Por Márcia Tiburi *

 

Torna-se cada dia mais urgente compreender a continuidade entre o tipo de política que se desenvolveu ao longo de décadas no Rio de Janeiro e a política que se aplica ao Brasil como um todo desde 2018, ano decisivo no processo de redução da política à publicidade. Prova disso é que o projeto publicitário marcado por graves ilicitudes alcançou o poder político e o presidente que tomou posse em 2019 continua agindo como se estivesse em campanha. Isso não é por acaso. Vivemos sob a lógica publicitária essencial à troca de regime — da democracia para o autoritarismo — que vem sendo operada desde 2013 na forma de guerra indireta, midiática, psíquica e cultural. A violência em cena, faz parte disso.

Uma pergunta pode ser colocada em termos simples: como o milicianato – ou o que José Cláudio Alves (Dos Barões do Extermínio, Ed. Consequência, 2020) definiu como sendo “grupos de extermínio que vivem uma fase miliciana” – chegou ao poder? Através de métodos ilícitos hoje conhecidos, tais como o envio massivo de mensagens contendo fake news por WhatApp, para citar um exemplo básico.

Uma segunda pergunta é ainda mais simples: como esse governo se mantém no poder? Através do apoio dos poderes Legislativo, Judiciário e midiático que fingem não ver os crimes cometidos constantemente pelo presidente e seu governo. Claro, a ausência do povo nas ruas causa a impressão de que a maioria apoia o governo. Fato é que os mesmos grupos que depuseram Dilma Rousseff,  na maior armação política da história, seguem no poder evitando levar adiante processos de impeachment que se acumulam em dezenas.

A chacina que matou 29 pessoas na favela do Jacarezinho no Rio de Janeiro é exemplar da estratégia do governo. Modelo de ação, a chacina tem uma função grandiloquente que vai bem além de matar; ela tem como objetivo servir como espetáculo. De um lado, a matança na favela chama a atenção oferecendo entretenimento às massas fascistas. De outro, dá o exemplo e mostra do que o governo é capaz. Intimidação e pavor continuam sendo táticas do governo atual. E o papel de Bolsonaro nesse governo é o de colocar a todos em estado de constante perplexidade.

Desde 17 de abril de 2016, no seu discurso de apologia ao torturador de Dilma Rousseff, Carlos Alberto Brilhante Ustra, Bolsonaro demonstrou sua competência para o cargo de espantalho na grande plantação chamada Brasil. Por meio de palavras condizentes com um filme de terror, conseguiu criar o estupor essencial para o controle da Nação. Não é um exagero dizer que por meio daquele discurso ele, de modo ritual, conquistou o seu cargo, o emprego como CEO da matança em curso. Ele era o homem que oligarcas e neoliberais buscavam para o trabalho sujo de vender o país e exterminar os pobres e desvalidos.

Está em curso o projeto neoliberal de destruição da Nação que hoje instrumentaliza a Covid-19 para os fins do extermínio de parte da população. A função do presidente nesse projeto é apresentar-se como um falastrão diante das câmeras e sustentar a hipnose da Nação. Justamente para isso, ele está na posição mais visível. A posição principal, contudo, é a dos neoliberais, dos quais o ministro da Economia, Paulo Guedes, é o lacaio de luxo.

Tendo isso em vista, temos que nos perguntar como essa gente toda se juntou e conquistou o poder? Como o baixo milicianato que vem do Rio, do qual provém Bolsonaro e sua família praticante de crimes de pequena monta, fez aliança com o grande milicianato, de praticante de crimes envolvendo altos valores, mas sobretudo o grande capital nacional e  internacional?

O grande milicianato capitalista é composto de donos de bancos e empresários ultra ricos que praticam a extorsão, a exploração e o abuso econômico controlando tudo e todos como se faz nos bairros pobres do Rio de Janeiro – embora a Zona Sul que era a parte rica da cidade também já esteja entrando na zona de controle.

Qual a diferença entre a prática dos milicianos que controlam a distribuição de água ou gás nos bairros pobres do Rio e os donos de companhias de bebidas que pensam que a água pode ser explorada por uma empresa privada? A diferença é de proporção dos valores e também das estratégias da matança: uns matam com metralhadoras nas favelas, outros, associados a Estados imperialistas matam em guerras milionárias ou de forma indireta, deixando populações inteiras sem chance de sobreviver ou indiretamente, lançadas na fome.

Guerra direta e indireta, tecnologia do caos plantada diariamente, desobediência à Constituição, seguem ao lado de um projeto de economia política: o milicianato bolsonarista é simplesmente neoliberalismo associado à barbárie.

Evidente que grupos de extermínio estão tendo a sua fase de governo. Mas apenas porque o pequeno milicianato tem as costas quentes por parte do grande milicianato. O capitalismo é a economia política da bandidagem. •

* Filósofa, é professora universitária e escritora.

 

 

* Filósofa, é professora universitária e escritora.