), além de crônicas e contos para jornais do Rio e de Maceió, Graciliano nos brinda em seguida com o romance Angústia, consolidando a carreira daquele que é reconhecido como o grande expoente do realismo brasileiro. O nosso Tolstói, na visão de alguns críticos e acadêmicos.

Depois de um curto período no Rio de Janeiro, onde trabalhou de revisor no antigo Correio da Manhã, volta para Alagoas por causa de uma tragédia familiar. O regresso à província e os afazeres familiares o afastam durante cinco anos das letras. Neste período, mais especificamente em 1928, é eleito prefeito de Palmeira dos Índios, cargo que exerce por dois anos, renunciando em 1930.

Nomeado diretor da Imprensa Oficial de Alagoas, em seguida à renúncia da prefeitura, o inquieto Graça pede demissão do cargo, meses depois. Em 1933, é nomeado diretor de Instrução Pública, o equivalente hoje a secretário de Educação. É entre essa série de idas e vindas que nasce Angústia.

Publicado em 1936, no período em que foi acusado injustamente de comunista – Graciliano só viria a realmente se filiar ao partido, pelas mãos de Luiz Carlos Prestes, em 1945 – o autor estava preso pela ditadura do Estado Novo na Colônia Dois Rios, na Ilha Grande.

“Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo adiante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho a impressão de que se acham ali pessoas exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se”.

A forma seca e amargurada de Luís da Silva, em torno de quem é costurada a estória, deixa-nos com a sensação que o personagem é uma espécie de alter-ego do autor. Graciliano era conhecido pela economia de palavras e a pouca expansividade no trato com as pessoas.

Observador angular das formas e costumes das gentes da região, Graciliano consegue, com a maestria que lhe é peculiar, estar ao mesmo tempo interpretando o ser e a consciência do agrestino-sertanejo brasileiro, um campônio português ou italiano, ou um mujique nas estepes russas. O que garante o caráter universal da obra.

“Era, pois, na repartição que eu obtinha algum sossego. As imagens que me atormentavam na rua surgiam desbotadas, espaçadas e incompletas. O ambiente era impróprio à vida intensa que eles tinham lá fora”.

As impressões de Luís da Silva, um servidor público como Graciliano, exprimem com exatidão milimétrica a angústia que o atormenta de forma quase permanente. Completando 85 anos de seu lançamento pela José Olympio Editora, o romance ao longo de suas mais de 300 páginas traça um panorama do indivíduo em seu contexto, cujo ambiente, apesar de ser no início dos anos 30, parece cada vez mais atual.

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