Conversa de Bolsonaro com premiê indiano escancara o tráfico de influência dentro do Palácio da Alvorada. Presidente pediu ao primeiro-ministro para liberar insumos a empresários donos dos laboratórios EMS e Apsen, que produzem cloroquina. Senador Rogério Carvalho (PT-PE) apresenta denúncia à PGR

 

Um flagrante de tráfico de influência foi detectado no Palácio da Alvorada, com o presidente Jair Bolsonaro em plena atividade para beneficiar empresários amigos da família. Documentos repassados pelo Itamaraty à CPI da Covid confirmam o que antes era apenas uma suspeita: a pandemia tornou-se um negócio lucrativo que ajuda a financiar o bolsonarismo.

Na quinta-feira, 10, O Globo divulgou a conversa entre Bolsonaro e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, ocorrida em 4 de abril de 2020, na qual o brasileiro pediu que o parceiro dos BRICS liberasse a exportação de insumos para que empresas nacionais pudessem produzir a hidroxicloroquina. O que acabou acontecendo cinco dias depois.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) denunciou à Procuradoria Geral da República o presidente por “tráfico de influência”. “São provas graves de que ele [o presidente] agiu para favorecer empresas, enganar o Brasil com a cloroquina, ignorar a vacina e promover imunidade de rebanho, com contaminação dos brasileiros ao vírus”, criticou o senador, que integra a CPI.

No telefonema de Bolsonaro a Modi, ocorrido há mais de um ano, o presidente cita nominalmente duas companhias que foram beneficiadas pela Índia: EMS e Aspen. Ambas são comandadas por empresários com relações com o bolsonarismo. O presidente da Apsen, Renato Spallicci, é um apoiador da família. Ele não apenas declarou voto no presidente em 2018, como tem várias postagens nas redes sociais com ataques a adversários do governo. Ou seja, é bolsonarista convicto. Spallicci foi convocado a prestar depoimento na CPI.

O CEO da EMS, Carlos Sanchez, é outro bolsonarista de carteirinha. Ele já foi recebido pelo presidente para reuniões no Palácio do Planalto e participou de jantar com empresários realizado em São Paulo no qual Bolsonaro foi ovacionado, há dois meses, num encontro organizado com a fina flor do empresariado aliado do governo e do ministro da Fazenda, o ultraliberal Paulo Guedes.

“Cloroquina é eficaz mesmo para o bolso de quem tá ganhando milhões com a sua venda no Brasil. E a CPI da Covid vai rastrear esse caminho milionário”, anunciou o senador Humberto Costa (PT-PE). Entre março de 2020 e março de 2021, as farmácias brasileiras venderam 52 milhões de comprimidos das drogas propagandeadas pelo presidente da República. Só a hiroxicloroquina vendeu 32 milhões de cápsulas.

Enquanto insistia na compra de medicamento ineficaz para o tratamento inexistente aos doentes pela Covid, o governo continuou no ano passado a fazer corpo mole para a oferta de vacinas. Um novo documento em poder da CPI mostra que a Pfizer procurou a Embaixada do Brasil nos EUA, no ano passado, cobrando uma resposta sobre a oferta do imunizante. A farmacêutica se reuniu com diplomatas em agosto, em Washington, para falar dos riscos de o país não responder à oferta.

Ainda na quinta-feira, 10, diante do flagrante de tráfico de influência executado criminosamente a partir do Palácio da Alvorada, conforme revelou O Globo, o presidente anunciou que pediu ao Ministério da Saúde um parecer para tornar não obrigatório o uso de máscaras por quem já teve Covid. A medida é considerada temerária e insana, de acordo com infectologistas, porque representa uma ameaça à saúde pública.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), viu a iniciativa como mais uma manobra diversionista do presidente, na tentativa de lançar nova cortina de fumaça para distrair a opinião pública. “Logo que foi descoberta sua atividade de lobista de cloroquina, o presidente muda o assunto e declara guerra à máscara”, observa Renan. “Quer o Brasil exposto ao vírus. Temos um Jim Jones na Presidência. A diferença é que o louco americano induziu ao suicídio e o brasileiro quer o assassinato em massa”, alfineta. •

 

 

Pazuello na mira da CPI

 

Comissão quebra o sigilo do general, de Ernesto Araújo e integrantes do “Gabinete das Sombras”, além de auditor do TCU suspeito de fraude

 

 

A CPI continua avançando na busca de provas que permitam apontar as responsabilidades pela condução da pandemia, que já vitimou 485 mil brasileiros. Os senadores aprovaram na quinta-feira, 10, a quebra de sigilo telefônico e telemático dos ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e de integrantes do chamado “Gabinete das Sombras’, estrutura de aconselhamento do Palácio do Planalto quanto à pandemia e na defesa de teses negacionistas.

As quebras de sigilo permitirão acesso ao registros de conversas telefônicas, conteúdos de mensagens, histórico de pesquisas na internet e eventualmente à localização. Os requerimentos preveem a quebra dos sigilos de abril de 2020 até agora.

Também teve o sigilo quebrado o auditor Alexandre Figueiredo Costa e Silva, do Tribunal de Contas da União (TCU). O servidor elaborou um relatório fraudulento apontando supernotificação nos dados de mortes por Covid. O documento foi citado por Bolsonaro, que foi desmentido pelo TCU e depois se retratou.

Os senadores querem promover uma devassa no que chamam de “gabinete paralelo”, também por meio das quebras de sigilo permitirão deixar clara a articulação do grupo. Um dos sigilos quebrados é o do médico Paolo Zanotto, que aparece em vídeo com Bolsonaro, defendendo a criação de um “gabinete das sombras”.

Também teve sigilo quebrado o empresário bilionário Carlos Wizard, considerado próximo a Bolsonaro e que se tornou também um dos principais conselheiros de Pazuello. Alvo do Ministério Público Federal por ter feito um gesto considerado racista, Filipe Martins, assessor internacional da Presidência da República, é outro personagem ligado ao paralelo que terá o sigilo quebrado.

Os membros da CPI também aprovaram requerimento que prevê a quebra de sigilos telefônico e telemático da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro.

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