Cientista político explica conflito, mas vê novo rumo para o país com volta de Lula

Em entrevista à Sputnik Brasil, Guilherme Carvalhido, professor da Universidade Veiga de Almeida (UVA),
analisa a nova relação do presidente da República
com o Supremo em meio à pandemia de Covid-19

 

A relação entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o presidente Jair Bolsonaro piorou consideravelmente nos últimos meses com o agravamento da crise sanitária no país. Muitos ministros, incluindo o presidente da corte Luiz Fux, já demonstraram publicamente que estão preocupados com o atual momento da pandemia de Covid-19.

Em 23 de fevereiro, o STF decidiu autorizar estados e municípios brasileiros a comprar e a distribuir vacinas, caso o governo federal não cumpra o Plano Nacional de Imunização ou se as doses previstas no documento forem insuficientes.

Dois meses antes, em 17 de dezembro, o STF determinou que a vacina contra o coronavírus é obrigatória e que estados, Distrito Federal e municípios também têm autonomia para estabelecer regras para a imunização.

Para o cientista político Guilherme Carvalhido, professor da Universidade Veiga de Almeida (UVA), no Rio de Janeiro, o Supremo se viu obrigado a agir devido à falta de ações efetivas do presidente da República no combate à pandemia.

Ele avalia que a corte precisou entrar em cena e tomar decisões até certo ponto políticas, mas baseadas em emergência na saúde pública, o que tem gerado desgastes entre os dois poderes.

Carvalhido diz que as críticas dos ministros se justificam não por uma suposta falta de harmonia entre os poderes, mas devido à “errática condução” do presidente durante a pandemia.

“Sabemos muito bem que, em um país continental e complexo como o Brasil, é necessário um poder central, principalmente através do Ministério da Saúde, para distribuir ações e políticas de combate centralizadas do vírus. E, desde o início da pandemia, em março de 2020, o presidente vem se mostrando profundamente incompetente”, afirmou em entrevista à Sputnik Brasil.

Ele cita dois aspectos centrais para a deflagração do embate: um “processo de negação” da pandemia em um primeiro momento e posterior lentidão em tomada de medidas efetivas para garantir a logística de distribuição de vacinas.

“O presidente, não demonstrando ações efetivas de combate à Covid, obrigou, do ponto de vista prático, o Poder Judiciário a dar aos governadores e prefeitos autonomia de construção de ações. Ou seja, na verdade, isso não teria acontecido se não houvesse esse processo negativo do presidente e de sua equipe em relação à Covid-19”, ressaltou.

Carvalhido acredita que, se o STF não agisse, o Brasil teria ainda mais problemas para controlar a pandemia e para vacinar a população. Além disso, avalia que as ações do Supremo evidenciaram “uma falta de percepção da realidade” do presidente.

“O ideal era que o Executivo tomasse as ações políticas. Quando isso não acontece de uma maneira mais eficaz, o Judiciário adentra judicializando a política e tomando medidas nesse sentido, causando um conflito, mas no meu entender foi necessário para que ações sejam feitas em relação à crise sanitária”, disse.

 

Cenário com Lula

Guilherme Carvalhido aponta que a pacificação não só é possível, mas também necessária para o equilíbrio entre os poderes da República.

Ele lembra que Bolsonaro já tem uma boa relação com as duas Casas Legislativas, com os presidentes do Senado (Rodrigo Pacheco, do DEM) e da Câmara dos Deputados (Arthur Lira, do PP).

Com o STF, na visão do professor, não há exatamente relação negativa, mas um desequilíbrio em decorrência das ações inadequadas do presidente. Mas nos próximos meses, a situação deve normalizar, de acordo com o cientista político.

Isso porque, para ele, Bolsonaro começou a pensar nas eleições de 2022 com a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao cenário político. Carvalhido acredita que a partir de agora o presidente deverá de fato tentar manter uma postura mais sóbria.

“Bolsonaro está preocupado com a imagem de Lula como um combatente à Covid-19, em relação ao uso de máscara, ao uso das ações sanitárias necessárias, fazendo com que o presidente tenha um posicionamento talvez mais equilibrado”, avaliou.

O professor afirma que as interlocuções vão ocorrer muito em função da preocupação do presidente em se reeleger, mais em sintonia com a opinião pública. “A reeleição está ali no ano que vem. E essa preocupação do presidente com a imagem é muito importante”, disse.

Sputnik Brasil