O Golpe de 1964
Como resumir o que aconteceu no país há 57 anos num relato curto para minha neta: “O movimento golpista tomou a esquerda, em todas suas dimensões, como o inimigo a derrotar e liquidar” Por Emir Sader O golpe militar de 1964 no Brasil foi um marco, tanto na história brasileira, como da America Latina. Foi um típico golpe da Guerra Fria, a tal ponto, que foi dirigido pelos militares brasileiros que fundaram a Escola Superior de Guerra do Brasil, em 1949, para protagonizar a luta contra o comunismo no pais. Foram eles Humberto Castelo Branco – o primeiro ditador – e Golbery do Couto e Silva, o ideólogo mais importante do golpe. O movimento desenvolveu, ao longo dos anos 1950, a ideologia de segurança nacional, e atuou na perspectiva de salvar o Brasil do comunismo internacional – centrados na Russia, China e Cuba. Propagavam que o comunismo estava preparando um golpe para instaurar um regime totalitário no Brasil. Haveria que lutar contra a subversão e contra a corrupção, para defender a democracia. Em momentos determinados da década de 1950, o movimento tinha tentado tomar o poder: na luta contra o Getulio em que, com acusações contra a corrupção. Quase chegaram a derrubá-lo. Com o seu suicídio, Getulio os derrotou e adiou por uma década o golpe. Tentaram impedir a candidatura e a posse do Juscelino Kubitschek nas eleições de 1955 e houve duas tentativas de putsch de militares da aviação contra o governo do JK. Na renúncia de Jânio Quadros, em 1961, tentaram de novo dar o golpe, impedindo que o Jango, que estava de viagem na China, assumisse, como vice-presidente. Conseguiram impor o parlamentarismo, que seria revogado logo depois, numa consulta popular. O movimento golpista de 1964 tomou a esquerda, em todas suas dimensões, como o inimigo a derrotar e liquidar: o governo do João (Jango) Goulart e todos os setores que o apoiavam – sindicatos, partidos de esquerda, centros culturais, universidades, meios de comunicação, setores nacionalistas das Forcas Armadas, artistas, intelectuais que tivessem posições progressistas. Setores de classe média e da Igreja Católica aderiram à ideia de derrubar Jango. A impressão é que a sociedade era contra o governo. Uma mentira Articulou-se fundamentalmente com setores das Forças Armadas que eram formados na Escola das Américas, situada na Panamá, e dirigida pelo governo norteamericano para difundir a ideologia da segurança nacional. Qualquer mobilização popular, qualquer reivindicação social, qualquer opinião nacionalista, era caracterizada como uma manifestação à subversão comunista e tinha que ser liquidada. A posição do governo Jango era nacionalista, buscando promover a nacionalização de empresas fundamentais para a economia e a reforma agrária, atacando assim o imperialismo e o latifúndio. Alem da articulação militar, o movimento mobilizou setores de classe média – em grande medida mulheres religiosas – em Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade – de que participava também a Igreja Católica. Passavam a impressão que a maioria da sociedade estava contra o governo e a subversão. Em 1º de Abril de 1964, um núcleo militar tomou os quartéis de Minas Gerais e se rebelou contra o governo, chamando à adesão de outras unidades militares. Conforme combinado, imediatamente se rebelaram as unidades militares de São Paulo e do Rio de Janeiro, isolando os setores nacionalistas das FFAA, e tomando o poder em Brasília. Sem formas de apoio, Jango saiu de Brasília, indo para o Rio Grande do Sul, onde contava com o apoio do ex-governador do estado Leonel Brizola. Isolados, não puderam resistir e o movimento golpista se consolidou, promoveu a um dos golpistas, Humberto Castelo Branco como presidente – na realidade, ditador – e deu início ao período de 21 anos de ditadura militar no Brasil que, sob o pretexto de defender a democracia, instauraram a mais longa e brutal ditadura militar no país. • * Jornalista