Em 6 de junho, será realizado o segundo turno das eleições presidenciais no Peru. Disputam o pleito dois candidatos opostos em tudo: o professor Pedro Castillo, do Partido Peru Libre, e Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, do Partido Fuerza Popular.

O Peru é um país que vive uma crise multidimensional muito grave: econômica, política e social. No final da década de 80, em uma crise parecida com essa, a eleição de Alberto Fujimori em 1990 impôs ao país uma saída neoliberal autoritária marcada pela corrupção, que terminou por levar aquele país a um processo intenso de desnacionalização, privatização, aumento da pobreza, desemprego, desigualdade e todos os males do ideário neoliberal.

Keiko Fujimori, sua filha, atuava então como primeira dama do governo. Fujimori se manteve no poder inclusive por meio de golpe militar. Os governos que se seguiram não conseguiram mudar o quadro.

A pandemia do Coronavírus só fez intensificar todas essas mazelas e, em 11 de abril, realizou-se o primeiro turno que mostrou um quadro fragmentado e uma disputa bastante acirrada. Ao final da primeira rodada, em inesperado resultado, o professor Pedro Castillo saiu vitorioso com mais de 19% dos votos, seguido por Keiko Fujimori, com 13,3%.

De perfil de esquerda, Castilho é um professor do ensino básico, tornou-se nacionalmente conhecido por ter liderado uma forte greve nacional da educação em 2017,  vem do interior do país e fazia parte das chamadas “rondas campesinas”, uma forma de organização local para combater os crimes que ocorriam nas zonas rurais do Peru.

Sua campanha no primeiro turno foi marcada por forte combate ao neoliberalismo, ao que ele denomina “neocolonialismo” dos tempos atuais, e defende um novo pacto constitucional, já que a atual Constituição foi promulgada à época de Fujimori. Tem uma profunda identidade com o povo pobre do interior do país, e seu resultado no primeiro turno é devido a uma expressiva votação deste segmento social.

Keiko Fujimori, ao contrário, tem um perfil de extrema direita. Profundamente identificada com o ideário neoliberal autoritário representado por seu pai Alberto Fujimori, disputa a eleição inclusive sob liberdade provisória devido a um processo criminal por corrupção. Recentemente, defendeu as estimadas 300 mil esterilizações forçadas realizadas durante o governo de Alberto Fujimori, especialmente de mulheres indígenas e camponesas, alegando que seriam parte de “plano de planejamento familiar”.

A disputa do segundo turno vem se caracterizando por alto grau de acirramento. Castillo vem logrando ampliar apoios junto à centro esquerda, tendo assinado um importante pacto político com Veronika Mendoza, do Partido Nuevo Peru e que liderou a coalizão Juntos por El Peru, onde obteve 8% dos votos.

Esse pacto aponta para cinco questões fundamentais: vacinação universal contra a Covid-19, reativação da economia com mais investimentos públicos em infraestrutura, nas pequenas e médias empresas e pequenos agricultores, combatendo a fome e o desemprego, realização de um referendo popular sobre nova Constituição para o país, luta contra a corrupção e defesa dos órgãos constitucionais de controle público.

As últimas pesquisas eleitorais vem apontando um crescimento da distancia entre Pedro Castillo e Keiko Fujimori, de cerca de 10% de vantagem para o primeiro. De parte da campanha de Keiko Fujimori, frente a esses números, vem sendo usadas as velhas táticas da extrema direita como fake news, o “fantasma do comunismo”, sugestão de fraude eleitoral, dentre outros mecanismos conhecidos.

Mais grave ainda, suspeita-se que um massacre em que morreram cerca de 16 pessoas, ocorrido na região remota de San Miguel del Ene, há duas semanas, seja tática de associar a matança ao “terrorismo” representado pela candidatura de Castillo.

 

A disputa vem se caracterizando por alto grau de acirramento. mas Castillo vem logrando ampliar apoios junto à centro esquerda

 

 

Em artigo denominado “Um massacre no Peru quando o fujimorismo perde nas pesquisas eleitorais”, publicado no Público, a diretora-adjunta Esther Rebollo aponta para estranhas coincidências. Para a autora, “o massacre, que pode responder a um acerto de contas em uma área altamente perigosa e permeada por máfias do narcotráfico, ocorre um dia depois de conhecidas as últimas pesquisas eleitorais, que deram uma vitória contundente ao professor Pedro Castillo, do esquerdista Peru Libre, à frente de Keiko Fujimori, da ultra-conservadora e corrupta Força Popular”.

E continua, a partir de contato com o Centro de Pesquisa em Drogas e Direitos Humanos (CIDDH):  “Parece que a magnitude da preocupação com a vitória do professor Castillo é indicativa do número de mortes no massacre”, explica Hugo Cabieses de Lima, na tentativa de esclarecer o contexto de um massacre que supera qualquer evento que tenha ocorreu em muitos anos. Ele também envia vários alertas: nos últimos dias, os Fujimori têm insistido na ameaça do Senderista, eles colocaram o VRAEM [Valle de los Ríos Apurímac-Ene y Montana] no centro de sua campanha. Além disso, acrescenta Cabieses, é surpreendente que um analista ligado a Fujimori, Pedro Yaranga e o próprio Rospigliosi [assessor de Keiko para a área de segurança] tenha divulgado a notícia do massacre muito antes do Comando Conjunto das Forças Armadas”.

Diante desse quadro, as forças progressistas e de esquerda da América Latina vem se posicionando em favor de Pedro Castillo, por seu programa anti-neoliberal e popular, contra o retrocesso brutal que significaria a vitória de uma candidata como Keiko Fujimori. Esperemos que nesta verdadeira encruzilhada em que se encontra o povo peruano possa triunfar a democracia e os interesses populares através da vitória de Pedro Castillo.

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