Era para ser um encontro em que o país ajudaria a criar consensos para retomar o debate em alto nível sobre a necessidade da comunidade internacional conter as emissões de carbono e mitigar os danos provocados pelas mudanças climáticas. Afinal, o Brasil sempre foi líder na agenda climática e a reunião da cúpula global, com a presença de mais de 40 chefes de Estado e de governo, convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, seria mais uma oportunidade para o presidente e a diplomacia tupiniquim exercerem sua reconhecida competência para estabelecer um diálogo franco e aberto com outros líderes. Não foi o que aconteceu.

O problema é que o Brasil não tem um Lula da Silva ou uma Dilma Rousseff no comando da Nação. Quem protagonizou pelo Brasil o encontro da Cúpula Global do Clima, que começou na quinta-feira,  22, foi o líder negacionista Jair Messias Bolsonaro. O país passou vergonha. O atual presidente não conseguiu convencer ninguém de que tem compromisso com a redução dos gases de efeito estufa ou que vai ajudar a reduzir o desmatamento. Além disso, ao se dirigir à comunidade internacional de pires na mão, mostrou que não tem sequer um plano factível. Ao falar de meio ambiente, Bolsonaro apenas reafirmou a meta estabelecida por Dilma em 2015.

Depois de dois anos estimulando queimadas na Amazônia, demitindo cientistas pela divulgação de dados sobre o desmatamento das florestas tropicais e mantendo à frente do Ministério do Meio Ambiente um defensor de madeireiros, Jair Bolsonaro conseguiu constranger o país, os líderes políticos e a sociedade brasileira ao tentar demonstrar que se preocupa com a preservação dos biomas nacionais. Ao falar na Cúpula do Clima, Bolsonaro assumiu o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Isso quando o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia registrou, no mês passado, um novo recorde no desmatamento. Em apenas um ano, o país aumentou a derrubada de árvores em 216%. “O presidente Jair Bolsonaro mentiu deslavadamente”, criticou o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA). “Na Amazônia, o principal sistema de proteção, o Sipam, teve o pior repasse em 13 anos em 2020”.

Outros dirigentes do PT também reagiram acusando Bolsonaro de usar conquistas dos governos petistas para exaltar a queda do desmatamento, deixando de lado que o problema voltou na sua gestão. “Ele ainda disse ter fortalecido órgãos de controle. É mentira!”,  advertiu  Rocha.

“É decepcionante”, lamentou o presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Jaques Wagner (PT-BA). “Enquanto outros países se comprometem com avanços na área ambiental, o presidente apresenta discurso sem conteúdo e compromisso com o Meio Ambiente. Fala de ações que não são do seu governo e nega o desmatamento recorde que estamos tendo”.

No encontro, Bolsonaro também defendeu a ajuda financeira por parte de países mais ricos para que nações como o Brasil possam preservar seus recursos naturais. O Brasil pleiteia agora um apoio internacional no valor de US$ 1 bilhão para se comprometer a preservar a Amazônia. É uma reviravolta. Nem parece o mesmo governante que esnobou a ajuda em 2019, depois que Alemanha e Noruega suspenderam o repasse de quase R$ 190 milhões para o Fundo Amazônia, justamente em razão do forte desmatamento que o governo promoveu.

O líder do PT na Câmara, deputado Bohn Gass (RS), lembra que até o mês passado, o ministro das Relações Exteriores do Brasil espalhava bravatas e dizia em alto e bom som na cara de diplomatas e da mídia internacional que não acreditava em aquecimento global – repetindo o mantra do ex-presidente dos EUA Donald Trump. “Bolsonaro disse que o Brasil está na vanguarda do combate ao aquecimento global. Ora, até ontem, quem falava pelo Brasil no exterior era Ernesto Araújo”, ironizou.

“Bolsonaro mente a todas as Nações do mundo na Cúpula do Clima”, denunciou o deputado Alexandre Padilha (PT-SP). “Pintou um Brasil que não existe e fingiu preocupar-se com nossos recursos naturais. Sabemos o que tem por trás de sua máscara: apenas mentiras, boiada e mortes”.

Sem Donald Trump para dar guarida à sua sanha destruidora, Bolsonaro apelou a medidas adotadas pelo Brasil durante os governos Lula e Dilma. Para posar de comprometido com o meio ambiente, afirmou o compromisso de de cortar emissões de gás carbônico em 37% até 2025 e em 43% até 2030. A meta foi estabelecida pela presidenta Dilma Rousseff em 2015, na Cúpula do Clima de Paris. Na época, o mundo não tinha dúvidas de que o Brasil o cumpriria. Porém, após o Golpe de 2016, a capacidade do país de entregar o que prometeu passou a ser questionada.

Ninguém acredita em Jair Messias Bolsonaro. Na edição de quinta-feira, 22, o jornal The New York Times destacava, com chamada na primeira página, que a promessa repentina de Bolsonaro de proteger a Amazônia dificilmente vai reparar o seu histórico de “canalha ambiental”. O jornal bate duro: “Sob a supervisão de Bolsonaro, o desmatamento na floresta amazônica, de longe a maior do mundo, atingiu o nível mais alto em mais de uma década”.

Bolsonaro passou a ser alvo, no início da semana, de denúncias movidas por dezenas de celebridades internacionais, incluindo os atores Leonardo DiCaprio, Jane Fonda e Joaquin Phoenix, que pediram a Biden que se abstenha de assinar qualquer acordo ambiental com o líder negacionista brasileiro. Uma carta aberta assinada por artistas alertaram para a política de destruição promovida pelo governo brasileiro, que vem não apenas ampliando o desmatamento das florestas tropicais como tem avançado sobre terras dos povos indígenas. A carta é apoiada por vários grupos sem fins lucrativos, incluindo a AmazonWatch.

“Instamos seu governo a ouvir seu apelo e não se comprometer com nenhum acordo com o Brasil neste momento”, diz a carta. “A integridade deste ecossistema crítico está se aproximando de um ponto crítico devido ao aumento das ameaças à floresta tropical e seus guardiões indígenas pelo governo Bolsonaro, incluindo desmatamento, incêndios e ataques aos direitos humanos”.

A participação de Bolsonaro vai na contramão dos outros líderes políticos. Na reunião de quinta-feira, Biden, por exemplo, declarou que os EUA “resolveram agir” sobre a mudança climática e que aumentaria substancialmente o dinheiro que oferece aos países em desenvolvimento para resolver o problema. Ele prometeu formalmente que os EUA cortarão suas emissões pelo menos pela metade em relação aos níveis de 2005 até 2030. Seu governo também anunciou que pretende dobrar até 2024 a quantidade de dinheiro que oferece para ajudar os países em desenvolvimento, em comparação com o que os Estados Unidos gastaram anualmente na segunda metade do governo Obama.

Apenas três meses após chegar à Casa Branca, Biden mostrou um comportamento contrastante com Trump, seu antecessor, que não apenas negava a ciência tal qual Bolsonaro, como chegou a declarar que não há provas de que o aquecimento global exista. “Os sinais são inconfundíveis, a ciência é inegável e o custo da inação continua aumentando”, disse Biden.

As promessas de Bolsonaro não comoveram a opinião pública internacional. Logo depois do pronunciamento do líder brasileiro, o New York Times reiterava que a promessa foi recebida com “extremo ceticismo”. Embora não tenha pedido explicitamente na quinta por financiamento em troca da redução do desmatamento, em carta no da semana Bolsonaro disse a John Kerry que o Brasil “merece ser compensado de forma justa pelos serviços ambientais que seus cidadãos fornecem o planeta”.

Ele também apontou o dedo para os países mais desenvolvidos, acusando-os de terem promovido a queima de combustíveis fósseis por décadas, ressalvando que o Brasil é responsável por apenas 1% das emissões globais de gases de efeito estufa.  Apesar das promessas, as desconfianças continuam. O chefe do Observatório do Clima, organização de proteção ambiental brasileira, Marcio Astrini, adverte que Bolsonaro quer dinheiro novo sem restrições reais, mas coloca o pé atrás: “Este não é um governo confiável”.