PF age contra Ricardo Salles, suspeito de corrupção e do envolvimento direto com o contrabando de madeira da Amazônia exportado ilegalmente para os Estados Unidos e Europa. PT pede ao Supremo o afastamento imediato do cargo

 

A flauta de Akuanduba, divindade justiceira dos índios araras, tocou alto na quarta-feira, 19 quando o chefe do Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles, acordou com a Polícia Federal promovendo uma devassa, cumprindo mandado de busca e apreensão em seu apartamento e na sede do órgão, na Esplanada dos Ministérios.

Ele é suspeito de envolvimento direto no esquema criminoso de venda ilegal de madeira derrubada da floresta amazônica para exportação aos mercados europeu e dos Estados Unidos. Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Bim – afastado do cargo por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes – e outros servidores públicos são investigados por crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando.

O PT protocolou notícia-crime no STF, pedindo o afastamento imediato de Ricardo Salles do comando do ministério, enquanto acontecem as investigações da Polícia Federal que apuram o envolvimento no esquema. A ação pede ainda que, a partir do afastamento, Salles seja proibido de manter contato com qualquer outro investigado pela PF no caso, sob pena de prisão. Salles foi denunciado ao Supremo pelo delegado da PF Alexandre Saraiva, então superintendente da Polícia Federal no Amazonas, afastado do cargo por decisão direta do presidente Jair Bolsonaro.

A bancada do PT na Câmara defende a instalação imediata de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as denúncias de omissões e crimes cometidos por Salles. “Diante da operação da PF, agora não tem volta: CPI já”, disse o líder Elvino Bohn Gass (RS). “A CPI é crucial para investigarmos uma gestão que fez tudo para destruir o meio ambiente em todos os biomas do país, sem falar das suspeitas de envolvimento de Salles com organizações criminosas que agem contra a natureza, povos indígenas e quilombolas”.

Deflagrada com base em informações da embaixada norte-americana no Brasil, a Operação Akuanduba investiga a exportação ilegal de madeira para Estados Unidos e Europa. Salles e seus subordinados são acusados de crimes contra a administração pública. Além deles, empresários do ramo madeireiro fazem parte da organização criminosa.

O ministro Alexandre de Moraes também decretou a suspensão imediata do Despacho 7036900/2020/GAB/IBAMA, emitido em fevereiro de 2020, que permitia a exportação de produtos florestais sem a necessidade de emissão de autorização. Indícios apontam que o documento, elaborado a pedido de empresas com cargas apreendidas no exterior, resultou na regularização de 8 mil cargas de madeira ilegal entre 2019 e 2020.

Naquele mês, Salles se reuniu com representantes da Confloresta e Aimex, além de um diretor da Tradelink Madeiras. Logo em seguida, houve o atendimento integral da demanda formulada pelas duas entidades, legalizando, inclusive com efeitos retroativos, milhares de cargas expedidas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020.

Em longo despacho de 63 páginas, Moraes detalhou trechos do ofício encaminhado pela embaixada americana à PF, segundo a qual a apuração teve início em janeiro de 2020. Na ocasião, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos (FWS) deteve para inspeção no Porto de Savannah, na Geórgia, três contêineres de madeira exportados do Brasil.

“Esta empreitada criminosa não apenas realiza o patrocínio do interesse privado de madeireiros e exportadores em prejuízo do interesse público, notadamente através da legalização e de forma retroativa de milhares de carregamentos de produtos florestais exportados em dissonância com as normas ambientais vigentes entre os anos de 2019 e 2020 mas, também, tem criado sérios obstáculos à ação fiscalizatória do Poder Público no trato das questões ambientais, com inegáveis prejuízos a toda a sociedade”, alega a PF em trecho reproduzido na decisão de Moraes.

Segundo o ministro, a investigação traz “fortes indícios de um encadeamento de condutas complexas”, da qual teriam participado autoridade com prerrogativa de foro, agentes públicos e pessoas jurídicas, “com o claro intuito de atribuir legalidade às madeiras de origem brasileira retidas pelas autoridades norte-americanas, a revelar que as investigações possuem reflexos transnacionais”.

A PF revelou ainda “movimentações suspeitas” nos negócios particulares de Salles. “A representação [da PF] aponta a possível existência de indícios de participação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em razão de comunicações ao COAF por operações suspeitas realizadas, também nos últimos anos, por intermédio do escritório de advocacia do qual o referido Ministro de Estado é sócio”, assinala o magistrado.

O Coaf vem sofrendo reveses desde 2019, quando foi transferido do Ministério da Justiça para o Banco Central. Há dez dias, Bolsonaro cortou a verba que seria destinada pelo órgão à modernização de seu principal instrumento de identificação de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. A decisão baseia-se em parte no relatório da Polícia Federal que partiu da declaração de Ricardo Salles sobre “passar a boiada”, na fatídica reunião ministerial de 22 abril de 2020.

Já há 100 assinaturas no pedido de CPI contra Salles protocolado no fim de abril pelos partidos de oposição. O documento foi assinado por membros de sete partidos — PT, PSB, PDT, Psol, PCdoB, Rede e PV — e pelos líderes da oposição. Segundo Bohn Gass, agora será agilizada a coleta de assinaturas para se chegar ao número necessário (171) para a instalação da CPI.

A CPI proposta tem cinco frentes de investigação: a denúncia de que Salles teria atuado em favor de madeireiras ilegais após apreensão histórica no Norte do país; o desmonte da fiscalização e omissão diante do desmatamento na Amazônia; conluio com garimpeiros ilegais que teria levado à suspensão da fiscalização; o uso de voo da Força Área Brasileira (FAB) para levar garimpeiros ilegais do Pará para reunião com o ministro em Brasília; e a omissão diante dos incêndios no Pantanal e do “dia do fogo”.