Aplicativo de empresa israelense permite invadir celulares e computadores sem indicar responsável pelo acesso. Filho do presidente teria convencido ministro da Justiça, Anderson Torres, a adquirir software por 12 meses em pleno ano eleitoral

 

O filho do presidente Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), conhecido como ZeroDois, interferiu em um processo de licitação do governo federal para ter controle sobre uma ferramenta de espionagem. Denominado Pegasus, o sistema possibilita a invasão de celulares e computadores sem indicar o responsável pelo acesso. A denúncia foi publicado pelo UOL.

A licitação é orçada em R$ 25,4 milhões e tem o objetivo de contratar o programa de espionagem Pegasus, desenvolvido pela empresa israelense NSO Group. O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) anunciou que vai pedir a convocação do filho do presidente para prestar esclarecimentos na Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados.

Desenvolvido e vendido pelo NSO Group, com sede em Herzlia, em Israel, e que é parte de um grupo de private equity sediado no Reino Unido chamado Novalpina Capital, o Pegasus foi projetado para se infiltrar em telefones e começar a transmitir a localização do proprietário, seu código criptografado chats, planos de viagem – e até mesmo as vozes de pessoas que os proprietários conheceram – para servidores em todo o mundo.

O jornal inglês Financial Times denunciou em outubro de 2019, que a NSO desenvolveu um novo método ao transformar uma vulnerabilidade no WhatsApp, usada por 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo, para entregar o Pegasus de forma completamente sub-reptícia. O usuário nem mesmo precisa atender o telefone, mas, uma vez entregue, o software instantaneamente utiliza falhas no sistema operacional do dispositivo para transformá-lo em uma ferramenta secreta de escuta.

A ação do filho do presidente da República tirou o GSI e a Agência Brasileira de Informações (Abin) das negociações, órgãos que seriam diretamente beneficiados com a ferramenta. Nos bastidores, a ideia é de que Carlos Bolsonaro tenta diminuir o poder dos militares no governo.

O UOL informa que a contratação daria direito a 249 licenças para uso do programa. Dessas, Carlos teria controle sobre 155, por meio de Anderson Torres. Chama a atenção o fato de que a licença de uso seria por 12 meses e de que o processo de licitação ocorre no ano anterior às próximas eleições gerais no Brasil.

O Ministério da Justiça negou que o Edital de Licitação 03/21 tenha o objetivo de adquirir o Pegasus. A pasta é desmentida pelas fontes da reportagem e pelo fato de que uma das empresas que apresentaram oferta, no valor de mais de R$ 60 milhões, é uma representante brasileira da empresa israelense NSO Group, dona do Pegasus.

Também de acordo com o site, Carlos Bolsonaro trava uma disputa pelo controle de ferramentas de espionagem com a cúpula militar do país. “Em junho de 2019, em uma reunião sigilosa no Quartel-General do Exército, uma outra ferramenta, concorrente do Pegasus, foi apresentada a sete generais. (…) O encontro confidencial, porém, foi descoberto por Carlos Bolsonaro. Sete dias depois, o general Santos Cruz (então ministro da Secretaria de Governo) foi exonerado”, lembrou o UOL. •

 

Aplicativo é alvo de suspeita de ciberespionagem em vários países

 

O software espião feito em Israel que está no centro da crise envolvendo Carlos Bolsonaro, chamado Pegasus, está envolto em polêmicas e é apontado como responsável por espionagem em diversos países. O polêmico programa foi desenvolvido pela empresa israelense NSO Group. Descoberto em 2016, o spyware é vendido como uma ferramenta para coibir a ação de criminosos e terroristas. Mas nos últimos anos, governos de países como México, Ruanda, Índia e Arábia Saudita foram pegos usando a tecnologia para invadir celulares e monitorar conversas de opositores políticos.

Semelhante a um vírus, o Pegasus permite rastrear em segredo todas as atividades da pessoa que teve o aparelho infectado. Desde mensagens enviadas e digitadas até informações de acesso a contas bancárias, redes sociais e email. Também é possível usá-lo para ativar remotamente o microfone do celular espionado para ouvir ligações e tirar fotos com a câmera, além de acessar a localização e monitorar os sites navegados com o tempo de acesso em cada um deles.

O programa faz tudo isso explorando uma série de falhas e brechas de segurança nos códigos do iOS, o sistema operacional dos iPhones, e no Android. Apple e Google já corrigiram muitas das falhas que permitem a espionagem do Pegasus, mas o software ainda se aproveita de aparelhos que não foram atualizados ou de novas brechas ainda não descobertas.

Pesquisadores classificam a NSO, desenvolvedora do programa, como uma revendedora de armas cibernéticas. A empresa tem autorização do governo de Israel para vender o sistema a outros países. Segundo o New York Times, o governo mexicano teria investido US$ 80 milhões entre 2011 e 2017 para usar o Pegasus.

Os celulares de opositores do então presidente Enrique Peña Nieto eram invadidos após o recebimento de mensagens de texto com um link que levava à instalação do spyware sem que a pessoa soubesse.

De acordo com o Financial Times, em 2019, o Citizen Lab da Universidade de Toronto, que estuda vigilância digital em todo o mundo e está trabalhando em parceria com o WhatsApp, começou a notificar jornalistas, ativistas de direitos humanos e outros membros da sociedade civil cujos telefones foram alvejados pelo spyware.