Prioridade à educação foi uma constante nos 13 anos do PT no governo. Regida pela visão de que educação democrática e de qualidade é direito de todo cidadão e potencializa o acesso à cultura, a produção de ciência e tecnologia e o desenvolvimento do país, a política educacional foi transformada. Um novo padrão de financiamento foi construído, a cooperação federativa foi aprimorada e foi adotado um conjunto articulado e integrado de ações, para assegurar acesso, permanência e qualidade, desde a creche até a pós-graduação, conformando uma efetiva agenda instituinte do Sistema Nacional de Educação.

A partir do Golpe de 2016, com a derrubada de Dilma Rousseff por meio do impeachment sem crime de responsabilidade, todas as conquistas na educação foram atacadas. Algumas já foram destruídas, a partir de uma política voltada à entrega da educação pública às forças de mercado que disputam fundos públicos, reduzindo e comprometendo o financiamento à educação pública. As medidas ultraconservadoras do governo Bolsonaro visam a implantação de uma política educacional autoritária, que subtrai o direito dos estudantes ao conhecimento, fortalece preconceitos e a exclusão.

A emenda constitucional que congela os gastos públicos, a famigerada EC 95, aprovada apenas nove meses após o golpe, inviabilizou a continuidade da ampliação do financiamento à educação, diretriz dos governos do PT. Em apenas cinco anos, acumulam-se 6% de perdas reais. A perda deverá ser ainda maior, devido ao forte contingenciamento anunciado para 2021 por Bolsonaro.

Além dos efeitos imediatos sobre o orçamento do Ministério da Educação, o teto dos gastos tem impacto mortal sobre o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), aprovado no governo Dilma, sem quaisquer vetos. O congelamento dos investimentos inviabiliza o alcance da meta 20 do PNE, de elevar o investimento da educação para 10% do PIB até 2024.

Sem elevação no investimento em educação pactuado no plano, praticamente todas as demais metas estão comprometidas. Isto porque a universalização do acesso e a elevação da qualidade requerem a expansão e a melhoria da oferta pública e gratuita de educação, além da valorização dos profissionais do ensino. O teto dos gastos públicos inviabiliza o PNE e todo o esforço democrático e participativo mobilizado desde sua construção.

A redução continuada do orçamento do MEC coloca em xeque o apoio federal à educação básica. Mesmo com a aprovação do Fundeb Permanente em 2020, que ampliou a complementação devida a estados e municípios contra a vontade do Palácio do Planalto, os programas de fomento a estados e municípios foram brutalmente afetados. Estão neste grupo ações como o Dinheiro Direto na Escola, transporte escolar, alimentação escolar, Programa Nacional do Livro Didático, Programa de Ações Articuladas (Par), Brasil Carinhoso, entre outros.

O orçamento do Fundo Nacional para o Desenvolvimento para a Educação (FNDE), responsável pela execução desses programas, acumulou redução de 41% entre 2014 e 2021, o que será aprofundado com o contingenciamento para este ano. Cabe lembrar ainda que a queda nos investimentos federais na educação básica foi parcialmente amortecida pela alocação de emendas parlamentares, cuja execução tornou-se obrigatória. Apesar de esta estratégia diminuir o subfinanciamento, ela torna instáveis os recursos repassados para a educação básica e submete potencialmente sua execução a critérios clientelistas.

Vale lembrar ainda que programas como o Pronatec e o Ciências sem Fronteiras, que tantas oportunidades de formação profissional e desenvolvimento acadêmico ofereceram aos jovens brasileiros, foram extintos já a partir de 2016, sob o argumento de restrições fiscais.

 

Desvalorização dos profissionais da educação

Os governos Temer e Bolsonaro foram coerentes – não priorizaram a educação e não valorizam os profissionais da educação. Ameaças antidemocráticas, como a criação de canal de denúncia contra professores que atentem contra “a moral, a religião e a ética da família” e projetos como a Escola sem Partido tornaram-se usuais na guerra ideológica contra os profissionais da educação. E medidas objetivas resultaram em fragilização da relação de trabalho dos professores.

Em 2017, Temer sancionou a Lei da Terceirização (Lei 13.429), permitindo que setores público e privado possam terceirizar trabalhadores inclusive nas atividades fim das empresas. No sistema educacional, isso significa que as escolas não precisam mais manter vínculos celetistas com professores, podendo contratá-los como pessoa jurídica ou por meio de cooperativas.

Ademais, com a reforma trabalhista, contratos de trabalho intermitentes e em tempo parcial se disseminaram. Desde então, notícias e denúncias sobre demissão massivas em escolas privadas, com recontratação usando estes artifícios, têm crescido. No setor público, além de facilitar o processo de administração de escolas por organizações sociais, o preenchimento de cargos vagos por aposentadoria por meio destes contratos também começa a se tornar realidade.

Como contrapartida ao apoio a estados e municípios durante a pandemia, o governo Bolsonaro cobrou elevado preço dos servidores públicos, professores incluídos. Proibiu contratações, congelou salários, adicionais de tempo e benefícios dos servidores públicos até 31 de dezembro de 2021 (Lei Complementar 173/2020). No caso dos servidores federais, as regras restritivas foram criadas com a aprovação da Emenda Constitucional 109, de 2021, que proíbe contratações e aumento de remuneração quando as despesas do governo chegarem a 95%. Vale lembrar que essas medidas também são aplicáveis a estados e municípios.

O piso salarial nacional para os profissionais do magistério público também foi atacado. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha se pronunciado pela constitucionalidade da lei do piso, o governo Bolsonaro adotou um artifício que zerou o reajuste em 2021 – rebaixou o custo aluno per capita do Fundeb em 2020. Com isso, pela primeira vez desde sua instituição, o piso do magistério não teve reajuste, com prejuízos para a qualidade de vida dos profissionais e para o processo de valorização da remuneração dos professores.

Cabe destacar ainda que a proposta de reforma administrativa, caso venha a prosperar, impactará fortemente os serviços públicos de saúde e educação, áreas formadas majoritariamente por mulheres e com salários já bastante restritos. A educação é, ainda, uma área que luta pelo cumprimento de um piso mínimo que não chega a três salários mínimos (quando o desafio seria a equiparação salarial com outras categorias que exigem formação equivalente), sem falar nas péssimas condições de trabalho e reconhecimento social.

 

Contra reformas e retrocessos

A partir do golpe, houve uma escalada de medidas regressivas, autoritárias e excludentes. Uma verdadeira guerra ideológica contra a educação, na qual algumas medidas prosperaram e outras permanecem como ameaças à espera do momento político adequado para vingarem.

Em 2017, Temer patrocinou uma reforma no Ensino Médio (Lei 13.415) com uma concepção de educação básica totalmente distinta da inscrita no Plano Nacional de Educação. Embora tenha havido aumento da carga horária do ensino médio, a lei sancionada desvincula a formação técnica e profissional da educação básica, adotando cinco itinerários formativos que criam equivalências indevidas entre as áreas do conhecimento. Ademais, estes itinerários dificilmente serão oferecidos, uma vez que em quase 3 mil municípios (53% do total) possuem somente uma escola de ensino médio regular.

Ademais, a reforma permite que profissionais com notório saber, sem a devida formação, ministrem aulas de formação técnica e profissional. Desvalorizando as licenciaturas, a lei autoriza que profissionais graduados que tenham realizado complementação pedagógica ministrem aulas de disciplinas do ensino médio. Propicia também a formação técnica e profissional seja oferecida fora da rede pública, transferindo recursos públicos à oferta privada.

Em suma, uma reforma com baixo potencial de assegurar o direito ao ensino médio para os jovens, mas com alta probabilidade de precarizar e privatizar o processo de aprendizagem, visando, em verdade, atender os interesses do mercado. Um caminho muito distante da proposta de educação integral contida, até então, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o direito ao conhecimento científico, tecnológico, o acesso à filosofia e à arte.

 

A desestruturação do MEC

No segundo dia do governo Bolsonaro, foi realizada uma mudança na estrutura funcional do MEC (Decreto 9.665/2019), explicitando a diretriz de menos inclusão e mais ideologia que é marca da gestão do ministério desde então. Houve a extinção da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE) e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). Houve também a criação de uma Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, no âmbito da Secretaria de Educação Básica, com o objetivo de induzir a militarização das escolas.

Foi dado início também a uma sucessão de medidas para fomentar a perseguição aos educadores, orientada à caça a fantasmas como “marxismo cultural”, “ideologia de gênero”, “letramento”, entre outros. Exemplar deste tipo de ação foi a comissão instituída no INEP (Portaria 244/2019) para intervir na montagem das provas do ENEM, que resultou, por exemplo, na ausência de qualquer menção à população LGBTQI+ e à ditadura desde a implantação deste exame.

 

A militarização das escolas

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Decreto 10.004/2019) explicita a visão do governo Bolsonaro sobre o processo educacional – proposta pedagógica e curricular subordina à disciplina assegurada pela intervenção militar no ambiente escolar. Na prática, o programa consiste na contratação de militares da reserva das Forças Armadas, bem como de policiais e bombeiros militares, para que atuem “no apoio à gestão escolar e à gestão educacional”.

A proposta do governo Bolsonaro é implantar 216 escolas cívico-militares até 2023, selecionando 54 por ano, cabendo aos estados aderirem ao modelo. Cada escola receberia até R$ 1 milhão para implementar o projeto. Em 2020, 53 escolas foram selecionadas e apenas Espírito Santo, Piauí e Sergipe não aderiram ao programa. Em 2021, foram selecionadas 74 escolas e apenas Amazonas, Piauí, Roraima e Sergipe não aderiram ao programa.

Tal iniciativa, entretanto, abriu e ampliou o espaço para a implantação do modelo em vários estados, incluindo processos seletivos de acesso às matrículas, cobrança de mensalidades e taxas e recrutamento dos profissionais da educação, violando explicitamente os princípios de universalidade, gratuidade e de gestão democrática inscritos na Constituição Federal.

 

O apoio à educação domiciliar

Bolsonaro escolheu a regulamentação da educação domiciliar como uma das prioridades para seus 100 primeiros dias de mandato. Para isto, enviou projeto de lei à Câmara dos Deputados (PL 2.401/2019), sob a justificativa de que a educação domiciliar deve ser opção das famílias, concepção que sua base ideológica apoia, como parte do movimento de desescolarização. Trata-se de um projeto que abre caminho para que grandes grupos privados que atuam na área educacional apoiem as famílias, por exemplo com material didático.

O projeto também é omisso quanto à fiscalização do cumprimento de dias letivos e carga horária e quanto aos custos e tarefas da implantação da nova modalidade de ensino. Ancorado em uma concepção que desconsidera o direito inalienável da criança e do adolescente ao conhecimento por meio da educação, o PL 2.401/2019 é inconstitucional. Ele não avançou no Legislativo, mas persiste como uma ameaça ao sistema educacional brasileiro e ao direito das crianças e dos adolescentes.

Vale destacar que este projeto se soma aos vários que tramitam no Legislativo brasileiro regulando a chamada Escola sem Partido, com o propósito de cercear a liberdade de ensinar e de aprender, censurar materiais didáticos e criminalizar professores. Os dois projetos se irmanam na negação da escola como espaço plural e diverso de convivência e colaboração, fundamental à aprendizagem e à interação social. Comungam uma visão autoritária e excludente do processo formativo, coerente com a concepção de educação proposta por Bolsonaro.

 

A tentativa de desmonte da política de educação inclusiva

Em outubro de 2020, Bolsonaro editou o Decreto 10.502, criando a Política Nacional de Educação Especial. Esta medida criava incentivos técnicos e financeiros para a criação de salas e escolas especiais para crianças com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo, e superdotação. Ou seja, apoiava o retorno à política segregacionista em relação às crianças com deficiência.

Tratava-se de um imenso retrocesso em relação à política de educação inclusiva, criada em 2008, no governo Lula. O caráter discriminatório da medida foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, que suspendeu, em dezembro de 2020, os efeitos do decreto de Bolsonaro.

Vale lembrar que, o governo também atentou contra a educação das pessoas com deficiência ao permitir que, por falta de verbas, a TV INES saísse do ar. Tratava-se da única emissora do Brasil voltada para os surdos, transmitida por satélite e pelas redes sociais. A TV INES era referência entre a comunidade surda pelo conteúdo educativo e pela capacitação de professores e ensino à distância, fundamentais para ampliar a educação inclusiva.

 

O ataque continuado à rede federal de educação

Uma das marcas da política educacional dos governos do PT foi a expansão da rede federal de ensino, pesquisa e extensão, para democratizar o acesso ao ensino superior público e reduzir sua desigual distribuição no território nacional. Esta rede federal está sob ataque desde o golpe.

A autonomia universitária tem sido um dos alvos de Bolsonaro, que já editou duas medidas provisórias – as MPs 914/2019 e 979/2020 – com o propósito de alterar o processo de escolha de reitores. Ambas não prosperaram, sendo que a primeira perdeu validade por não ter sido voltada e a segunda, foi devolvida pelo Congresso. Apesar de não ter conseguido alterar o processo de escolha, em 40% das nomeações que realizou Bolsonaro não escolheu o primeiro da lista tríplice, desrespeitando a escolha da comunidade acadêmica, ao contrário da prática no período do PT.

Ressalte-se que, em abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou sobre o tema, ao julgar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pela OAB, afirmando ser constitucional a escolha de qualquer nome dentro da lista produzida pela comunidade acadêmica.

Um dos instrumentos deste ataque tem sido a redução de recursos para financiar esta rede. Até 2019, os gastos com pessoal ainda cresceram, devido a reajustes aprovados antes do governo Temer, a progressões na carreira e à substituição de aposentados. Em relação às despesas típicas de custeio (água, luz, internet, vigilância, limpeza, terceirizados, aquisição de material de consumo etc.) e aos investimentos na infraestrutura, o cenário é dramático já a partir do imediato pós-golpe.

No caso da rede de ensino superior, os recursos para despesas de custeio decresceram 39% em termos reais entre 2014 e a lei orçamentária de 2021, antes dos bloqueios anunciados em abril. Os recursos para investimento previstos para o ano corrente correspondem a 4% do que se investia em 2014 nas universidades federais. A situação dos institutos federais de educação tecnológica é crítica também – os recursos para custeio caíram 31% em termos reais e os investimentos em 2021 corresponderão a 1,4% do que se investia em 2014.

Esta estratégia, intensificada no governo Bolsonaro, implica sucatear a infraestrutura física e de laboratórios e comprometer o funcionamento cotidiano das instituições. Dois movimentos com um único propósito – criar condições para a privatização ou até mesmo o fechamento das universidades públicas, com impactos sobre o acesso da população ao ensino superior, à produção de ciência e à formação continuada de profissionais da educação básica.

Com o Future-se, o governo Bolsonaro buscou dar mais um passo para a reforma empresarial da educação. Com a justificativa de fortalecer a autonomia financeira das universidades e institutos federais de educação, o programa propõe contratos de gestão entre a União e as Instituições Federais de Ensino com Organizações Sociais (OS), além de medidas de fomento à captação de recursos próprios.

Apresentado em julho de 2019, o programa encontrou fortes resistências e a proposta foi submetida à consulta pública. Em 2020, o PL 3076 foi enviado ao Congresso, onde aguarda formação de comissão para apreciação conclusiva.

 

Interrupção do processo de inclusão no ensino superior

Expansão de vagas na rede federal, lei de cotas, Enem, SISU, ProUni e FIES foram políticas adotadas durante o período do PT para ampliar o acesso ao ensino superior. A partir do golpe este conjunto de ações se desequilibrou.

Em relação às universidades federais, o número de matrículas parou de crescer, devido às restrições orçamentárias enfrentadas por esta rede de ensino. No caso do FIES, as mudanças nas regras do programa implementadas no governo Temer tornaram o acesso ao financiamento muito mais restritivo, diminuindo fortemente a demanda.

No caso do ProUni, apesar de a oferta de bolsa não ter sido reduzida, os recursos para apoio à permanência dos estudantes em universidade foram, em 2020, 7% menores em termos reais que em 2015; em 2021, antes do bloqueio, o orçamento do Programa de Assistência ao Estudante do Ensino Superior é praticamente o mesmo de 2015.

Em decorrência, o acesso crescente de estudantes ao ensino superior desacelerou. Sem crescimento de vagas na rede pública e com a inserção no ensino privado dependendo cada vez mais de recursos próprios ou familiares, há, hoje, menos oportunidades para os jovens brasileiros, em especial os de baixa renda.