ECONOMIST. Ex-presidente do Brasil pode concorrer novamente em 2022
A revista inglesa, uma das mais prestigiadas do mundo e bíblia do liberalismo, avalia que Lula atrapalha os planos de reeleição de Bolsonaro. “O Brasil continua polarizado, mas o antibolsonarismo pode ter superado o antipetismo”
A Justiça brasileira atua de maneiras misteriosas. A última reviravolta ocorreu em 8 de março, quando Edson Fachin, juiz do Supremo Tribunal Federal, anulou duas condenações por corrupção contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, abrindo caminho para que ele concorra às eleições de 2022. Fachin pertence a uma facção de o Supremo Tribunal Federal que tende a se pronunciar a favor da força-tarefa anticorrupção conhecida como Lava Jato. Isso torna sua decisão surpreendente.
O Sr. Fachin aceitou um argumento antigo dos advogados de Lula de que os casos, que dizem respeito a propriedades que ele supostamente recebeu de construtoras, foram arquivados na jurisdição errada; se todo o tribunal confirmar essa decisão, eles recomeçarão em outro lugar. Mas outra moção no tribunal busca anular permanentemente as condenações e as provas contra Lula, sob o argumento de que Sérgio Moro, o juiz que supervisionou a investigação, foi tendencioso. Mensagens vazadas revelam que ele treinou promotores. E, mais tarde, tornou-se ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, o presidente populista do Brasil.
Alguns suspeitam que Fachin estava tentando proteger o resto de Lava Jato poupando seu alvo mais polêmico. Mas no dia seguinte à sua decisão, uma câmara do tribunal começou a debater o caso relativo ao Sr. Moro. Uma decisão favorável a Lula poderia ser usada para anular as sentenças de dezenas de políticos e empresários implicados no Lava Jato. Depois que a turma não conseguiu chegar a uma decisão, o juiz com voto de qualidade adiou seu veredicto. Mas é improvável que Lula seja condenado novamente, pensa Felipe Recondo, fundador do Jota, site com foco no Judiciário brasileiro. Um ex-promotor do Lava Jato chegou a sugerir que a prescrição foi aprovada para alguns de seus supostos crimes.
À primeira vista, a elegibilidade de Lula é um incentivo para Bolsonaro. Em 2018, o ex-presidente lançou uma campanha presidencial quixotesca apesar de ter sido impedido de votar, na esperança de convencer os eleitores antigos do PT a apoiar Fernando Haddad, que o havia substituído como candidato da legenda um mês antes da eleição. Em vez disso, a raiva contra a corrupção ajudou a eleger Bolsonaro, que concorreu com uma plataforma anti-establishment.
O Brasil mudou desde então. Bolsonaro não pode mais se pintar como um estranho. Sua tentativa de proteger seu filho mais velho, Flávio, senador, de investigação de lavagem de dinheiro resultou em acordos com os mesmos partidos que ele denunciou. Moro renunciou no ano passado, acusando o presidente de obstruir a Justiça. O procurador-geral escolhido a dedo por Bolsonaro dissolveu a força-tarefa Lava Jato em fevereiro.
O presidente foi criticado por tratar a Covid-19 com apatia e charlatanismo. A pandemia matou mais de 265.000 brasileiros. Pesadas doações para os pobres em 2020 aumentaram seu apoio, mas depois que elas cessaram e uma nova onda de casos de Covid–19 encheram hospitais, seu índice de aprovação caiu de 41% para 33%, descobriu um pesquisador. E enquanto o PT era conhecido pelas campanhas de vacinação, Bolsonaro as rejeita. Depois que um recorde de 1.910 pacientes morreram em 3 de março, ele disse às pessoas para pararem de choramingar. Em 2018, “ele era um franco-atirador, atirando em todo mundo”, diz Cláudio Couto, cientista político. “Desta vez, ele será o alvo.”
O Brasil continua polarizado, mas o antibolsonarismo pode ter superado o antipetismo. Em uma pesquisa recente, 50% dos brasileiros disseram que poderiam votar em Lula; 44% disseram que nunca o fariam. Apenas 38% disseram que podiam votar em Bolsonaro; 56% se recusam a isso. Essas altas taxas de rejeição intensificaram os apelos por uma frente ampla para se unir em torno de um candidato centrista. O PT, por sua vez, avançou ainda mais para a esquerda nos últimos anos, mas Lula pode fazer com que o partido volte ao centro, como fez em seu primeiro mandato.
Por mais que Bolsonaro gostaria de gastar até a reeleição, seu governo carece de dinheiro. Seu fracasso em aprovar reformas econômicas para conter o crescimento da dívida pública alimentou o aumento da inflação. “Todo dia é dia de preços altos no Brasil de Bolsonaro!” proclama um vídeo que se tornou viral. Mas muita coisa pode mudar nos 570 dias até que os eleitores votem.
Artigo publicado na The Economist, edição de 13 de Março de 2021.